"Tudo em todo o lado ao mesmo tempo" foi o grande vencedor de uma noite de Óscares histórica, ao levar sete estatuetas que incluíram Melhor Filme, Melhor Realização, Melhor Actriz Principal, Melhor Actriz Secundária e Melhor Actor Secundário.
Foi o filme mais premiado desde "Quem quer ser bilionário", em 2008, e consagrou Michelle Yeoh como a primeira asiática a ganhar o Óscar de Melhor Actriz Principal. Também deu a Jamie Lee Curtis o seu primeiro Óscar e premiou Ke Huy Quan com Melhor Actor Secundário, apenas o segundo asiático de sempre a ganhar esta categoria.
"Este é um momento histórico", afirmou Michelle Yeoh na sala de entrevistas, após a vitória, dizendo que "quebrou o tecto de vidro" com um movimento de Kung-Fu.
"Isto é para todos os que foram identificados como minorias", considerou a actriz. "Nós merecemos ser ouvidos, merecemos ser vistos e ter oportunidades iguais, para podermos ter um lugar à mesa", continuou. "Deixem-nos provar que nós valemos a pena". Yeoh venceu contra 'pesos-pesados' como Cate Blanchett ("Tár") e Michelle Williams ("Os Fabelmans").
Urgindo todos os que têm sonhos a "acender esse fogo na alma", Yeoh, de 60 anos, também mandou um recado aos que têm preconceitos contra as mulheres após uma certa idade. "Não deixem que vos ponham dentro de uma caixa, que vos digam que já não estão no auge", afirmou.
A importância da representação e reconhecimento de actores asiáticos também foi abordada por Ke Huy Quan, que venceu um Óscar depois de andar afastado da indústria durante décadas por falta de oportunidades.
"Quando comecei a representar em criança, lembro-me de o meu agente me dizer que seria mais fácil se eu tivesse um nome que soasse americano", disse Ke Huy Quan. Foi por isso que na fase inicial da carreira o seu nome aparecia como Jonathan Ke Quan.
"Quando decidi voltar à representação há três anos, a primeira coisa que quis fazer foi regressar ao meu nome de nascimento", explicou.
Quan foi o vencedor mais exuberante da noite na sala de entrevistas, para onde entrou aos saltos e a gritar de alegria. "Conseguem acreditar que estou a segurar uma [estatueta] destas na mão?", perguntou. "Isto é tão surreal".
Pelos bastidores também passaram os 'dois Daniéis', a dupla de realizadores responsável por "Tudo em todo o lado ao mesmo tempo", que levaram para casa a estatueta de Melhor Argumento Original, Melhor Realização (batendo Steven Spielberg) e Melhor Filme.
"Estamos numa crise de saúde mental, em especial a geração mais jovem, que não tem muito por que ansiar", disse o co-realizador Daniel Kwan. "Há uma desolação que se infiltra", continuou, referindo que ele próprio passou por tempos muito difíceis na adolescência.
"O poder radical e transformador da alegria, do absurdo e de perseguir a nossa felicidade é algo que quero trazer às pessoas", disse, "e este filme é um tiro de alegria, absurdo e criatividade".
O produtor Jonathan Wang acrescentou que a intenção da equipa era que o filme culminasse num abraço caloroso, apesar de ser uma história de caos. "Decidimos dedicar a nossa vida a fazer filmes que são bons e que levam a algo bom, e não apenas a algo que vai obter atenção", afirmou.
A Academia premiou o trabalho de uma forma que já não fazia há muito. São raras noites de consagração para um só filme, com poucas excepções, que incluem "Ben-Hur" em 1959, "Titanic" em 1998 e "O Senhor dos Anéis: O regresso do rei" em 2004, com 11 Óscares cada.
"Há algo tão inspirador em fazer um filme que nos ensina coisas ao longo do caminho", reflectiu o co-realizador Daniel Scheinert. Também Paul Rogers, que levou o Óscar de Melhor Edição, sublinhou o incrível sucesso que esta história estranha e surreal teve.
"Vemos muitos filmes que contam histórias sobre certos tipos de pessoas, e tendem a focar-se no homem branco", disse. "E ter esta história linda de uma família emigrante foi incrível".
A história de "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo" oscila entre o absurdo e o fantástico, centrando-se numa imigrante chinesa de meia-idade ("Evelyn Wang") que se vê atirada para uma aventura em múltiplos universos e linhas temporais.
O português "Ice Merchants" ficou sem estatueta
O primeiro filme português a ser nomeado pela Academia, "Ice Merchants", não ganhou o Óscar na cerimónia desta madrugada mas a 'curta' de João Gonzalez e Bruno Caetano deixou a sua marca em Hollywood.
Numa categoria com fortes concorrentes, o Óscar foi entregue, como se esperava, a "The Boy, the Mole, the Fox and the Horse", distribuído pela Apple TV+, com produção executiva de J.J. Abrams.
Nos bastidores da cerimónia, o escritor-realizador Charlie Mackesy elogiou os outros nomeados em resposta a uma pergunta da Lusa.
"Os outros filmes são extraordinários e adorei vê-los. E conheci todos [os cineastas]", afirmou Mackesy. "Uma das coisas brilhantes de estar nos Óscares é conhecer outros cineastas e ouvi-los falar dos seus filmes, a animação e os actores são extraordinários".
A curta foi baseada na história escrita por Mackesy e teve uma equipa de mais de uma centena de animadores, uma estrutura poderosa em comparação com os dois animadores que criaram "Ice Merchants".
O realizador considerou, após a vitória, que a magia da animação é ser um meio que permite fazer tudo o que quisermos.
"É uma espécie de paisagem maciça de possibilidades", caracterizou, referindo que este foi o seu primeiro filme.
O português João Gonzalez já tinha referido à Lusa, na antecâmara dos Óscares, que esta era a curta-metragem favorita à vitória, juntamente com "My Year of Dicks".
Gonzalez referiu nessa altura que a nomeação de "Ice Merchants" já era uma vitória e o produtor Bruno Caetano salientou a quantidade de pessoas que viram e elogiaram a curta, incluindo a lenda da animação da Disney, Glen Keane, que moderou um painel com os portugueses na Semana dos Óscares.
"Ice Merchants" foi o primeiro filme português a ser nomeado para os Óscares e recebeu apoio do Ministério da Cultura para a campanha de promoção em Los Angeles nas semanas que antecederam a cerimónia da Academia. Foi produzido pela cooperativa portuguesa Cola Animation, em co-produção com França e Reino Unido, e teve um orçamento de cerca de 100.000 euros.
A 95.ª cerimónia dos prémios da Academia decorreu esta noite no Dolby Theatre, em Los Angeles.
Lista de vencedores
Melhor Filme: "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo"
Realização: Daniel Kwan e Daniel Scheinert, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo
Ator: Brendan Fraser, “A Baleia”
Atriz: Michelle Yeoh, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”
Ator Secundário: Ke Huy Quan, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”
Atriz Secudária: Jamie Lee Curtis, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”
Filme Internacional: “A Oeste Nada de Novo” (Alemanha)
Filme de Animação: "Pinóquio de Guillermo del Toro"
Documentário: "Navalny", de Daniel Roher
Argumento Original: The Daniels, "Tudo Em Todo O Lado Ao Mesmo Tempo"
Argumento Adaptado: Sarah Polley, "A Voz das Mulheres"
Banda Sonora Original: Volker Bertelmann, “A Oeste Nada de Novo”
Canção: "Naatu Naatu" (de “RRR”)
Fotografia: James Friend, "A Oeste Nada de Novo"
Efeitos Visuais: "Avatar"
Montagem: "Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo"
Design de Produção: "A Oeste Nada de Novo"
Som: "Top Gun: Maverick"
Guarda-Roupa: “Black Panther: Wakanda Para Sempre”
Caracterização: "A Baleia"
Curta-Metragem em Live Action: “An Irish Goodbye”
Curta-Metragem de Animação: "The Boy, the Mole, the Fox and the Horse"
Curta-Metragem de Documentário: "The Elephant Whisperers”