No passado mês de Fevereiro, Kiki Lima apresentou, no Centro Cultural de Cabo Verde, em Portugal, a sua última exposição, “Do Chão das Ilhas ao Som da Alma”. Um conjunto de telas que constitui testemunho vivo da relação entre o povo e a sua terra, em que o “chão das ilhas” representa as tradições, o labor e o quotidiano, enquanto o “som da alma” se manifesta na expressão musical e corporal, pilares da cultura cabo-verdiana.
Natural de Santo Antão, Kiki Lima, de seu nome completo Euclides Eustáquio Lima, era licenciado em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e frequentou também os cursos de Desenho e Pintura no CEC e de Escultura no Centro de Arte e Comunicação Visual, ambos em Lisboa.
Pintor, escultor, designer, músico, compositor e intérprete, Kiki Lima iniciou o seu percurso nas artes plásticas em 1969. Ao longo da sua carreira, realizou mais de 200 exposições individuais e participou em mais de 160 exposições colectivas.
O seu trabalho pictórico distingue-se pelo uso de cores vibrantes e de uma pincelada gestual, retratando figuras em movimento e espaços emblemáticos da cultura cabo-verdiana, onde a música desempenha um papel central. As suas telas luminosas captam a alegria popular em cenas de rua, mercados, recantos e danças tradicionais.
Kiki Lima considerava-se um artista impressionista e expressionista, explorando variações das técnicas tradicionais. Preferia usar uma mesa em vez de uma paleta e privilegiava pincéis largos, recorrendo frequentemente a cores alegres, com destaque para o laranja e o azul ciano.
Ao longo da sua trajectória, recebeu várias distinções e prémios, entre os quais se destacam o 1.º Grau da Medalha de Mérito Cultural do Governo de Cabo Verde (2017), a 1.ª Classe da Medalha do Vulcão, no âmbito do 25.º aniversário da independência de Cabo Verde, atribuída pelo Presidente da República; o Prémio Selo Morabeza (2015); o título de “Personalidade 2002” em Artes Plásticas, atribuído pelo Núcleo de Estudantes Universitários Africanos em Portugal; e o “Prémio Prestígio AI-UÉ” – Pintura (1992).
O seu nome figura no painel de pintores cabo-verdianos da Assembleia Nacional de Cabo Verde.
Entre as suas obras de arte pública mais relevantes destacam-se o frontispício do Pavilhão de Cabo Verde na EXPO’98 e a peça “Recepção de Emigrantes”, situada no Aeroporto Amílcar Cabral, na ilha do Sal. O seu trabalho integra diversas colecções nacionais e internacionais, tanto públicas como privadas, em Portugal e noutros países.
Algumas das suas obras encontram-se em colecções particulares de figuras proeminentes, como os ex-presidentes portugueses Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva, o Rei de Espanha, os presidentes da África do Sul, Timor-Leste e China, bem como a ex-primeira-dama dos EUA, Hillary Clinton.
Como escultor, produziu várias obras em bronze, incluindo bustos, troféus e medalhas comemorativas.
Em 2019, Kiki Lima celebrou os seus 50 anos de carreira com a exposição “50 anos de Musicalidade Pictórica”, realizada no Palácio da Cultura Ildo Lobo, na Cidade da Praia — uma homenagem ao seu percurso artístico multifacetado e à sua contribuição para a arte cabo-verdiana.
Cabo Verde lamenta a morte de Kiki Lima
Com a sua morte, multiplicaram-se as reações nas redes sociais. O Presidente da República, o Governo, familiares e amigos publicaram mensagens de condolências.
“Kiki Lima deixa um legado inestimável para a cultura e a arte de Cabo Verde. A sua obra, marcada pela cor, pelo movimento e pela profunda identidade cabo-verdiana, retratou com mestria as vivências do nosso povo, elevando o nome de Cabo Verde nos palcos artísticos nacionais e internacionais”, destaca a Presidência da República, num comunicado divulgado nas redes sociais.
Também o Governo, através do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, lamentou o desaparecimento físico do artista, considerando que Cabo Verde perdeu um embaixador da cultura nacional, que soube cruzar linguagens visuais com a música e o design.
“Figura incontornável da cultura nacional, Kiki Lima, uma das maiores referências das artes plásticas de Cabo Verde, teve uma carreira notável, marcada por uma criatividade vibrante, um estilo único e uma entrega total à arte e à identidade cabo-verdiana”, frisa.
O artista plástico Tchalé Figueira lembrou com carinho o legado de Kiki Lima: “A sua pintura é o retrato da nossa sociedade crioula em tonalidades quentes, do azul do mar ao amarelo solar, e de diversos temas que considero etnológicos da diversidade cultural do nosso país: do pescador ao vagabundo, das menininhas bonitas à pequena burguesia, das festas juninas ao batuque, etc.”
“Kiki Lima foi um artista singular, com um estilo próprio, que muitas vezes desafiava o status quo estabelecido. Nas suas pinturas, na sua escrita e na sua música, transpareciam não só a sua arte e mestria, mas também a sua crença na justiça e na humanidade”, refere o Centro Cultural de Cabo Verde em Portugal.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1234 de 23 de Julho de 2025.