O seu gosto pelo desenho começou desde muito cedo, mas não sabia que isso viria a ser a sua paixão, pois seu sonho de criança era ser bombeiro, para poder salvar vidas. “O meu sonho quando criança não era ser artista, embora tivesse aquele dom, mas de ser bombeiro porque, como via muitos desenhos animados, tinha o sonho de salvar vidas. Em casa viram que eu tinha o dom para fazer desenhos e então compraram-me plasticinas”.
“Como era uma criança que ficava muito sozinha, a arte foi o meu refúgio para não me sentir sozinho. Fiquei a fazer os meus desenhos e divertir-me comigo mesmo até que descobri que através da arte também podemos salvar vidas. Houve alguém que me disse que o motivei muito com a minha arte pois estava ao ponto de desistir de tudo mas, depois que viu o meu trabalho e conheceu a minha estória, mudou de ideia de desistir de viver”, conta.
“É por isso que digo que o meu sonho se mantém vivo. Não sou bombeiro, mas estou a salvar vida de outra forma, pois a arte salva e sou a prova disso”, afirma o jovem artista.
A arte ganha forma
Apesar desse sonho, a arte não surgiu do nada e Kennedy Pontes teve que passar por muitas experiências até chegar aonde está hoje. Foi crescendo e cada vez desenhava e aprendia mais e, em jeito de brincadeira, fez seus desenhos em festas de crianças e passou a gostar cada vez mais da brincadeira de pintura facial.
“Comecei a fazer pintura facial em 2018 a ver Sams Semedo (Sams Facttory), Art/Make Up e outros nos vídeos no Youtube, o que despertou o meu interesse pela pintura facial. Primeiro comecei a fazer nas crianças nas festas no bairro de Terra Branca e passei a gostar cada vez mais desse trabalho”, conta.
Depois de vários trabalhos realizados, Kennedy Pontes decidiu fazer dessa brincadeira uma forma de ganhar o seu próprio dinheiro. “Entre 2019 e 2020 decidi encarar essa arte como profissão, criei uma página no Facebook e comecei a fazer o meu marketing digital e foi assim que o meu trabalho passou a ser mais conhecido. Já fiz pintura na festa de crianças e Halloween mas também faço pinturas corporais”.
“Por acaso, o que passou a chamar mais atenção do público são as minhas pinturas corporais. Em 2021 fiz muitas pinturas de bebés na barriga das grávidas”, conta.
“Há pessoas que me deixam livre para fazer as pinturas e mesmo quando há pessoas que escolhem as suas pinturas dou sempre o meu toque artístico para não ficar tipo cópia”, explica o jovem artista.
Apesar das várias horas seguidas que o artista tem de ficar numa determinada posição para fazer esse tipo de trabalho, Kennedy confessou que gosta do que faz pois tudo na vida exige sacrifício.
Kennedy Pontes estudou até o 9º ano de escolaridade, mas pretende retomá-lo logo que seja possível. “Decidi focar na minha arte, mas com isso não quer dizer que deixei de lado por completo os meus estudos. Estou a dedicar mais aos meus trabalhos para ver se consigo montar a minha empresa para, depois disso, retomar os meus estudos e investir mais em mim”, frisa.
Quanto à reacção dos pais sobre a sua escolha, sublinhou que a família sempre quer que os filhos se dediquem mais ao estudo e foi por isso que no início houve alguma insegurança, o que acredita ser normal.
O jovem artista citou que já trabalhou com artistas como Djam Neguin e o rapper Batchart. “Eles gostam do meu trabalho e partilham o contacto com outras pessoas. Por isso tento sempre fazer o meu trabalho da melhor forma possível para poder ter cada vez mais visibilidade”.
Procura
Kennedy Pontes diz que tem mais trabalho no Halloween, no Carnaval, no Natal e nas festas das crianças, mas também faz maquiagem artística para videoclipe.
O artista conta que uma das primeiras coisas que fez nessa área foi de quadros e “quando fiz isso ainda nem tinha pensado na pintura corporal”.
Plano
Para o ano de 2022 o jovem quer fazer a sua pintura num ambiente diferente daquilo que tem feito até agora, como forma de inovar.
“Este ano quero fazer de modo diferente as minhas pinturas faciais. Em vez de trabalhar em casa, posso sair e fazer esse trabalho em bonitas paisagens. E aproveitar para fotografar o trabalho nesse ambiente pois tenho o meu material que me permite fazer isso”.
O sonho não para por aqui, Kennedy Pontes quer um dia poder realizar um desfile de pintura facial.
Fotografia
Kennedy Pontes conta que a fotografia é sua outra paixão e tem feito trabalhos nessa área. “Fiz trabalho com os artistas Djam Neguin e Batchart na campanha de prevenção ao suicídio “Sê kel k bo ê” enquadrado no Setembro Amarelo. Já fiz um pouco de tudo na arte, por isso não me defino como pintor, tatuador, fotógrafo, mas como artista”.
“Já fiz pinturas nos murais, graffites também, desenho nos restaurantes e em salões de cabeleireiro. Tenho recebido sempre bom feedback. As pessoas falam comigo na rua sobre as minhas pinturas e isso mostra-me que o meu trabalho não está a ser em vão e que me estão a reconhecer”, afirma.
Outra forma que o jovem tem usado para mostrar a sua arte é através da pintura facial que costuma fazer nele mesmo. “Por exemplo, tenho ido para a Kebra Canela com a minha cara pintada e há pessoas que acham que sou doido, mas há outros que reconhecem que estou a mostrar a minha arte. Antes tinha vergonha, mas percebi que não vale a pena ter vergonha. Pois vergonha é só perda de tempo, então deixei a vergonha de lado, e tento sobressair acima dos meus medos e desafiei a mim mesmo a fazer coisas que nem sabia que tinha capacidade para fazer”.
Apesar de sonhador, o jovem de 21 anos disse que para se ser artista não é só sonhar, tem que se fazer as coisas acontecer.
“Já lutei muito, já trabalhei em outras áreas, mas vi que não era isso que queria porque prefiro trabalhar 16 horas no meu próprio sonho do que no sonho dos outros. Segui o meu caminho porque não tenho medo de trabalhar. Enquanto estive a fazer outros trabalhos estive sempre a procurar condições para fazer aquilo que mais gosto”, explica.
Pandemia
Para o jovem artista a pandemia está a ser uma grande lição pois tem feito trabalhos em outras áreas, “porque não dá para só fazer pintura facial e corporal. Tenho-me focado em outras áreas porque sei que só pintura facial e corporal não me vai ajudar”.
Com a pandemia fiquei mais tempo a trabalhar de casa e a partilhar a minha arte. “Tive muitos trabalhos, em Dezembro de 2021 houve festas de pintura facial de crianças. Fui chamado para fazer dois trabalhos ao mesmo tempo e não tinha como dar respostas aos dois eventos pelo que tive que optar por um e arranjar uma outra pessoa para fazer o outro”.
Em relação à formação, disse que ainda não está a pensar nessa possibilidade, porque está na fase de aprendizagem. “Tenho muito para aprender, porque não acho que estou num nível de partilhar os meus conhecimentos. Ainda estou a aprender, a pesquisar mais sobre essa área. Esses trabalhos são cansativos e exigem muito de mim e tenho que procurar algo para me motivar. Escuto música e leio livros porque às vezes não é fácil pois há críticas e se não tens o foco acabas por desistir. Em Cabo Verde dedicar a essa área não é fácil porque não há muitas condições nem apoios”.
Por isso tem de seguir sozinho e procurar sempre forças para continuar a fazer aquilo que mais gosta e “investir nos meus próprios materiais e é assim que tenho feito a minha arte. Penso um dia fazer formação nesta área para estar melhor capacitado”. Enfim, sair para fora do país para aperfeiçoar e mostrar a sua arte e ter outras condições de trabalho.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1051 de 19 de Janeiro de 2022.