Tributo Póstumo ao poeta José Lopes da Silva

PorJosé J. Cabral,17 dez 2022 15:53

Tributo Póstumo ao poeta José Lopes da Silva por altura da reposição da lápide indicativa do local de seu nascimento

A ilha de São Nicolau é berço de ilustres filhos, alguns, cidadãos do mundo, agraciados nacionalmente e além-fronteira, porém, de alguns, na sua própria terra, seja por ignorância, incúria ou por ingratidão, as memórias negligenciadas simplesmente se perderam.

Falecido a 2 setembro 1962 em São Vicente aos 90 anos, o poeta José Lopes da Silva, nascido em Ribeira Brava a 15 janeiro de 1872, criado entre esta urbe e a Ribeira de Lameirão, integra o rol daqueles a quem a ilha de São Nicolau ficou a dever o justo reconhecimento.

Órfão de pai, depois de completar o curso do seminário teve de deixar a sua ilha para procurar trabalho tendo assentado praça aos quinze anos na 1.ª Companhia de Polícia na Praia, onde, aos poetas Guilherme Dantas e Luiz Medina de Vasconcelos se juntaria e a outros intelectuais ilustres como Custódio José Duarte e Alfredo Troni com quem privou ainda em São Nicolau.

Depois de uma experiência mal-sucedida de emigração em Angola, apreciador de suas qualidades literárias, o Governador Serpa Pinto nomeou-o professor do ensino primário com colocação na ilha da Boa Vista onde viveu de 1894 a 1900 e se casou, em meio a intensa atividade cultural.

Transferido, lecionou na Escola Principal da Vila de Ponta de Sol onde permaneceu por 28 anos.

Fluente nas línguas francesa e inglesa, que aprendeu sozinho, manteve uma escola particular de ensino dessas línguas bem assim de História e Geografia, escola que o governo da província subsidiou desde a abertura tendo em conta que o ensino na referida escola se revelava profícuo, como atestava o elevado número de alunos apresentados e aprovados em exame nas matérias lecionadas pelo referido professor.

Mereceu várias condecorações, como sejam:

Comenda da Ordem de Instrução Publica de Portugal “Ordem do Infante Dom Henrique”, entregue em 1962 na sua própria casa pelas mãos do então ministro do Ultramar Adriano Moreira, recentemente falecido;

Officier d’Academie – Cavalheiro da Legião de Honra da França, conferida pelo General de Gaulle pelo seu soneto “La France”, escrito durante o período da Resistência na 2.ª Guerra Mundial;

Grau de Pupilo do Império Japonês pelo imperador Hiroito pelo seu poema heroico em louvor do Japão a propósito da Guerra Russo-japonesa, 1905;

Seu poema “Helvética” foi declarado património da Suíça;

Por nomeação do Governador foi por três anos (1928-1931), professor do Liceu Infante Dom Henrique, na ilha de S. Vicente, onde se reformou e viveu seus últimos dias.

A cidade do Mindelo ergueu um busto em sua memória e deu seu nome a uma praça;

Por Decreto Presidencial N.º 3/95, de 2 de fevereiro, foi agraciado, a título póstumo, pelo Presidente da República de Cabo Verde, Dr. António Mascarenhas Monteiro, com o Segundo Grau da Ordem do Dragoeiro e a Primeira Classe da Medalha de Mérito.

Estranhamente em São Nicolau, na ilha que o viu nascer e que tanto cantou nos seus versos e elegias, nada que evoque as suas memórias a não ser uma placa afixada no edifício da Administração do Concelho ainda no período colonial que dava conta de ter sido ali que nasceu o poeta, na casa que herdou e cederia mais tarde para edificação da referida instituição.

Injustamente removida no calor da “revolução” pré-independência, com acusações de antipatriotismo, a referida lápide, símbolo do reconhecimento, achada em 2017 depois de 43 anos desaparecida, vai, depois de 48 anos, regressar ao seu lugar, num gesto modesto que repõe minimamente a justiça, ao cidadão sobre o qual, o antigo ministro Doutor Manuel Veiga, em jeito de penitência, em tempos escreveu:

“A poética de José Lopes não só honra como engrandece a literatura cabo-verdiana e universal: pela beleza, pela elevação, pela elegância, pela leveza, pela temática, pela cidadania, pela universalidade, pelo humanismo, atributos estes que só uma poética de grande envergadura pode ter”.

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TRIBUTO FILIAL

Às minhas queridas Ilhas Hesperitanas

em especial à de São Nicolau

a Atenas Cabo-verdiana -

adorada Terra

da Minha Naturalidade

Ilhas de Cabo Verde! – no meu verso

Eu quisera elevar-vos, tanto, tanto

Que transmitisse pudesse no meu canto

Vossos nomes e todo o universo!...

Terra da minha pátria! Onde disperso

Fica o meu ser, em átomos de pranto,

Amor e sofrimento!... Meu encanto,

Mesmo na dor o coração imerso!...

Eu te saúdo! Teu obscuro filho,

Se não te posso dar, do génio, o brilho,

Contudo, a um grande amor, podes sorrir!

Recebe o coração do teu poeta,

Possa na morte, em lágrima discreta,

Levar n’Alma a visão do teu porvir! …

In Jardim das Hespérides

José Lopes, 1928

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1098 de 14 de Dezembro de 2022. 

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Autoria:José J. Cabral,17 dez 2022 15:53

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  18 dez 2022 15:57

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