A trágica história do vapor inglês Raisby

PorJosé J. Cabral,21 jun 2021 12:17

Há exatos 120 anos, no dia 21 de junho de 1901, pelas 11h00 da noite, encalhava na Ponta do Escorregadeiro em São Nicolau o vapor RAISBY .

Em tudo parecida com a odisseia de John na Praia Formosa em 1947, cuja saga, recuperada pela Juventude em Marcha, na peça “Canjana” e mais recentemente registada em livro (Tempo de John – Encalhe do navio SS John Schmeltzer em Cabo Verde, 2019), por Pitt Reitmaier e António Pedro Delgado, a de Raisby, permanece apenas na memória da poucas gentes-grandes vivas da ilha, numa altura em que essas narrativas sugerem o aproveitamento como produtos turísticos de excelência.

Cabo Verde é detentor de um extraordinário património submerso, ou não fosse o arquipélago, situado no então centro do mundo, ponto obrigatório de passagem de quantos demandavam os mares do atlântico sul, fosse em direção do índico ou ao pacífico.

Muitos encalhes e afundamentos acontecerem. Alguns, apesar da tragédia deixaram boas-memórias para o povo das ilhas, porque não raramente suas cargas alimentavam famintos.

Procurado para fazer aguada na Fresh water bay muitos navios iam parar ao Carriçal. Pedro Álvares Cabral andou por lá na sua viagem de descoberta do Brasil, Piratas Ingleses que lá aprisionaram o Capitão Roberts, mais tarde as barcas baleeiras americanas …;

Para esse ou outro fim, o que foi fazer por aquelas bandas o capitão David H. Evans não se sabe. Certo que num domingo, dia 21 de junho de 1901, pelas 23 horas, encalhou sob o seu comando, algures na Baía de São Jorge, o vapor Raisby.

Construído em aço em 1889[1] nos Estaleiros Ropner Shipbuilding em Stockton, suas dimensões de 83x11x 5.7 metros deslocavam 2.205 toneladas, propelidas por um motor a vapor de 3 cilindros, com potência de 201 nhp.

A navegar com bandeira Inglesa da praça de Hartlepool, era propriedade de Hopner & Companhia. Seguia carregado de milho, de Rosário de Santa Fé na Argentina para Las Palmas.

Nesse tempo São Nicolau dispunha de jornal. Foi por essa via que ficamos a saber que o milho que Raisby transportava para as Canárias, um ano depois do encalhe, embora podre, ainda servia de alimentou à população desesperada de São Nicolau:

“A propósito do estado de desespero que a fome causava regularmente em todas as ilhas do arquipélago, o Jornal “Liberdade” relata que em S.Nicolau, por exemplo, viveu em 1902, uma dramática situação em que “o povo vai buscar ás praias do Escorregadeiro o milho podre, que lá ficou da móia do «Raisby», encalhado há mais de um anno e já despadeçado pela maresia. O povo vai comendo desse milho, o que bem indica a miséria, a fome, a doença, a desgraça, enfim, que vai cortejada pela exigência das decimas, no mez de Setembro, sem chuvas, sem sementeiras, sem dinheiro para comprar milho, para comprar um caldo para os doentes!... Incrível![2]

Tive a oportunidade de acompanhar o Doutor Wlodzimierz Józef Szymaniak, um aficionado dessas lides que nos vem destapando o mar das ilhas, numa expedição que juntos realizamos ao Raisy em novembro de 2020.

Cento e vinte anos depois permanecem visíveis em terra, muretes construídas para resguardar o milho que ia sendo recuperado do navio. No mar, a profundidades que variam de -1 a – 17 metros, em bom estado de conservação, várias peças espalhadas: casco partido, partes da maquinaria, chaminés, caldeiras e hélice;

Cabo Verde palco de tragédias marítimas, à espera de regate e qualificação como ativo económico e produto turístico, de promoção da coesão social e do desenvolvimento local.

Da arqueologia subaquática ao mergulho recreativo (impressionante a vida marinha que colonizou os seus destroços), essas podem ser opções de aproveitamento dos destroços de Raisby e de outras embarcações emblemáticas que povoam os mares das ilhas.

Devidamente qualificado juntamente com o extraordinário património marítimo, o país tem em mãos a possibilidade de oferecer um nicho de turismo de grande valor acrescentado.

Muito desse património encontra-se irremediavelmente perdido, felizmente há gente como Emanuel (Monaia) Oliveira que produziu “Cabo Verde uma história submersa”, os professores Szymaniak, José Évora, Brito Semedo. Este, através da sua Esquina do Tempo, vem-nos refrescado a memória sobre os Faluchos e Capitães da nossa história.

Empenhado em não deixar perder os vestígios que sobraram, eis a minha contribuição.

As fotos são do professor Szymaniak, a quem agradeço a gentileza e o despertar para este segmento descuidado do património do meu país.

José J. Cabral

21 de junho de 2021

[1]Dados da Secretaria Geral do Governo Fonte: BO –27/06/1901; BO 20 julho de 1901

[2](c.f.www.wrecksite.eu/wreck.aspx?149409)

[3]Fonte: Jornal “Liberdade”, ilha de S. Nicolau, 17/09/1902

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Autoria:José J. Cabral,21 jun 2021 12:17

Editado porAntónio Monteiro  em  22 jun 2021 9:46

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