O poeta, que deixou uma marca indelével nas letras cabo-verdianas, será sempre lembrado como um “caboverdiamadamente construtor da palavra”. Sua obra, vasta e singular, atravessa décadas, reflectindo não apenas sua visão particular do mundo, mas também sua capacidade de transformar adversidades em arte.
Nasceu em Mindelo, São Vicente, no dia 25 de Novembro de 1937, e seu destino já parecia traçado para a palavra desde o seu nascimento. Seu pai, Joaquim Custódio, que foi aluno do renomado escritor Baltasar Lopes, escolheu nomeá-lo em homenagem ao poeta Osvaldo Alcântara, pseudónimo literário de Baltasar. No entanto, a coincidência de nome com outro poeta levou o jovem Osvaldo Custódio a adoptar um pseudónimo que se tornaria sinónimo de sua própria identidade literária: Oswaldo Osório.
O nome adoptado não foi ao acaso. Ele escolheu homenagear duas figuras fundamentais para sua formação intelectual e literária: Oswald de Andrade, um dos mais importantes nomes do modernismo brasileiro, e Osório de Oliveira, escritor e crítico literário açoriano que foi um dos principais divulgadores da literatura cabo-verdiana. Com essa escolha, Oswaldo Osório não apenas se desvencilhou da confusão com o nome que herdara, mas também se firmou como um poeta de vocação universal, cuja obra dialogava tanto com as tradições literárias cabo-verdianas quanto com as grandes correntes da literatura lusófona.
A sua carreira literária começou de maneira promissora na década de 1960, quando um grupo de jovens intelectuais e escritores de São Vicente, entre os quais Arménio Vieira (futuro Prémio Camões em 2009), Jorge Miranda Alfama, Margarida Mascarenhas e Mário Fonseca, decidiu lançar a página literária Seló. Essa folha literária, publicada no Notícias de Cabo Verde em 1962, foi um importante marco na renovação das letras cabo-verdianas.
Seló, cujo nome remetia ao grito que anunciava a chegada de navios na ilha Brava (derivado do termo inglês “sail off”), foi símbolo da esperança de uma nova geração que, em plena efervescência cultural, lutava para ultrapassar o marasmo em que se encontravam as cidades de Mindelo e Praia. Naquele contexto, Oswaldo Osório consolidou sua reputação como um "sailor em mares de papel", um dos navegantes das letras que usavam a palavra como uma forma de resistência e de renovação criativa.
O percurso literário de Oswaldo Osório foi marcado por uma constante busca por inovação e originalidade. Ele não queria ser apenas mais um entre seus pares. A frase que ele próprio usava para definir sua motivação criativa –“Escrevo para fugir à ditadura do tempo e tentar marcar a minha época cultural com a marca da minha diferença entre os meus iguais" – resume seu desejo de criar uma obra que transcendesse o comum, uma obra que se destacasse por sua singularidade e profundidade.
As obras publicadas ao longo de sua carreira são um reflexo dessa busca. O primeiro livro, Caboverdiamadamente construção, meu amor, de 1975, já apontava para o desejo de construir algo novo, ao mesmo tempo profundamente enraizado na cultura e nas tradições de Cabo Verde. Em seguida, vieram outras publicações que solidificaram sua posição de destaque nas letras nacionais, como O Cântico do Habitante Precedido de Duas Gestas (1977), Clar(a)idade Assombrada (1977), Cantigas de Trabalho: Tradições Orais de Cabo Verde (1980) e Emergência da Poesia em Amílcar Cabral – 30 Poemas (1988).
Um aspecto notável de sua obra foi sua habilidade de transitar entre a poesia e a prosa, mantendo sempre a qualidade e a profundidade que caracterizam sua produção. A colectânea Contos Os Loucos: Poemas de Amor e Outras Estações Inacabadas (1997) e o romance As Ilhas do Meio do Mundo (2016), anunciado por mais de quarenta anos antes de sua publicação, são exemplos de sua versatilidade como escritor. O romance, que ele próprio classificou como uma “sagarela” – uma pequena saga – é uma espécie de retrospectiva de sua trajectória como escritor e combatente da liberdade.
Contudo, a vida de Oswaldo Osório foi marcada por um desafio pessoal que acabou por moldar a fase final de sua carreira: a perda progressiva da visão. Ainda na década de 1960, ele começou a perceber os primeiros sinais do problema, que era hereditário em sua família. Tanto seu pai quanto sua mãe, tios e primos haviam enfrentado dificuldades semelhantes. Após várias tentativas de tratamento, incluindo uma viagem a Portugal em 1998, perdeu completamente a visão em Março de 2004. No entanto, o que poderia ter sido um obstáculo intransponível para muitos, para Oswaldo tornou-se mais uma fonte de inspiração. Ele continuou a escrever, e em 2007 publicou A Sexagésima Sétima Curvatura, um livro de poesia que consolidou sua reputação como um "poeta da luz interior".
Foi Paulo Cunha e Silva, médico e crítico de arte português, quem cunhou essa expressão – “o poeta da luz interior” – quando conheceu Oswaldo Osório, em Janeiro de 2015, na cidade da Praia. A expressão reflecte com precisão a capacidade de Oswaldo de transformar sua perda de visão em uma forma de introspecção e de iluminação criativa. Ao invés de se deixar abater pela cegueira, ele encontrou na escuridão uma nova maneira de enxergar o mundo, e essa nova visão está presente em suas últimas obras.
A publicação de As Ilhas do Meio do Mundo em 2016 foi uma prova de que Oswaldo Osório nunca parou de sonhar, de criar e de compartilhar sua arte com o mundo. Durante o lançamento do romance, suas palavras finais foram de esperança e confiança no futuro: “Até o próximo livro!” Essas palavras, mais do que um simples desejo, reflectem o espírito inquebrantável de um homem que nunca deixou de acreditar na força da palavra e na sua capacidade de transformar vidas.
Seu livro mais recente, Teresias, lançado em 2019, faz alusão à figura mitológica de Tirésias, o famoso profeta cego da mitologia grega, amplamente reconhecido como um dos mais renomados videntes da antiguidade. Osório também deixou finalizado o manuscrito de Teresias II, pronto para publicação.
Oswaldo Osório deixa-nos, aos 86 anos, após uma vida inteira dedicada à palavra e à liberdade. Sua obra permanecerá como um farol para as gerações futuras, iluminando o caminho daqueles que, como ele, acreditam no poder da poesia e da literatura para mudar o mundo.
Que a memória de Oswaldo Osório, o "poeta da luz interior", continue a ressoar nas letras de Cabo Verde e além. Sua presença física pode ter partido, mas sua voz ecoará para sempre nas páginas que ele escreveu e nos corações de todos aqueles que tiveram o privilégio de ler suas palavras.
Neste momento de profunda tristeza, apresentamos as nossas mais sinceras e sentidas condolências à viúva de Oswaldo Osório, seus filhos, netos, familiares e amigos. Que a força e a inspiração que ele transmitiu em vida, através de sua poesia e de seu exemplo de resiliência, tragam conforto e serenidade a todos que tiveram o privilégio de conviver com ele. Seu legado literário continuará vivo, iluminando gerações futuras, enquanto sua ausência será sentida por todos que o amaram e admiraram. Que encontrem paz e consolo em suas memórias e na certeza de que sua obra transcenderá o tempo.
Descanse em paz, Oswaldo Osório, eterno navegante dos mares da poesia.