Elas no teatro

PorDulcina Mendes,24 mar 2024 11:20

Desde há muito que as mulheres têm demonstrado a sua capacidade de realizar feitos em pé de igualdade que os homens, exibindo a sua criatividade, alegria de fazer acontecer e talento. Hoje em dia, há em Cabo Verde já várias mulheres com formação em Teatro, com trabalho feito e que já pisaram diversos palcos nacionais e internacionais. O país recebe anualmente três festivais internacionais de teatro e há cada vez mais jovens cabo-verdianos a interessarem-se pelas artes cénicas. Com isso, multiplicam-se os espectáculos nas salas do país e no exterior, tudo para mostrar a criatividade dos nossos actores... e actrizes.

Cabo Verde tem várias mulheres no teatro, com trabalho feito, anos de experiência e muito para dar nesta área. Vamos destacar aqui algumas mulheres que dão o seu contributo para o teatro nacional como é o caso de Zenaida Alfama, natural de São Vicente, que este ano completa 26 anos de carreira nas artes cénicas em Cabo Verde. A actriz é uma das personalidades mais importantes das artes cénicas em Cabo Verde, com actuações em várias peças teatrais e filmes.

Zenaida Alfama é membro integrante das companhias Morabeza Teatro e GTCCPM e faz parte da direcção da Associação Mindelact.

Por decisão da Assembleia Geral da Associação Mindelact, a actriz Zenaida Alfama foi distinguida, quando completou um quarto de século de actividade, com o Prémio de Mérito Teatral 2023, pelo seu contributo em prol da dinamização das artes cénicas cabo-verdianas. No mesmo ano, foi condecorada pelo Governo com a Medalha de Mérito Cultural 2º grau, no âmbito das comemorações do Dia Nacional da Cultura.

A paixão pelo teatro nasceu, conta a atriz, em 1995, quando começou a assistir às peças do grupo do Centro Cultural Português. Decidiu, então, fazer um curso de iniciação teatral e desde essa data não mais parou de fazer teatro.

Porém, a caminhada nesta área, que encara não como um trabalho remunerado, mas sim como uma paixão, não tem sido, fácil.

“Cada dia torna-se mais difícil, porque surgem constantemente obstáculos. Há a responsabilidade de cuidar dos filhos, outras tarefas a cumprir…então, fazer teatro é uma adrenalina que temos”.

Conforme relata, a mulher está numa luta constante. “Tens que ter muito amor ao teatro, muito amor ao que fazes, para continuares. No meu caso, continuo ao longo dos anos, sem parar, se não estou no palco estou a fazer outras actividades relacionadas com o teatro, mas sempre presente no mundo do teatro”.

Apesar das dificuldade, as mulheres têm conseguido marcar presença no teatro, de certa forma bastante notável, sustenta. “A mulher na área do teatro tem marcado a sua presença, não só como actriz, mas também como professora e como mentora. A mulher tem dado uma grande visibilidade no teatro em Cabo Verde”.

Em São Vicente, temos também a actriz e directora da Xpressá Escola de Teatro, Patrícia Silva. Foi em 2008 que o teatro entrou na sua vida, através do Curso de Iniciação Teatral ministrado no Centro Cultural Portugues do Mindelo.

“A primeira vez que vi uma peça de teatro tinha 18 anos e nessa altura senti que era algo que poderia vir a gostar de fazer”.

Assim, uma amiga inscreveu-a no curso e até hoje não mais parou de fazer teatro.

A sua caminhada no teatro tem sido dura, mas muito enriquecedora. “Tenho ensinado e aprendido muito com o teatro e tenho sempre colocado estas aprendizagens no meu dia a dia, na minha rotina, nas relações que estabeleço com os outros, seja na minha vida pessoal, como profissional”, conta.

“Contudo, tem sido uma jornada de muitos sacrifícios, pois infelizmente ainda pagamos com o suor do nosso trabalho árduo para fazer o teatro. Considero-me uma profissional do teatro, mas infelizmente ainda não consigo sustentar a minha vida apenas com aquilo que ganho no teatro. Muito pelo contrário, às vezes uso aquilo que ganho como professora para sustentar o teatro. E essa lógica afecta-nos sobretudo durante o processo criativo”, desabafa.

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Para Patrícia Silva, os desafios das mulheres no teatro são muitos, pois para além de trabalharem ainda têm que cuidar da casa e da família. “Normalmente ensaiamos no final do dia. No momento em que todos vão para casa descansar, as pessoas que fazem teatro estão a chegar aos seus locais de ensaio para continuar a trabalhar. Portanto, é necessário muito amor ao teatro e muita persistência e sacrifícios. Às vezes as pessoas têm que sacrificar o convívio com a família para poderem fazer teatro”.

Por outro lado, apesar de em Mindelo a presença da mulher no teatro ser bem aceite, ainda “temos um teatro, um pouco conservador, ou seja, não arriscamos muito no teatro em Mindelo”.

“Ainda apresentamos propostas artísticas, às vezes um pouco dentro da caixa. Por exemplo, dificilmente temos nús artísticos no teatro em Mindelo. A imagem tanto da mulher como do homem tem sido protegida, digamos assim, o que talvez explique esta aceitação da presença da mulher no teatro. Talvez se ela aparecesse de forma menos convencional já teria sido alvo de críticas”, aponta.

Na Cidade da Praia, encontramos a actriz e presidente da companhia de teatro Fladu Fla, Sheila Martins, que tem feito vários trabalhos nesta área, não só no palco, como na criação de peças e vídeos no Youtube.

Sheila Martins conta que apesar de ter herdado essa veia da família, teve o primeiro contacto com o teatro na escola, onde chegou a fazer representação.

“A partir daquele dia comecei a fazer teatro e a me apaixonar cada vez mais pelo mundo das artes cénicas. Fazia parte do grupo de Escuteiros agrupamento São Jorge, onde me diverti muito com o teatro. Todas as mensagens eram transmitidas através do teatro e fui ganhando a prática e técnica de encarar o público”.

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A sua caminhada pela arte cénica tem sido boa, avalia, cheia de desafios e muitos aprendizados. “Acima de tudo, o teatro tem-nos mostrado que é uma arte que cura e liberta a alma de uma pessoa”.

O único desafio que tem enfrentado, conta, tem sido o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. “Como em muitas outras profissões, as mulheres no teatro em Cabo Verde podem enfrentar dificuldades para equilibrar as suas carreiras com as suas responsabilidades familiares e pessoais, especialmente em uma sociedade onde as expectativas de género podem ser rigidamente definidas”.

Ainda na Cidade da Praia, temos Nereida Carvalho Delgado que este ano completa 20 anos de carreira na área, uma longa caminhada cheia de cheia de altos e baixos.

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“Cheio de derrotas e vitórias, por assim dizer. Não é uma caminhada fácil, não tem sido fácil. Há várias questões financeiras, de espaço, de mentalidade das pessoas da forma que vêem as artes cênicas em Cabo Verde... Então, são muitos obstáculos que surge, pelo caminho. Vontade, amor é o que move os artistas em Cabo Verde”, conta Nereida Carvalho Delgado, que tem um mestrado em artes cénicas.

Como eles olham a mulher no teatro

O Expresso das Ilhas esteve também em conversa com alguns actores, para falar do papel da mulher no teatro. Segundo o actor João Pereira (Tikai), a mulher tem um grande papel no teatro, de igual forma que os homens.

“Depende do papel que ela faz, por exemplo, se é uma peça sobre uma família, ou de mulher em alguma área temos que ter uma mulher. Então a mulher tem um grande papel no teatro”, frisa.

Para João Pereira, a mulher é, desde sempre, muito bem vista no teatro, e não há discriminação em relação ao homem.

“Nunca tive essa visão de que existe diferença entre homem e mulher no teatro. Se há área onde existe equidade de género é no teatro, porque desde sempre a mulher faz teatro”, expõe.

“Sempre há mulheres no teatro. E hoje, cada vez mais, temos jovens mulheres a criarem as suas próprias peças e vídeos no Youtube, então, acho que a mulher está a dar o seu contributo no teatro em Cabo Verde”, destaca.

Na verdade, o que acontece em outras áreas, acontece também no teatro. Como refere o actor, há cada vez mais mulheres a afirmar-se mais do que os homens em várias áreas e no teatro não é diferente.

“Para mim, sempre houve mais mulheres no teatro e no meu ponto de vista esse número nunca se reduziu. E depois, o teatro que faço é vivência do nosso povo, conta a história de um povo, e sabemos que Cabo Verde, o seu rosto é feminino”.

Também o actor e dramaturgo do grupo teatral Salina do Maio, Mário Daniel Tavares considera que a mulher tem dado um grande contributo no teatro e não só. “Nas peças de teatro de Salinas sempre temos papel de mulher. Na maior parte das peças, a protagonista é a mulher, porque ela tem um papel fundamental nas suas vidas, na vida dos homens e na criação e educação dos filhos. Portanto, a mulher tem um grande papel no teatro e na sociedade em que vivemos”.

Para Mário Daniel Tavares, a mulher está em pé de igualdade com o homem, tanto em termos de responsabilidade para encarar os trabalhos de vida, como no teatro, como ainda em mostrar o seu compromisso com aquilo que faz. “Do pouco que estamos a fazer no teatro, no Maio, há sempre participação de mulher, sobretudo na personagem principal”, reitera.

Na mesma linha, o actor, dramaturgo e dirigente da companhia de teatro Juventude em Marcha, Jorge Martins, destaca que a mulher tem um desempenho enorme na nossa sociedade e no mundo inteiro.

“A mulher tem tido um reconhecimento enorme no seio do teatro. Talvez por ser homem, não vejo aquele destaque enorme do homem no seio do teatro, mas as mulheres têm uma particularidade e especialidade enorme, porque o desempenhar das mulheres no teatro, a sua forma de representar, a sua expressão cultural, facial e o seu desempenho como actriz é algo fenomenal”, realça.

Jorge Martins assegura que actualmente vê uma grande evolução das mulheres no teatro. “A criatividade das mulheres é realmente algo que me deixa muito emocionado. Trabalho há mais de 40 anos, e como comecei a trabalhar na dramaturgia e encenação muito jovem, acompanhei todo esse processo de evolução e vejo a capacidade que a mulher tem nessa arte, particular, de fazer teatro”.

E acrescenta: “a mulher tem um papel importante e preponderante na sociedade, na evolução, na afirmação da nossa cultura e de transportar a nossa bandeira. O conhecimento a nível nacional e internacional daquilo que são os nossos valores, portanto é de tirar o chapéu”.

O presidente do Juventude em Marcha conta ainda que, em Santo Antão, tem recebido muitas solicitações e há mais mulheres interessadas em fazer teatro, porém, o grupo não consegue acolher mais pessoas, lamenta.

“Temos vindo a fazer com que cada vez haja mais mulheres no teatro em Santo Antão, mas temos limitações, porque não podemos albergar todas as mulheres no teatro. Mas temos vindo a fazer aquilo que é possível fazer. Estamos a dar várias formações”, indica Jorge Martins. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1164 de 20 de Março de 2024.

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Autoria:Dulcina Mendes,24 mar 2024 11:20

Editado porDulcina Mendes  em  28 abr 2024 19:20

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