Artistas das noites cabo-verdianas de olhos postos em trabalhos discográficos

PorDulcina Mendes,17 abr 2022 8:59

O país está cheio de artistas talentosos, muitos com uma carreira de sucesso e vários trabalhos no mercado, mas há quem esteja nessa área há bastante tempo, sem nunca ter tido oportunidade de gravar os seus trabalhos. Os que actuam nas noite cabo-verdianas acalentam o sonho de ter um trabalho discográfico no mercado. O Expresso das Ilhas esteve em conversa com alguns dos jovens artistas que tocam nas noites da Cidade da Praia, para conhecer o seu percurso no mundo da música e o seu sonho nessa área.

Os nossos entrevistados contam que decidiram actuar na Noite Cabo-verdiana por paixão à música e não apenas por aquilo que recebem no final das actuações. Esses jovens artistas não se dedicam cem por cento à música, apesar do amor que os move nessa área, pois há aqueles que têm uma profissão e outros que estão a apostar na sua formação. Actuam essencialmente nos finais de semana, embora um ou outro se apresente nos dias de semana, dependendo do convite.

As noite cabo-verdiana para muitos são um caminho para chegar a outros horizontes, conquistar novos mercados e, por conseguinte, realizar o sonho que almejam nessa área.

Alguns desses jovens já tinham planos traçados, mas com pandemia tiveram que adiar os seus sonhos e reinventar-se para conseguir sobreviver. Com a reabertura, aos poucos, esses artistas estão a voltar às suas actividades, ainda que com algumas limitações.

Mundo da música

O jovem artista Edvaldo Silva Soares, mais conhecido por Tote Xinoca, natural da ilha do Maio, tem actuado nas noites cabo-verdianas desde 2003, depois de ter participado no concurso “Todo Maio Canta”, não tendo nunca mais parado.

“Comecei na ilha do Maio, quando estudava, e participei no concurso “Todo Maio Canta”. Depois fui prosseguir os meus estudos superiores na ilha de São Vicente e lá ganhei muita experiência nessa área”, conta.

São Vicente, em termos da música era, na altura, a ilha que estava mais bem preparada. “Aprendi muita coisa lá e foi boa a época em que estive a estudar na ilha do Monte Cara. Depois de terminar a minha formação regressei à minha ilha natal e continuei no mundo da música aos finais de semana”.

Tote Xinoca faz parte da banda Free Time, juntamente com outros jovens músicos maienses. Conta que eram muito conhecidos na ilha, onde tiveram oportunidade de participar em vários eventos como feiras culturais, festivais e outras actividades que ali se realizavam. É também vocalista e toca cavaquinho no grupo Sete Sóis, Sete Luas, da ilha do Maio, mas actualmente reside na cidade da Praia onde pretende alavancar a sua carreira musical.

“Estar na cidade da Praia é mais uma alavanca para quem está no mundo da música e a minha decisão de vir para a cidade da Praia está a revelar-se muito boa. Cada dia estou a ser mais conhecido e em cada semana actuo em um sítio diferente. E tocar com músicos diferentes é muito bom”, diz.

Zuleica Rosário, natural da ilha do Fogo, é outra jovem artista que actua na Noite Cabo-verdiana, na cidade da Praia. A jovem explica que apesar de ter encontrado música em casa, descobriu muito tarde o seu talento nessa área. “Em 2017 participei num concurso musical, tendo ganhado como a melhor voz da ilha do Fogo. Depois disso fui representar a minha ilha no concurso ´Vozes das ilhas`. E em 2018 comecei a cantar na Noite Cabo-verdiana”, conta, dizendo que tem vindo a ganhar cada vez mais gosto pela música.

Ronilda Ramos, artista da ilha do Maio, mas a residir na Praia há muitos anos, explica que a música sempre fez parte da sua vida, pois tem familiares nessa área, mas começou a cantar na igreja e na escola participou no concurso de pequenos cantores.

“Comecei a actuar na Noite Cabo-verdiana em 2013, depois de ter participado no concurso `Talentu Strela 3`. Passei então a frequentar alguns lugares de tocatina na cidade da Praia. O restaurante Quintal da Música foi o primeiro espaço onde cantei e depois veio a surgir a oportunidade de actuar em outros lugares”, sublinha.

Além de actuar na Noite Cabo-verdiana, Ronilda Ramos já fez back vocal com outros artistas nos festivais de música que acontecem no país.

Raquel Monteiro, de nome artístico Rhaya Monteiro, também natural da ilha do Maio, conta que começou a cantar ainda criança em casa, e desde os 13 anos na Igreja. A sua primeira actuação pública deu-se aos 17 anos, precisamente numa actividade da igreja que aconteceu na zona de Ribeira Dom João, na ilha do Maio. Foi feito um encontro de jovens daquela aldeia onde a cantora apresentou uma música do grupo santantonense Cordas do Sol. Depois disso participou num concurso musical, através do liceu do Maio.

“Participei numa gala nacional que aconteceu na ilha de São Vicente, onde fomos vencedores. O liceu do Maio tinha ido representar a ilha. A partir daí tenho estado a actuar nas noites cabo-verdianas e nalgumas galas que acontecem na cidade da Praia”, conta Rhaya Monteiro, que também reside na cidade da Praia há alguns anos.

Projectos

Está a caminho o projecto de gravar os seus trabalhos discográficos e dizem que enquanto esse sonho não for realizado vão continuar a actuar nas noites cabo-verdianas.

Tote Xinoca confessa que desde que está no mundo da música tem pensado em gravar o seu single ou mesmo um CD, mas ainda não teve essa oportunidade. “Todas as pessoas que cantam têm essa ideia de um dia gravar um single ou um CD e não sou excepção”.

O jovem artista disse que pretende lançar o seu primeiro single, em parceria com o seu irmão, Adê Costa, que já tem discos no mercado. “Com o meu irmão, que quer ser produtor, vamos trabalhar neste sentido. Então o seu primeiro trabalho [como produtor] será comigo e serão gravadas as minhas músicas. Praticamente já começámos e em breve vamos ter novidades. Já temos músicas preparadas e surgiram compositores anónimos que querem oferecer-nos músicas para gravarmos”.

Ronilda Ramos conta que já surgiram muitas oportunidades para gravar o seu trabalho discográfico. “Mas, como sou exigente comigo mesma, porque acho que o início do trabalho vai depender muito de mim, quero que seja algo bom”.

“Não é que tenha que ser algo grande, mas não quero que seja uma coisa qualquer, gravar só por gravar e ficar por ali. Se fosse para ser assim já teria gravado. Quero que o meu trabalho tenha um mínimo de qualidade nas gravações, vídeo e outras coisas para deixar uma boa impressão. Outra coisa que fez com que ainda não tenha gravado é que, como era estudante, era difícil conciliar as duas coisas, já que a minha prioridade sempre foi os meus estudos”, assegura.

Ronilda Ramos explica que primeiro queria terminar os seus estudos porque “a partir do momento em que gravas um disco” as exigências aumentam. Assim, “achei que devia primeiro concluir os estudos e só depois fazer um trabalho discográfico. Quando resolvi fazer o meu trabalho discográfico surgiu a pandemia e com isso o meu plano mudou totalmente”.

Já Zuleica Rosário adianta que já tem músicas prontas para gravar, mas ainda está à espera que a pessoa que lhe mostrou abertura para fazer esse trabalho esteja disponível. “Quero que a minha música seja algo inédito e como ainda não aconteceu a gravação, estou a preservar os meus temas.”

Rhaya Monteiro, por seu lado, anuncia que está a preparar o seu primeiro single, que deverá chegar ao mercado ainda este ano. “Neste momento, estou a preparar o meu primeiro single, mas não posso revelar a data. Sou uma pessoa que gosta de dar tempo ao tempo e quando fazemos isso conseguimos planear melhor as coisas e fazer com que elas aconteçam da forma que desejamos. Mas acredito que o meu single saia ainda neste ano”.

Sonho

O sonho de quem está nessa área é ter o seu trabalho no mercado e apresentar-se ao mundo e estes jovens artistas partilham desse mesmo sonho.

Zuleica Rosário revela que o seu sonho é grande e actuar na Noite Cabo-verdiana é aquilo que a tem ajudado a ir mais longe. “O meu objectivo, contudo, não é ficar na Noite Cabo-verdiana porque o meu sonho é ser uma artista profissional e levar a minha música e a nossa cultura ao mundo”.

A foguense, está neste momento a fazer a sua formação superior em Análises Clínicas, algo que pretende continuar “em paralelo com a música” embora saiba que conciliar as duas áreas “é algo muito difícil”. “Quero estudar e estar no mundo da música pois tenho encarado a música como uma profissão”, diz.

Na mesma linha, Rhaya Monteiro explica que o seu sonho é um dia ter um ou vários discos no mercado, conhecer outros horizontes e levar a música cabo-verdiana aonde o destino lhe proporcionar. “Acredito que a música é mais um elemento que me faz sentir a essência de viver e não me vejo sem a música. Defino a música na minha vida como uma proposta de viver. Sem a música muita coisa ou quase nada tem sentido”.

Ronilda Ramos confessa que o seu sonho é gravar um álbum que toque às pessoas, “algo que te satisfaz enquanto artista, que consegue levar aquilo que sentes para todos e que consegue tocar alguém na alma. Quero conseguir tocar outras pessoas através da minha arte, através daquilo que faço”.

Constrangimentos

Tote Xinoca explica que constrangimentos sempre há, e neste momento está numa fase de adaptação, uma vez que está numa ilha diferente da sua.

“E quando estás a tentar adaptar-te não é fácil, mas com isso não quero dizer que vou desistir, pois na vida sempre existem barreiras e coisas que acontecem. Em termos de música, há sempre aquela pessoa que te dá força e outras não, mas são coisas que acontecem e temos que saber estar neste meio. Neste sentido não levo isso como algo negativo porque são coisas que nos ajudam a ultrapassar e a conhecer melhor o mundo da música”, frisa.

Tote Xinoca é professor e dedica-se à música nos finais de semana. “Neste momento estou a encarar a música também como uma profissão pois estou sempre a tocar aos finais de semana”.

Para Rhaya Monteiro, os constrangimentos dizem respeito ao cachê recebido. “Há lugares que não podem dar o cachet que mereces, também nunca estipulamos um valor que deve ser pago para as actuações. Às vezes deparamo-nos com situações em que os lugares estão a começar as suas actividades. E nós músicos somos muito sensíveis, quando queremos que algo vá para frente”.

“Sempre que vamos actuar num espaço acabamos por colaborar com os responsáveis dos estabelecimentos, mesmo que o cachê não seja aquilo que planeamos, mas é interessante dar aquele apoio, para tentar equilibrar e evitar alguns constrangimentos”, frisa.

Na mesma linha, Zuleica Rosário conta que se tem deparado com alguns constrangimentos a nível do cachê que é pago em alguns lugares. “De resto, é fazer aquilo que mais gostas e cada vez melhor”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1063 de 13 de Abril de 2022. 

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Dulcina Mendes,17 abr 2022 8:59

Editado porDulcina Mendes  em  18 abr 2022 9:26

pub.

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.