Stand Up Comedy: Elas nas comédias

PorDulcina Mendes,26 mar 2023 9:36

Dar risadas neste mundo cheio de problemas não é tarefa fácil, mas os comediantes usam a criatividade para que as pessoas possam esquecer os seus problemas, com as suas piadas. O stand up comedy ganhou espaço na agenda cultural em Cabo Verde e já foram realizados vários shows e festivais, que juntaram comediantes no mesmo palco, para entreter as pessoas. Com criatividade e muita força de vontade, também as nossas comediantes, apesar de ainda serem poucas, têm dado cartas nessa arte de fazer dar gargalhadas.

“Desde 2017 até ao ano passado (2022), eu era a única mulher que fazia stand up comedy em Cabo Verde. Falo de stand up comedy de palco, porque temos uma colega, a Etelvina Lopes, que faz vídeos, há algum tempo. Se ela fez alguma apresentação, foi a nível internacional e só no ano passado esteve no palco, em Cabo Verde. Ainda somos poucas mulheres a fazer stand up comedy em Cabo Verde”, afirma a humorista Beatriz Lúcio.

Natural de São Nicolau, Beatriz desde sempre foi muito mexida, alegre e traquinas. “Sempre fui uma pessoa muito espontânea, então sempre gostei de pegar nos temas da actualidade e do mundo que estava a viver para os adaptar numa música ou situação. Gosto de fazer essas coisas inconscientemente e não tinha noção de que aquilo se chamaria stand up comedy ou que fosse algum ramo de comédia”.

Só percebeu quando estava em Portugal. “Surgiu um programa na televisão portuguesa SIC que é o `Levanta-te e Ri`, e foi lá que comecei a perceber que afinal aquilo que fazia era um ramo de comédia “, conta.

Beatriz Lúcio realça que gosta de fazer piadas autênticas sobre o seu dia-a-dia, e tentava fazê-las entre os amigos mais íntimos. “Isso, porque quando voltei de Portugal, logo a seguir fui trabalhar como Inspectora Tributária, pois licenciei-me em Auditoria e Fiscalidade”.

Mas, “numa altura em que estava a viver um momento terrível da minha vida, encontrei na comédia uma forma de aliviar, de colocar para fora e de escrever aquilo que estava a sentir e comecei a perceber que podia levar a comédia mais a sério”, revela.

Depois de estar em algumas ilhas, Beatriz Lúcio veio residir na Cidade da Praia, no final de Março de 2020, onde fez o seu primeiro espectáculo a solo.

A humorista já fez dois solos, no stand up comedy, e vários shows com os colegas comediantes. “No final de Dezembro, fizemos um Festival de comédia por altura do aniversário de 9º ano de carreira de Enrique Alhinho, na comédia. Foi um show e um momento que nos marcou. Nos dois dias que antecederam o evento, estivemos em entrevista na TCV e RCV. Passamos dias naquela energia de show, foi um bom espectáculo, e também o público era muito interessante. O próprio Ministro da Cultura estava na plateia e todos acabaram por fazer uma piada que o envolveu naquele show, foi maravilhoso”.

Segundo conta, a nível de show do grupo, foi dos que lhe deu mais gozo fazer. Quanto à performance pessoal, o seu segundo solo “É Transparência ki nu kre”, foi “marcante”.

Beatriz Lúcio disse que costuma colocar os seus shows no facebook e que as suas comédias são actuais, por isso funcionariam bem num programa na televisão.

“Acredito que, encontrando um bom patrocinador, tenho as características [certas] para fazer um programa de televisão de imediato. Imaginemos: durante uma semana fazíamos recolha de alguns eventos sócio-culturais e políticos que marcam, e dámo-lhes uma nova roupagem. Para isso é necessário patrocínio e abertura da estação emissora. Hoje em dia, podemos até pensar em produção autónoma, mas às vezes só mesmo a difusão é caríssima”, destaca.

Sobre a existência de poucas mulheres no stand up comedy, Beatriz Lúcio justifica com o facto de a figura feminina ser mais recatada. Elas são “cobradas” só pelo facto de serem mulher. “Stand up, se formos analisar, é uma forma de fazer comédia voltada para a exposição, ou da tua própria pessoa ou então do outro. E a mulher é mais recatada”.

Por isso, realçou, deve ser a mulher a escrever a sua própria história. “Temos que ser nós mesmas autoras das nossas próprias histórias. Temos que abrir a mente para deixar que os homens deixem de nos escrever como objecto da sua história e a sermos nós a escrever a nossa história”.

“É preciso que a mulher acorde, para ser ela mesma autora da sua própria história. Se achas que consegues fazer stand up comedy vai, procura ajuda nos livros, vídeos e faz, e não temos que sentir medo porque vamos ficar expostas”.

Beatriz Lúcio considera que é preciso que as mulheres perceberam que quando querem uma coisa têm que ir à luta. “O quê que as outras autoridades têm [que fazer] é criar as condições. Por exemplo, se há um cachê, que seja igual para todos. Ninguém me vai tirar da história como a primeira ou a única mulher, durante muito tempo, a fazer stand up comedy em Cabo Verde”.

A humorista revelou que por ser a única mulher na área, por algum tempo, não sofreu assédio e que todos os seus colegas humoristas homens a tratam com muito respeito.

No stand up comedy em Cabo Verde, além de Beatriz Lúcio temos a Tiktoker Flor da ilha da Brava e a Cinthya Pereira de São Vicente.

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Tiktoker Flor

A Tiktoker Flor que é a segunda mulher em Cabo Verde a fazer stand up comedy. Começou com os seus vídeos no Tik Tok, por isso escolheu esse nome artístico. “Desde muito cedo fui uma pessoa alegre, onde estou sempre faço as pessoas rir. Então comecei a fazer Tik Tok, porque tinha visto uma dublagem e encontrei um aplicativo com que me identifico. Disse para mim mesma: vou começar a fazer os meus videos”.

“Passei a criar as minhas piadas e a postar. Tinha feito um vídeo juntamente com um colega, Iven Cidário, que também é humorista, e Enrique Alhinho veio-me conhecer através dele, por causa desse vídeo. Depois disso, Enrique convidou-me para fazermos stand up comedy. Comecei e não quero parar”, adianta.

A estreia tinha poucas pessoas, mas não foi difícil. “Quando fazes algo que gostas não é muito difícil. É claro que dá aquele friozinho na barriga e ansiedade. Pensas se as pessoas vão gostar ou não daquilo que vais fazer no palco, porque uma coisa é fazer vídeos no teu telemóvel, se não der certo, repetes, se num ângulo ficas feia, mudas, já no palco não. Sentes aquele nervosismo, mas para mim foi tranquilo, porque é algo que gosto, é algo natural em mim”.

Depois da sua estreia, Tiktoker Flor já fez outros shows e diz ser maravilhoso fazer stand up comedy, “quando subo ao palco consigo descarregar. No último festival a que fui, no Auditório Nacional, tive uma crise de ansiedade, fiquei só a comer, porque me deu aquele nervosismo e ansiedade. O Enrique brincou comigo dizendo que não teria cachê, porque comi muito antes de subir ao palco”.

Porém, quando foi anunciada e pegou no microfone ficou tranquila e não queria descer do palco. “Mas tínhamos limite do tempo”, lamenta.

A humorista bravense cria as suas próprias comédias, através das coisas que presencia e a partir das quais faz os seus textos. “Como crio os vídeos no Tik Tok, então levei essa experiência para o stand up comedy. Na vida passamos por um constrangimento e transformamos aquilo em humor. Quando fazes aquilo que gostas é uma bênção. Então, acredito que não vou parar”.

Para a Tiktoker Flor, estar num meio dominado pela figura masculina é algo normal, sem nada de diferente. “Somos todos humoristas, respeitamo-nos uns aos outros, faço a minha comédia sem problema, porque lugar da mulher é onde ela quiser. Fui muito bem acolhida na família de humoristas, e na reunião que realizamos fico tranquila estando num meio com mais homens do que mulheres. Sentimos que somos todos iguais”.

Ter um certo rendimento fazendo stand up comedy ainda é difícil, porque é uma área que está a ser conhecida em Cabo Verde. Sou a segunda mulher a fazer stand up comedy em Cabo Verde, a primeira foi a Beatriz Lúcio, a nossa rainha mãe, e costumo dizer que ela é nossa abelha rainha. Sou segunda, depois de mim veio a Cynthya”, conta.

Mas a humorista acredita que vamos ter mais mulheres nessa arte, no futuro. “Como tenho planos de viajar, vou querer ajudar o stand up comedy a ser mais conhecido em Cabo Verde. Em Cabo Verde é difícil viver só de shows de stand up comedy, porque o nosso mercado é pequeno”.

Por outro lado, ainda não temos mais mulheres no stand up comedy, talvez por causa do medo. “Temos uma sociedade muito machista. As mulheres podem ter dom, mas há algo que as impede de fazer stand up comedy. Eu, a Cynthya e a Beatriz estamos aqui para abrir esse caminho”.

“A Beatriz abriu a porta, eu e a Cynthya estamos a largar mais a porta, para que outras mulheres possam vir. Acredito que no futuro teremos mais mulheres, porque o mundo está diferente, as mulheres estão a modernizar-se, agora não há aquela coisa de que a mulher tem que ficar no pé do fogão, as mulheres estão mais empoderadas, então acho que isso é muito bom. Vamos ter muitas mulheres a fazer stand up comedy, ainda é só o começo”, assegura.

Cynthya Pereira

A Cynthya Pereira começou no stand up comedy há menos de um ano, também através de um convite feito pelo Enrique Alhinho, humorista que garante ter sido ele próprio quem fundou o stand up comedy em Cabo Verde.

“Encontramo-nos numa actividade, e acabamos por ficar amigos, então auto-convidei-me para entrar no stand up comedy. Depois, o Enrique viu-me a fazer uma piada e disse-me que tenho jeito, porque não entrar no stand up comedy? Através de uma piada que lhe contei, ele disse-me: `estás contratada`. Entrei, mas sem nada previsto, porque sempre fiz teatro em São Vicente e quando vim para Cidade da Praia estudar estive à procura de grupos de teatro para integrar, não encontrei e acabei por desistir do teatro”, conta.

Cynthya Pereira sempre gostou de teatro e a comédia não estava nos seus planos, “apesar de ser muito carismatica”. “Vim de uma família muito carismática, onde tudo é motivo para dar risada e de chacota, então as piadas que conto e as coisas que vivencio, onde coloco um pouco de exagero, acabam por ser uma comédia”.

“O meu primeiro espectáculo aconteceu num restaurante bar, aqui na Cidade da Praia e de lá para cá tenho feito alguns shows. Tenho um espectáculo que quero fazer na Biblioteca Nacional, onde vou actuar no dia 25 deste mês. No mês passado fiz um. Os shows têm estado a surgir, tenho um outro espectáculo agendado para o dia 1 de Abril deste ano”, anuncia.

A humorista natural de São Vicente ainda não tem nenhum espectáculo a solo, mas está a preparar-se neste sentido.

Cynthya Pereira conta que a sua comédia é muito natural. “As minhas piadas são baseadas em algo que vivencio. Como costumo dizer, a minha pivot é sempre a minha avó, pelo facto de ouvir as coisas que ela me contava, pois vivia com ela, é toda aquela coisa, não há espaço para tristeza, então levo isso para o palco”.

A humorista disse que não é muito de postar vídeos no Tik Tok, e que as suas comédias são mais voltadas para os palcos.

Para Cyntya Pereira, no stand up comedy são todos iguais, não há diferença entre ser homem ou ser mulher. “Nós mulheres, eu, Beatriz, Flor, Etelvina Lopes e Kriola que está nos Estados Unidos da América, não há nenhuma diferença em relação a homem, até porque nós mulheres quando apanhamos uma piada dos homens e contamos tem mais impacto”.

A humorista sanvicentina esclareceu que não encara o stand up comedy como carreira, mas sim como um hobby ou divertimento. “Quando surgem os shows vamos fazer, sem compromisso com nada, tenho o meu trabalho à parte, se surgir uma chance vou fazer, mas dizer que vou viver só da comédia não. Como sabemos o nosso mercado é muito pequeno, e não o permite”.

Conforme diz, humor não é palhaçada, mas ajuda sim as pessoas num momento em que mais precisam. “Estás triste, assiste a um show de humor, dás risadas até esqueceres o teu problema”.

Cynthya Pereira analisa que não temos mais mulheres no stand up comedy porque muitas têm medo de encarar o público. “Além do medo de encarar o público, o humor também não é uma profissão respeitada. E não tem apoio de lado algum, até para encontrares colaboradores e patrocinadores, não é uma área que arriscas como profissão”.

A humoristaafiançou que humor precisa de mais ajuda, “não estou a falar de dinheiro, mas sim de espaço para fazer comédia. Por exemplo, em São Vicente, temos uma academia grande que é Jotamonte que não é ocupada para nada, porque não abrir o espaço para a comédia, da mesma forma que tem pessoal que vai cantar e fazer teatro. A comédia também precisa de espaço”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1112 de 22 de Março de 2023.

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Autoria:Dulcina Mendes,26 mar 2023 9:36

Editado porJorge Montezinho  em  27 mar 2023 12:11

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