Na penúltima (edição 715) crónica intitulada “Sobre o 64º aniversário de Karpov” havia prometido ao leitor a publicação de uma partida do ilustre aniversariante. Entretanto sobreveio a inesperada morte de Alessandro Mazzoni, xadrezista italiano há muitos anos radicado no Mindelo a quem a cidade e Cabo Verde muito devem, pois, como realçou Francisco Carapinha no obituário publicado na passada semana nesta coluna, o Alex, como era carinhosamente tratado na sua segunda pátria, contribuiu muito para o desenvolvimento da modalidade em Cabo Verde, “tendo inclusivamente feito parte dos corpos sociais da Associação de Xadrez de S. Vicente (AXSV)”.
Regressando à anunciada partida do 12º campeão mundial de xadrez de 1975/1985. Como se sabe, depois de vencer a final do torneio de candidatos, em 1974, aos 23 anos, Karpov foi declarado, na secretária, no ano seguinte, campeão mundial, quando o campeão norte-americano Bobby Fischer perdeu o título depois de prolongadas negociações com a Federação Internacional de Xadrez. Anatoly Karpov sentiu então necessidade de provar ao mundo e a si próprio o seu valor depois de ter recebido a coroa de forma tão inglória e venceu um torneio atrás do outro. Ele ainda é detentor do mais impressionante recorde de torneios. Como escrevi na referida crónica 715, o palmarés de Karpov dava para encher generosamente pelo menos dois navios daqueles grandes, pois ganhou nada mais, nada menos que 160 torneios disputados com a elite mundial. Provavelmente o seu triunfo mais importante foi o primeiro lugar no torneio de Linares, em 1994. Participaram neste torneio Kasparov, Shirov, Kramnik, Anand, Kamsky, Topalov, Ivanchuk e Gelfand. Impressionado com a força deste torneio, o então campeão do mundo Kasparov comentou uns dias antes do início do torneio que o seu vencedor podia ser chamado com toda a propriedade “campeão do mundo”. De facto, Karpov jogou o melhor torneio da sua vida. Ficou invicto e somou 11 de 13 possíveis pontos (a melhor percentagem de um vencedor de torneios desde que Alekhine ganhou em San Remo, em 1939), terminando com 2,5 de vantagem sobre o segundo classificado Kasparov e do terceiro, Shirov. Esta excelente actuação contra os melhores do mundo, fez disparar o seu Elo para 2985, o maior da história, somente ultrapassado recentemente por Maguns Carlsen no Torneio Pearl Springs, na China.
Será necessário acrescentar que Karpov defendeu o título em 1978 e 1981 com sucesso, ambas às vezes contra Viktor Korchnoi e que com Kasparov jogou cinco matches consecutivos pelo campeonato mundial: 1984, 1985, 1986, 1987 e 1990, num total de 144 partidas. E o balanço dessa maratona não envergonha Karpov, nada mais nada menos que 20 anos mais velho que o seu arqui-rival: 21 vitórias para Kasparov, 19 para Karpov e 104 empates.
O segredo das vitórias de Karpov deve-se ao seu estilo filigrano de acumulação de vantagens microscópias através de um jogo metódico e frio que culmina no estrangulamento do aniversário. Como comentou uma vez Mikhail Tal “as verdadeiras intenções de Karpov só se tornam compreensíveis aos adversários quando não há mais nada a fazer”.
Os críticos acabaram por encontrar um adjectivo que define à perfeição a mestria do jogo do ex-campeão mundial: estilo karpoviano. A partida, que a seguir propomos ao leitor, foi disputada no Torneio Interpolis, tradicionalmente jogado em Tilburg, e é um exemplo antológico do estilo esmagador do mestre russo. Karpov demonstra a sua técnica obtendo a vitória numa posição truncada, chegando a uma final de bispo mau (no caso, péssimo) contra cavalo, com torres e uma posição muito fechada. As brancas ganham espaço progressivamente e aproveitam a sua vantagem posicional para sacrificar um peão, abrindo o caminho para o triunfante monarca selar a batalha com chave de ouro.
Anatoly Karpov vs Artur Yusupov Tilburg (1993) · Queen’s Indian
Defense: Opocensky Variation (E17)