Leila Gonçalves orgulhosa por seguir a profissão do pai

PorDulcina Mendes,24 out 2021 8:09

Leila Gonçalves, mais conhecida por Nila, começou a fazer sapatos em 2017, depois da morte do pai, conhecido por Socorrinho, um dos sapateiros mais conhecidos da capital do país. Numa conversa com o Expresso das Ilhas, a jovem, natural da cidade da Praia, afirma que hoje é sapateira e não se vê a fazer outra coisa, que não seja fazer sapatos, porque gosta daquilo que faz. 

O pai tinha uma oficina, situada atrás da Shell no bairro da Terra Branca, onde fazia sapatos, sobretudo para homens. O senhor Socorrinho veio a falecer, depois de ter sido diagnosticado com um cancro.

“O meu pai ficou doente quando eu estava a estudar no segundo ano de Direito, vindo a morrer seis meses depois”, conta a jovem.

Com a morte do pai, Leila Gonçalves passou a ir para a oficina. “Nós sempre vivemos do trabalho do nosso pai. Decidi então ir para a oficina organizar as coisas e comecei a trabalhar. Cada dia mexia numa peça diferente. Entretanto, como não havia muita coisa para fazer, a pessoa que trabalhava connosco na oficina deixou-nos”.

Foi a partir daí que Leila resolveu assumir a sapataria do pai. “Comecei a fazer as coisas aos poucos e quando dei por mim já estava a fazer sapatos. Até porque há um ditado que diz que filho de peixe, peixinho é (risos)”.

Leila confessa que no início foi complicado porque nunca tinha aprendido o ofício com o pai. “O meu pai sempre foi sapateiro, mas ele nunca nos deixou conviver com ele nessa parte da oficina. Só íamos à oficina para o cumprimentar, quando íamos e voltávamos da escola”.

“Quando a pessoa que trabalhava connosco na oficina se foi embora, fiquei sozinha e a primeira coisa que aconteceu foi que estraguei a máquina de coser sapatos. Não sabia como aquilo funcionava”, conta.

A mãe aconselhou-a a procurar alguém para recuperar a máquina e, com o passar do tempo, descobriu um amigo do pai que não só arranjou a máquina como a ensinou a trabalhar com ela. E depois disso começou a costurar.

“A única coisa em que sabia que tinha um dom, em relação aos sapatos, era como designer, mas não para pegar num lápis e desenhar. Consigo criar peças dentro da minha cabeça, depois pego na pele ou napa e faço o corte directamente sem precisar desenhar. Se vejo uma imagem de uma sandália de três ou quatro tiras, faço os cortes e coloco no desenho para fazer o esboço”, explica.

Para Leila Gonçalves foi e está a ser complicado fazer sapatos porque é um tipo de trabalho que exige muito. “Foi complicado no início, e até hoje ainda é complicado porque fazer sapatos exige muitos detalhes, medidas e há diversidade de pés. Se errar nas medidas, o sapato fica com defeito”.

Reconhece que está numa fase boa, porque está a ser reconhecida. “Trabalho sozinha e estou a ficar com um número grande de clientes. Estou a trabalhar bastante para poder dar respostas às demandas”. Além de fazer sandálias, Leila faz bijuteria, cintos e bolsas para senhoras.

Responsabilidade

Leila Gonçalves afirma que como o pai era bom sapateiro e conhecido no mercado, ela sente muita responsabilidade ao fazer cada peça. “É uma grande responsabilidade e se não seguir a linha do meu pai as pessoas vão logo notar”.

Além da responsabilidade, diz sentir-se orgulha daquilo que faz porque está a honrar o nome do pai. “Sinto orgulho em cada passo que dou e de cada trabalho que faço carregando o nome de Socorrinho. Sei que estou a fazer a coisa certa e algo que o meu pai merece que eu faça”.

Por outro lado, há a parte da valorização, já que está numa área considerada “trabalho de homem”. A jovem disse que conta sempre com o apoio da mãe, o que lhe dá força para continuar nessa área que passou a ser a sua grande paixão.

“Sinto orgulho e a única coisa que queria é que o meu pai me visse a fazer o trabalho que ele fez a vida toda. Às vezes faço coisas que nunca pensei que seria capaz de fazer, então acredito que herdei isso do meu pai, até porque não tinha nenhum contacto com sapataria”, assegura.

Leila Gonçalves tem a sensação de que o seu pai está sempre presente, sempre com ela. “Sou a única filha que decidiu seguir a profissão do meu pai. Somos três filhos de Socorrinho, sou a mais nova e sou a única que está nesta área Tenho muito orgulho naquilo que faço”.

Leila criou os seus próprios modelos e mostra-os nas redes sociais, mas faz mais sandálias para mulheres do que sapatos para homens. “Quando o meu pai estava vivo ele fazia mais sandálias para homens. Acho que criei o meu mercado mais jovem e mais feminino”.

No início, a sua principal preocupação era ajudar a mãe financeiramente, mas hoje já entendeu que está a gostar daquilo que faz. “Isto é minha vida. Fiquei a encarar cada sapato que faço com delicadeza e finura, tudo o que o meu pai colocava no seu trabalho”.

Futuro

Leila Gonçalves sonha ter mais pessoas a trabalhar com ela na oficina, mas confessa que não é fácil encontrar quem tenha interesse nessa área. “Pelo estilo de sandália da sapataria Socorrinho – há muitos sapateiros, mas se fores ver o estilo de sandálias que o meu pai fazia, é muito diferente. [A nossa sapataria] tem uma forma diferente de fazer sapatos, tanto em termos de costura, como de estrutura”.

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Leila Gonçalves considera que ainda precisa aperfeiçoar e aprender mais. “Estou a aprender todos os dias e um dia vou chegar a um ponto em que poderei dizer: agora sim, posso ensinar”.

O desafio nessa área, segundo Leila, é encontrar matéria no mercado. “O meu pai ia fazer compras ao Senegal e ao Brasil. Ainda não tive oportunidade de viajar, estou a trabalhar com as lojas que têm o contacto do meu pai”.

“Em Cabo Verde, o maior desafio de um artesão é encontrar material com qualidade. Se queres um produto de qualidade, tens que sair para fora do país”, acrescenta a jovem sapateira.

Redes sociais

Uma das primeiras coisas que Leila Gonçalves fez, foi criar uma página na rede social, Facebook, com o nome “Sapataria Socorrinho. “Foi a partir disso que começou tudo, houve um cliente que fez uma grande encomenda e, na época, havia uma pessoa a trabalhar connosco. Hoje em dia estou mais no Instagram porque estou a criar um mercado meu e foi lá que encontrei mais clientes”.

Leila sublinha que, estando nas redes sociais, surgiram mais clientes. Criou também novos modelos, diferentes daqueles do tempo do seu pai. E quando começou a fazer o novo modelo, este foi acolhido com sucesso.

“Decidi fazer uma colecção denominada Família que foi a primeira que apresentei. Acho que tem tudo a ver com o meu pai, ele sempre foi um homem de família. Foi por isso que resolvi fazer essa coleccção primeiro”, frisa.

Foi a partir daí que descobriu que a sua paixão é, de facto, fazer sandálias para mulheres. Já sandálias para homens, confessa, como referido, que precisa aperfeiçoar ainda mais. “A dificuldade que tenho é em aperfeiçoar a sandália de homem, porque não tenho estado a fazer. Como estou a ser conhecida, começou a haver pedidos, mas ainda não tenho confiança suficiente para fazer sandálias para homens”.

Leila Gonçalves salientou que a pandemia foi o momento em que o seu trabalho deu um “boom”. “Criei um modelo de sandália durante a quarentena que fez muito sucesso. Na quarentena foi o meu melhor momento, fiz muitas coisas novas”.

Quanto aos preços das suas sandálias, variam entre os 1.000 e os 3.000 escudos, para crianças, jovens e adultos. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1038 de 20 de Outubro de 2021. 

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Autoria:Dulcina Mendes,24 out 2021 8:09

Editado porSara Almeida  em  25 out 2021 9:24

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