“Foram dez anos em que literalmente não parei de produzir, de fazer música, de exportar e de defender a minha arte nos palcos do mundo inteiro”, afirma a cantora numa entrevista ao Expresso das Ilhas.
Elida Almeida surgiu no cenário musical em 2014, com o disco Ora doci, Ora margos, um trabalho que lhe trouxe reconhecimento tanto a nível nacional como internacional. Depois do sucesso de Ora doci, Ora margos, seguiram-se outros trabalhos como Djunta Kudjer, Kebrada, Gerasonobu e Di Lonji.
A cantora conta que foram dez anos de muitas coisas boas, que aconteceram “à velocidade da luz”: muitas viagens, aventuras, conhecer muitos países diferentes, “absorver vários tipos de influências musicais, ritmos, e fiz muitos trabalhos”.
Apesar de não esperar ter chegado onde chegou hoje, Elida disse que as coisas aconteceram “à velocidade da luz”. “Para mim, parece que aconteceu há cinco anos.”
Olhando para trás, a cantora revela que diria a si própria para se manter firme, porque está no caminho certo.
Concerto dos dez anos de carreira
Na passada sexta-feira, 18 de Julho, Elida Almeida esteve na sua terra natal, Santa Cruz, num concerto para celebrar os seus dez anos de carreira.
Segundo a cantora, a estreia desta digressão foi em Portugal, após o lançamento do single Alebi, e levou-a ao Festival Golfest, ao prestigiado Tiny Desk, à Tunísia, Alemanha, Guadalupe e Madeira.
Após o concerto em Santa Cruz, Elida Almeida segue para uma digressão nos Estados Unidos da América, com seis concertos em seis estados diferentes, integrando uma série de festivais. Ainda este ano, está prevista uma digressão no Japão, no mês de Novembro.
A intenção, segundo a artista, é levar também esta celebração a outras ilhas de Cabo Verde, embora as datas ainda não estejam confirmadas.
Momentos marcantes
Nesta década, Elida conta que o momento que mais a marcou foi o prémio RFI (Prix Découvertes RFI, em 2015), que, apesar de muitas outras conquistas, continua a ser o mais marcante da sua vida.
Para a cantora, não foi só um prémio: “foi um prémio que veio acompanhado de uma das aventuras mais bonitas da minha vida. Passei três meses no continente africano, onde descobri alguns países de que nunca tinha ouvido falar, como Chade, Níger, Suazilândia. Por isso, o RFI continua a liderar ao nível das coisas que mais marcaram a minha vida.”
Este ano, Elida destacou-se ao actuar no Tiny Desk, na sua versão Tiny Desk Meets GlobalFEST, um programa de apresentações acústicas ao vivo da rádio NPR Music, nos Estados Unidos.
“Recentemente, dei um dos passos que ainda estou a digerir, que foi pisar o palco do Tiny Desk Meets GlobalFEST, um programa de apresentações acústicas ao vivo da rádio NPR Music, nos Estados Unidos. Foi a primeira vez que a bandeira de Cabo Verde lá chegou, por isso foi muito emocionante para mim entregar o meu passaporte e a bandeira de Cabo Verde ao segurança para fazer o scanner”, destaca.
Apesar disso, a cantora revela que o prémio RFI continua a marcar a sua carreira artística: “o NPR é o que está mais recente na minha cabeça, mas para mim o RFI é aquela digressão que continua a ser a mais marcante.”
A cantora conta que, no ano passado, tinha sido seleccionada para aquele mercado, mas estava grávida de sete meses e não pôde viajar para aquele espectáculo: “estava num momento muito emotivo, em que tudo me fazia chorar, por isso chorei por não ter conseguido ir, e acabaram por colocar outra pessoa no meu lugar.”
Este ano, voltou a ser seleccionada para aquele espectáculo: “o que acontece é que o GlobalFEST tem uma ligação com o Tiny Desk, por isso todos os anos há um artista do GlobalFEST a quem o Tiny Desk dá a oportunidade de actuar naquela emissora.”
“Num belo dia, recebi uma mensagem do meu produtor executivo, José (Djô) da Silva, a dizer que fui seleccionada para actuar na NPR. Não acreditava, fiquei uma semana em casa a festejar. Todos os fins-de-semana ficava em casa com a minha família a ver actuações de vários artistas de renome no NPR.”
Para a cantora, aquele espectáculo foi muito emocionante.
Desafios
Elida disse que os desafios ao longo destes anos foram manter-se firme no mundo da música: “acho que o maior desafio, sobretudo na World Music, é manter-me. Continuar lá e as pessoas continuarem a falar de ti, a lembrar-se e a admirar a tua arte.”
Para a cantora, esse manter exige muito trabalho: “é como ter de te manter fiel às tuas origens e chamar a atenção das pessoas para ti, mas também tens de inovar, senão ficas para trás. Para mim, nestes dez anos de estrada, os desafios diários são manter-me, continuar a ser a Elida, continuar a levar o nome de Cabo Verde a vários palcos e continuar a merecer a admiração das pessoas.”
Por cantar música tradicional, confessa que o desafio é ainda maior: “se fores ver, em toda e qualquer situação que precise de vender, é a World Music (refiro-me à música tradicional) que é chamada, porque é o cartão-postal do país, para mostrar a tradição e o que o país tem.”
Segundo a cantora, no mundo inteiro a World Music é menos valorizada e tem um tratamento menos especial, porque muitas vezes não ‘bate’ por não ser um hit nem populista.
“Então, há uma diferença de tratamento. Só sei que é menos privilégio. A Cesária Évora chegou a um nível, e ela é o que é, e pagam-lhe por isso, ponto final. Como o Youssou N’Dour e a Angélique Kidjo. Olha para a idade dessas pessoas… se calhar um dia também lá chego”, afirma.
Com isso, a cantora sublinha que o trabalho é quatro vezes mais árduo do que o da música comercial: “as músicas da moda, que ‘batem’, que têm mais streaming. Então acho que o desafio é maior.”
Elida disse que foi abraçada desde o primeiro momento na música e garante que se sente especial, principalmente quando está em Cabo Verde: “sinto-me especial e recebo muito carinho das pessoas. Em Cabo Verde, posso dizer que consegui conquistar um nome, uma identidade. Hoje em dia, as pessoas são capazes de ouvir uma composição minha, cantada e interpretada por outras pessoas, e dizer logo: o tema é da Elida Almeida, devido às palavras que uso nas minhas canções e à minha linha melódica.”
A cantora também sublinha que as pessoas continuam a gostar daquilo que ela faz: “é claro que há sempre críticas aqui e ali, sobretudo num mundo de achismos, por isso há sempre uma opinião que, às vezes, não cai bem, porque sou um ser humano. Mas vou continuar a receber energia boa das pessoas.”
Composições
Autora de 90% das suas músicas, Elida disse que em todos os seus discos faz questão de incluir duas ou três composições de autores com quem se identifica, que gosta e que lhe são próximos: “o Manu Reys, por exemplo, tem sido o meu parceiro desde 2016, e todas as suas músicas são hits, resultam bem. Txika é um hit conhecido mundialmente.”
Por conta disso, contou que foi para uma digressão ao México e que as pessoas gritavam por Txika, o que a deixou espantada: “Txika não sai do meu top 5 no streaming. É Zombam (mais conhecido por Rapaz de Praia) também foi um tema que bateu e gerou polémica. E acabei de lançar mais um tema, Undel, que também tem a assinatura do Manu Reys.”
Outro compositor com quem Elida faz questão de trabalhar é George Tavares, da ilha do Maio: “há o George Tavares, da ilha do Maio, com quem vou gravar mais um tema da sua autoria para o meu novo trabalho.”
“São pessoas que têm uma forma de compor parecida com a minha: diferente, mais fresca e mais ousada. O George Tavares, apesar de não ter a mesma idade que eu ou o Manu Reys, considero-o parte da nova geração de compositores. Ele tem uma forma de escrever muito própria.”
Novo trabalho
Elida Almeida está a preparar o seu mais recente disco, para o qual já tem todo o esqueleto feito: “já tenho todas as maquetes gravadas, agora estamos na fase de seleccionar e montar o repertório para incluir no disco.”
“Neste trabalho vou contar com o director musical, que continua a ser o Hernâni Almeida, e com o meu director executivo, José da Silva, que vão ouvir os temas e ajudar a escolher as faixas que vão constar no disco.”
Neste sentido, revelou que terá uma residência artística em São Vicente, na segunda quinzena de Agosto: “uma residência com o Hernâni Almeida e mais um produtor que vamos trazer, mas não posso ainda revelar o nome. Estou muito ansiosa. Tenho espectáculos, mas a minha cabeça está sempre a pensar no meu novo disco.”
Identidade artística
Elida sublinha que já consolidou uma identidade musical própria nos seus ritmos e melodias, destacando a forma como reinterpreta a tabanca com uma roupagem diferente da tradicional: “Tenho a identidade da Elida: aquela menina que bebe muito do tradicional, que tem influências tradicionais, que nasceu no batuco, na tabanca e no funaná, mas tem a mente aberta e consome arte do mundo inteiro”, frisa.
“Continuo cada vez mais firme nos meus ideais e no meu objectivo de enaltecer a tabanca. O tema Bersu d’Oru é o mais ouvido do meu streaming no mundo inteiro, e isso por algum motivo: porque é uma tabanca, um ritmo que lá fora ninguém conhece. Cabo Verde é conhecido pelos ritmos do norte, graças à Cesária Évora e outros nomes.”
Lembra que o mundo inteiro conhece Cabo Verde pela morna e pela coladeira: “agora temos aquela missão, que já começou há muito com o Pantera, a Lura e outros nomes. Os Bulimundo fizeram um trabalho extraordinário a enaltecer os ritmos do Sul.”
“Cabo Verde tem muito mais do Sul do que aquilo que é conhecido, e eu sou mais uma a juntar-me a esse grupo de quem enaltece os ritmos do Sul.”
Inspiração
Quanto à inspiração, Elida diz que tem muitas influências do grupo Bulimundo: “um grupo que me influencia muito na forma como faço e canto o funaná. Gosto da forma como o Ildo Lobo cantava e se entregava à música. Tenho também influências da Lura: a forma como ela vive e canta o batuco e a tabanca é única.”
“Além disso, ouço muita música de outros países, como do Congo e da África do Sul, que acabo por misturar com as minhas melodias.”
“O meu irmão, por vezes, lembra-me de letras que eu já nem me lembrava de ter escrito. A minha família inspira-me muito. A minha irmã é sempre a minha fonte, sempre que tenho um dia sem energia, é a ela que recorro para me carregar e continuar.”
Elida conta que a sua mãe admira muito a sua arte, mas à sua maneira: “depois de tantas coisas boas que a música já nos trouxe, para a minha mãe eu devia estar num gabinete da procuradoria em vez de estar na música. Ela tem aquela ideia de que o bom é ter o dinheiro certo no fim do mês.”
“Tenho muitas pessoas que, silenciosamente, me apoiam para eu estar hoje onde estou. Acho que sozinha nunca teria conseguido tantas coisas na música.”
“Nesta área, é fundamental ter pessoas que te apoiam e admiram a tua arte, que a vendem com garra. Acho que consegui reunir isso, de certa forma, na minha equipa ao longo destes anos.”
Metas
Para Elida, a meta é continuar a descobrir o mundo e levar Cabo Verde a lugares e países onde ainda não chegou: “a minha ambição é continuar a pisar outros palcos e levar a bandeira de Cabo Verde o mais longe possível.”
“Comecei a cantar em 2014, e já em 2015 comecei a fazer digressões por todo o mundo. Durante muito tempo fui até atrevida por levar o meu projecto de Cabo Verde a todos os espectáculos lá fora”, recorda.
A cantora conta que foi para Portugal para estudar Direito, mas não conseguiu conciliar e acabou por deixar: “a música acabou por vencer. Ainda não me consigo ver a fazer outra coisa que não seja música.”
Por outro lado, afirma que é mais fácil viajar para espectáculos a partir de Portugal, por ser menos dispendioso.
Actualmente, Elida reside em Hamburgo, na Alemanha, porque a vida a levou para lá: “foi uma questão pessoal.”
“A Alemanha é um país completamente diferente de Cabo Verde. Somos de um país da morabeza, de pessoas calorosas, que gostam de abraçar e de ajudar a criar os filhos uns dos outros.”
“A vida levou-me para lá e aos poucos vou percebendo as vantagens de viver lá. Para a família, é um país incrível pelo que pode proporcionar. De resto, estou a habituar-me à vida lá”, conclui.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1234 de 23 de Julho de 2025.