Glórias do xadrez cabo-verdiano: Ramiro Barbosa Vicente

PorAntónio Monteiro,19 nov 2016 6:00

Terminou recentemente o campeonato de xadrez da Praia que em boa hora homenageou o Old Meister Ramiro Barbosa Vicente, um dos maiores xadrezistas cabo-verdianos de sempre. Ramiro, como é tratado no Café Sofia e ultimamente da sede da Associação Pró-Praia, onde aparece no final das tardes para estimular com a sua querida presença a nova geração de praticantes, distinguiu-se ainda na sua actividade profissional como quadro superior das Alfândegas e também em outra disciplina desportiva, a corrida de cavalos, não fosse ele natural ilha do Fogo. Na primeira parte desta entrevista, o homenageado fala dos seus primeiros passos no xadrez e da conquista do primeiro campeonato da modalidade, em São Vicente, ilha onde foi concluir o sétimo ano dos liceus e logo a seguir ingressou no quadro das Alfândegas. Nesta ilha, vence o seu primeiro campeonato, em 1964, mas a sua carreira desportiva é abruptamente interrompida com a sua transferência para a ilha do Fogo. Havia de ser recolocado de novo em São Vicente, onde revalida o título de campeão conquistado cinco anos antes. Na segunda parte desta entrevista, damos conta da sua transferência para a Praia, em 1972, e os duelos que protagonizou com grandes figuras do xadrez praiense, entre eles, Baltazar Barros e Sá, Raul Barbosa Vicente, Noel Pinto, Arménio Vieira, Sérgio Centeio e Daniel Pires.

Como e quando descobre o xadrez?

Ramiro Barbosa Vicente – Nasci e cresci no campo [Curral Grande, ilha do Fogo] até aos 12 anos, quando completei a 4ª classe. Como éramos muitos irmãos, todos ficaram no campo depois de concluída a 4ª classe. Acontece que o meu pai decidiu matricular-me, na cidade de São Filipe, para estudar a quarta-admissão [frequência escolar para admissão ao liceu]; para fazer esse percurso tinha que palmilhar diariamente 14 km. Em São Filipe encontrei muitos primos da minha idade que já sabiam jogar xadrez. Então  resolveram ensinar-me a jogar com o único objectivo de me aplicar o temível “Mate Pastor” [mate em quatro lances], porque vinha do campo e era ignorante.  Debalde pedi-lhes que me mostrassem a defesa contra o famoso mate. O certo que em pouco menos de seis menos já nenhum dos meus primos tentava assustar-me com o tal mate pastor, como também os tinha deixado todos para trás. Chegou uma altura em que os nossos tios, que nos tinha ensinado a jogar, mandavam-me chamar quando não tinham adversário à altura…

 

Como é que o xadrez surge na ilha do Fogo?

De facto, em toda a ilha só havia um único tabuleiro de xadrez que era dos meus tios. Tirando isso, ninguém mais jogava. Esporadicamente, um ou outro indivíduo que passasse pela ilha fazia um jogo com um dos meus tios, mas não passava disso. Como disse, não havia mais que esse único tabuleiro e não se falava em livros, nem em teoria. Quando fiz a admissão, fui continuar os estudos em São Vicente. Com parcos recursos, a minha vida no Mindelo era casa-liceu-casa e não tive oportunidade de praticar. Depois de completar o 7º ano, ingressei nos quadros das Alfândegas, em S. Vicente. Agora, como já tinha algum dinheiro no bolso, passei a frequentar o Café Portugal, onde jogavam o director da Alfândega, Luís Barbosa Matos, que era um belíssimo jogador, o Rocha, da Congel, o Rendall Leite, o Henrique Vera-Cruz e outros. De vez em quando jogava uma ou outra partida, mas conheciam muito mais do xadrez do que eu. Acontece que passados um ou dois anos o sr. Rocha organiza um campeonato. Eu já tinha ganho algumas partidas aos xadrezistas do Café Portugal, mas eles não atribuíam as minhas vitórias aos meus méritos, mas às suas fracas prestações num dia de pouca sorte. Seja como for, neste primeiro campeonato em que participei, em 1963 ou 1964, qualifico-me para a final que disputei na Baía das Gatas com Barbosa Matos, na altura, indiscutivelmente o melhor jogador de S. Vicente, se não de todo o Cabo Verde. Ganho o match e consequentemente o campeonato. Então passei a ser considerado pelos meus pares, mas foi sol de pouca dura, porque o meu colega da Alfândega no Fogo adoeceu, e fui imediatamente requisitado para a minha ilha natal.  No Fogo, nesta altura, não havia nenhum jogador e parou o xadrez. (Fim da 1ª parte).

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 781 de 16 de Novembro de 2016.

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Autoria:António Monteiro,19 nov 2016 6:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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