A Cimeira de Lisboa é uma reunião internacional de trabalho que tem a Nova Água-Izé como desafio/causa. Um grupo de académicos, técnicos especializados e outros parceiros vão fazer uma reflexão com o objectivo de transformar a Roça Água-Izé (São Tomé e Príncipe) num lugar de futuro. A cimeira serve igualmente para preparar o seminário internacional Nova Água-Izé, agendado para o próximo ano.
“O objectivo é propor um plano de desenvolvimento integrado dessa roça, em todas as vertentes que nós, normalmente, actuamos: o desenvolvimento comunitário, o desenvolvimento social e económico das comunidades, vertentes que vamos enriquecer também com um plano urbanístico, e outros projectos mais específicos ligados à formação profissional e à educação em geral”, explica Leão Lopes reitor da MINDELO_ Escola Internacional de ARTE (M_EIA), ao Expresso das Ilhas.
A roça de Água-Izé, das maiores de São Tomé, tinha uma extensão de cerca de 80 Km2, com 12 Km de costa e 4800 hectares de área cultivada. Pertencia ao primeiro Barão d’Água-Izé, João Maria de Sousa e Almeida, nascido na ilha do Príncipe, descendente de uma família mestiça abastada, de São Salvador da Baía, a qual tinha emigrado para o Príncipe nos finais do século XVIII. Em 1855, Sousa e Almeida introduziu a cultura do cacau na ilha de São Tomé. Em 1857 a exportação atingiu 12,7 toneladas. Também se dedicou à produção de tabaco, inhame e café, trabalhando ao mesmo tempo na exploração de madeiras.
Actualmente vários milhares de pessoas habitam a antiga roça – famílias que se dedicam à agricultura e também ao turismo – , cujas infra-estruturas têm-se degradando ao longo dos anos e onde vários edifícios já desapareceram.
O projecto chapéu, que junta M_EIA e a ONG Associação Roça Mundo – financiado pela União Europeia – começou no início do ano e vai decorrer até 2024. O seminário internacional será apenas uma peça do projecto global, que extrapola a roça e diz respeito ao território todo de São Tomé e Príncipe. “O objectivo maior é dar uma contribuição para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe, à nossa medida enquanto organizações da sociedade civil, mas que vai até uma possível presença do M_EIA em São Tomé e Príncipe, com programas de formação profissional, eventualmente alguma licenciatura nas nossas áreas num próximo futuro”, refere Leão Lopes. “Pegando num projecto que já funciona, estabelecemos Água-Izé, ao exemplo do que temos feito em Cabo Verde [em Chã das Caldeiras, no Fogo, e na Preguiça, em São Nicolau, por exemplo], como um campo de estudo”.
Projectos para quem vai usufruir
A cooperação internacional para o desenvolvimento (CID) é definida, geralmente, como um sistema que articula a política dos Estados e actores não governamentais, um conjunto de normas difundidas (ou, em alguns casos, prescritas) por organizações internacionais e a crença de que a promoção do desenvolvimento em bases solidárias seria uma solução para as contradições e as desigualdades.
Como se trata de um sistema bastante institucionalizado e complexo a CID envolve inúmeros actores, tanto do lado dos chamados países doadores (geralmente países ricos, mas recentemente também países emergentes) como no campo dos beneficiários (normalmente países de baixo rendimento). E cada actor apresenta identidade, preferências, interesses e objetivos próprios, podendo agir com base em motivações políticas, de segurança nacional, por razões humanitárias ou morais, mas também por motivos económicos e ambientais.
No meio deste jogo, como lembra Leão Lopes, o mais importante é pensar e trabalhar com os principais interessados: as populações a quem se dirigem os projectos. “Pela nossa experiência, ao longo desses anos todos, grande parte dos projectos que vêm de cima para baixo não são aproveitados da melhor maneira e as populações a que são dirigidos ficam cada vez mais longe desses resultados. E isso tem reflexos no desenvolvimento insuficiente que às vezes as autoridades não compreendem”.
“O impacto desejado é que o esforço destas organizações amigas e parceiras, localizadas e instaladas no Sul, sejam consideradas como parceiros interessantes para o desenvolvimento dos nossos países. E parceiros também capazes de mobilizar os nossos parceiros do Norte, mas a partir sempre de uma iniciativa endógena, a partir dos nossos territórios, dos nossos problemas e das nossas comunidades”, diz o reitor da M_EIA.
“Será esse o sucesso que podemos esperar: perceber que a sociedade civil organizada pode ser um parceiro interessante para o desenvolvimento dos nossos países, a partir das comunidades, desse território confinado, com uma identidade específica, não muito difícil de estudar e não muito difícil enquanto unidade territorial de absorver inovações, experiências, novas relações humanas e para melhorar a vida das pessoas que vivem lá e vão continuar a viver. Essa é a nossa expectativa, que entidades políticas percebam que as pessoas e as comunidades têm o seu potencial, que são muitas vezes muito importante para o seu próprio desenvolvimento”, conclui Leão Lopes. A Cimeira de Lisboa realiza- -se de 16 a 18 deste mês, no Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa.
Texto publicado originalmente na edição nº1094 do Expresso das Ilhas de 16 de Novembro