“A música tradicional foi perdendo algum espaço, sobretudo nos grandes palcos. Mas essa é uma preocupação que tem sido muito falada ultimamente”, afirma a cantora em conversa com o Expresso das Ilhas.
“De uns anos para cá, tem-se percebido que a música tradicional perdeu muito espaço relactivamente ao que acontecia antigamente. Por exemplo, o Festival da Baía das Gatas começou, o objectivo era promover os artistas nacionais e a maior parte da música que era tocada era a música tradicional”, relata.
Segundo a cantora, os promotores de eventos devem levar a música tradicional para mais palcos. “De facto, consegue-se fazer uma mudança em relação a isso desde que se esteja aberto. E quando digo que esteja aberto para isso, refiro-me a quem está envolvido nessa linha, tanto os artistas como os promotores e os produtores”.
“Costumo dizer que só se ganha gosto por uma música após ouvi-la. Porque não é possível um jovem ganhar afeição ou empatia por uma música se não ouvir. E se não ouvir, ele não conhece, e se não conhece também, não há. Se a pessoa não conhece, não existe, não há possibilidade de ter esse gosto”, assegura.
Conforme disse, a música tradicional deve estar nos espaços onde os jovens estejam. “Mas é preciso realmente que haja abertura em relação aos promotores de eventos. É preciso que sejam criadas as condições para que a música tradicional esteja em espaços que os jovens frequentam, como disse, a começar pelas escolas”.
Para além das escolas, disse que a música tradicional deve ser levada para os grandes palcos. “De facto há pessoas, por exemplo, como eu, a Cremilda Medina e a Assol Garcia, que estamos nessa linha tradicional. Há, de facto, uma preocupação, e todos e produtores que estão nessa linha, têm uma certa preocupação em tentar promover mais a música tradicional”.
Por outro lado, referiu que há quem trabalhe com seriedade e rigor para que realmente a música tradicional esteja em grandes palcos. “Há essa possibilidade: fazem-no por amor, e a partir daí vem o resultado. E só assim conseguiremos, talvez, contornar essa situação”.
“Vejo que, nos últimos tempos para cá, começou a haver alguma preocupação em alguns promotores de eventos. Por exemplo, recentemente fez-se um festival de música tradicional que achei uma bela iniciativa”, frisa.
Disco
Bertânia Almeida lançou no ano passado (2023), o seu primeiro disco intitulado “Descobri”, um trabalho discográfico, onde a música tradicional foi muito acarinhada. O disco surgiu em parceria com o músico mindelense Bau, um dos principais nomes e referência da música cabo-verdiana.
A produção do álbum veio na sequência da candidatura para o “Edital Resgate e Promoção da Música Tradicional Cabo-Verdiana”, promovido pelo Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, onde foi seleccionado o projecto de produção discográfica. O disco é composto por 11 faixas musicais, sendo que 8 são mornas.
O disco foi lançado em São Vicente e em Santo Antão, e na Cidade da Praia, no ano passado, no âmbito do Atlantic Music Expo (AME). No dia 31 de Outubro, a cantora esteve num concerto intimista na Praia, intitulado “Un Porta Aberte”, onde mostrou o seu trabalho discográfico.
A cantora explica que o disco “Descobri”, é, no fundo, uma redescoberta da música tradicional. “O disco traduz-se numa redescoberta da música tradicional, porque eu cantava, parei de cantar e durante esse tempo que estive parada, havia sempre esse desejo de fazer algo”.
“Foi uma redescoberta da música, sobretudo da música tradicional, de voltar a uma paixão que sempre tive, que é a música, mas que, por diversas circunstâncias, acabou por ficar um bocado de lado durante esses anos”, relata.
Conforme disse, o seu disco tem só um tema inédito, “Amor Profundo”, de Tibau Tavares. “Os outros são temas dos clássicos que já conhecia, outros que vim conhecer após esse primeiro encontro com o músico Bau, e ele, de facto, ajudou-me muito nesta parte, porque tinha que ser, porque era um trabalho meu e dele também”.
Bertânia conta que escolheu para o disco os temas com que ela de alguma forma tem alguma ligação. “Tenho muito essa preocupação de cantar temas com que tenho ligação. Caso não for, não consigo mesmo cantar, porque se não me identificar não vale a pena. Por exemplo, há temas que conhecia desde criança, transmitidas pelos meus pais, porque os meus pais sempre me incentivaram nesta área”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1197 de 06 de Novembro de 2024.