No âmbito do Dia Mundial da Cinema, assinalado hoje, Natasha Craveiro traçou à Inforpress um retrato claro e apaixonado da realidade do cinema cabo-verdiano, que considera “ainda um projecto, um desejo e um sonho por concretizar”.
Segundo a cineasta, o país vive um momento de crescente procura internacional, muito por causa da riqueza natural das ilhas e do talento das pessoas, mas continua a enfrentar graves limitações estruturais.
A aprovação da primeira lei do cinema, referiu, foi um passo decisivo, mas insuficiente.
“A lei, por si só, não tem a capacidade de fazer a indústria florescer. É preciso muito mais do que legislação”, afirmou, defendendo a criação de uma nova política para o sector e uma nova percepção sobre o cinema como instrumento de transformação social e económica.
Natasha Craveiro destacou que o cinema deve ser visto também como actividade económica, com potencial para gerar emprego, promover o turismo e fortalecer a cultura nacional.
Para ela, a consolidação de verdadeira indústria exige harmonização entre talento, financiamento e vontade política.
Socióloga de formação, feminista e fundadora da produtora “Korikaxoru Films”, Craveiro considera que o seu trabalho nasce de um forte compromisso social.
“A arte deve ser utilizada como instrumento de transformação no sentido de alcançarmos sociedades mais humanas”, realçou, explicando que a sua formação em sociologia molda a missão do seu cinema.
O seu percurso profissional começou há cerca de dez anos, quando sentiu a necessidade de criar um espaço próprio de produção e partilha.
Desde então, a “Korikaxiru Films” tornou-se um símbolo de resistência e criatividade dentro do panorama nacional.
Entre as suas influências artísticas, apontou o realismo fantástico, presente desde a infância, e o impacto de realizadoras como Sarah Maldoror e Chantal Akerman, cujas abordagens estéticas e políticas inspiraram o seu olhar.
Referiu ainda a admiração por Leão Lopes, Carlos Yuri Ceuninck, autor de “Omi Nobu”, vencedor do Etalan d’ Or no Fespaço 2023, e destacou a força de novas vozes femininas como Artemisa Ferreira, Celeste Fortes, Chissana Magalhães, Josiana Cardoso, Lisa Lopi e Max Maximiano.
Entre as produções que mais a marcaram, mencionou o filme “Black Tea”, de Abderrahmane Sissako, o seu projecto “Pirinha”, e a sua participação no Festival de Cannes em 2023, um momento que descreve como “terminante” na sua trajectória.
Para Craveiro, o cinema é um instrumento de memória e afirmação identitária.
“Quero contar as nossas histórias com toda a bagagem que nascer, crescer e viver neste chão me conferem”, frisou.
A língua, a música, o espaço insular e a convivência com o povo, sublinhou, são elementos centrais da sua narrativa.
Ao falar dos desafios do sector, voltou a insistir na ausência de políticas consistentes e de fontes de financiamento nacionais.
“Só fazendo esse trabalho de base surgirá, no fundo do túnel, a luz de um verdadeiro financiamento”, vincou.
Acrescentou que o cinema e o audiovisual “têm um potencial enorme ainda inexplorado”.
A realizadora lamentou a falta de salas de cinema e o consequente desaparecimento do hábito de assistir filmes.
Lembrou que existe apenas uma sala na capital, dedicada sobretudo a produções estrangeiras.
“O cabo-verdiano é um povo interessado no cinema, mas perdeu o hábito de ir às salas”, observou, sugerindo a criação de quotas nacionais em cinemas e televisões para garantir espaço às produções locais.
Natasha Craveiro reconheceu ainda a importância das plataformas digitais, mas questionou a sua real eficácia no contexto nacional.
Apesar dos entraves, a cineasta mantém-se optimista.
“Sou optimista relativamente ao futuro do cinema cabo-verdiano, mas é preciso criar um ecossistema certo” acentuou, apelando ao envolvimento das universidades e à introdução de cursos de cinema em Cabo Verde.
Concluiu com uma mensagem de união dirigida aos jovens e profissionais da área.
“Precisamos falar numa só voz quando o assunto é o desenvolvimento do sector onde nos encontramos inseridos”.
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