O texto é inspirado no livro O Diabo foi meu Padeiro, do escritor e músico Mário Lúcio, que terá uma participação especial na peça. Conta a história dos nacionalistas africanos encarcerados no Campo de Concentração do Tarrafal, na Ilha de Santiago, por se oporem ao regime colonialista da ditadura do Estado Novo.
O livro
O Diabo foi meu Padeiro é um romance publicado pela editora Dom Quixote que traz a memória histórica do Campo de Concentração do Tarrafal, agora Museu da Resistência. Nos 45 anos do encerramento do Campo de Concentração, Mário Lúcio Sousa, nascido no Tarrafal, toma a voz de vários prisioneiros chamados Pedro chegados em diferentes vagas de Portugal, da Guiné, de Angola e mesmo de Cabo Verde.
Ao relatar a história da prisão do Campo de Concentração e de quem a foi dirigindo ao longo dos anos, o romance homenageia simultaneamente os que ali perderam a vida e os que sobreviveram ao horror e ainda os vários modos de falar uma língua que foi, tantas vezes, a que os tramou e a que os viria a salvar.
A peça
A jornalista e autora da peça, Paula Torres de Carvalho, disse à Lusa que o espectáculo foca-se na segunda fase da história do Campo de Concentração do Tarrafal, que voltou a abrir, em 1961, para “enclausurar nacionalistas africanos que lutavam pela independência” de Cabo Verde.
“Quando o campo do Tarrafal reabriu, por ordem do ministro do Ultramar da altura, Adriano Moreira, para enclausurar os nacionalistas africanos, ficou com o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom, que é uma localidade do Norte da ilha de Santiago”, frisou.
Em palco estarão os vários géneros artísticos que vão expressar “o sofrimento e a resistência dos presos africanos que se opuseram ao regime do Estado Novo e que foram deportados para o Tarrafal”, explicou, em comunicado, o município de Grândola.
“A narrativa deste espectáculo multidisciplinar, que reúne em palco vários géneros artísticos, desde a música ao vivo, à dança, teatro, poesia, artes circenses e vídeo, regista memórias da época anterior, entre 1936 e 1957, quando ali estiveram detidos antifascistas portugueses”, sublinhou a autarquia.
O elenco é composto por um “grupo intergeracional” de artistas profissionais e amadores de “ilustres cabo-verdianos, guineenses, angolanos e portugueses”, indicou a autora, acrescentando que o Ministério da Cultura “já reconheceu o manifesto interesse cultural” do espectáculo.
“Isto faz parte da memória histórica de Cabo Verde e de Portugal naquilo que respeitou a luta contra a ditadura e é um dever de memória relactivamente a todos aqueles que estiveram presos e morreram no Tarrafal”, antiga colónia penal portuguesa.
Para o trabalho de pesquisa, a criadora contou também com “o contributo” de um ex-prisioneiro do Tarrafal, Jaime Schofield, que forneceu “o seu testemunho na recolha de informação”.
A produção conta igualmente com a participação de “um grupo de dançarinos, um grupo de teatro, um grupo de músicos que vão tocar ao vivo e do coro Voz Terra”, dirigido por Heloísa Monteiro, estando previsto “cerca de 40 pessoas em palco”.
Com o texto de Paula Torres de Carvalho, direcção artística de Pascoal Furtado, professor do Chapitô, e direcção musical do violinista António Barbosa, esta “viagem” às histórias do também designado “Campo da morte lenta”, conta com a voz principal da cantora Sofia Carvalho, sobrinha neta do conhecido poeta cabo-verdiano Ovídio Martins.
O espectáculo, que é apresentado no dia 12 de Fevereiro, às 21:00, na sala multiusos do Parque de Feiras e Exposições de Grândola, tem o apoio da Câmara Municipal de Grândola e da Direcção Regional de Cultura do Alentejo.
A peça será também apresentada, no dia 09 de Abril, no Centro Cultural de Carnide, em Lisboa.
*com Agência Lusa
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1052 de 26 de Janeiro de 2022.