A Imortal Zugzwang

PorAntónio Monteiro,3 jun 2017 8:00

As partidas de xadrez entram na história sob a forma de gloriosos e sonoros epítetos; não podia deixar de ser de outra forma porque normalmente são os próprios mestres a registarem para a posterioridade os seus feitos mais célebres e dignos de memória. Qualquer praticante conhece a partida disputada em Paris, durante a ópera O Barbeiro de Sevilha, entre Paul Morphy e a dupla Conde Isidoro e o Duque de Brunswick. O genial norte-americano sacrifica quase todas as peças para, no décimo sétimo lance, aplicar, aos atónitos dignitários, o mate mais famoso da história do xadrez. Foi a primeira imortal do jogo dos reis e conhecê-la de cor é ainda um must. Trata-se, para proferir de uma vez palavras fatais, da partida mais celebrada e instrutiva de todos os tempos. Outras seguiram.
Por assim dizer, cada época produz a sua obra-prima onde é indelével o Zeitgeist – neste caso o romantismo, cuja quintessência poderia ser ‘o triunfo do espírito sobre a matéria’. Empreguei o germânico termo Zeitgeist para me referir ao espírito da época, ou do tempo, como se quiser. Segue outra palavra alemã – Zugzwang. Segundo um vernaculista português que muito preso, Francisco Alves da Costa, a palavra não tem tradução exacta em português, nem tão pouco ousou propor alternativa no seu eloquente Dicionário de Estrangeirismos. É lamentável porque para outros barbarismos o mestre encontrou soluções inovadoras que bem evidenciam os seus amplos recursos vocabulares.
No xadrez, Zugzwang, na sua definição mínima, significa “sem movimento útil”. Alcança-se esta posição, sobretudo em finais de partida, quando a obrigatoriedade de jogar deixa o adversário à beira do colapso. Isto aconteceu na partida protagonizada, em Copenhaga, em 1923, entre dois famosos jogadores – Saemisch e Nimzovich. O mestre alemão Friedrich Saemisch (1896-1975) aportou importantes contributos à Defesa Índia do Rei, cujas variantes imortalizam seu nome. Aron Nimzovich (1886 – 1935) destacou-se fundamentalmente como pensador e foi ao lado de Richard Reti um dos patronos da chamada Escola Hipermoderna do Xadrez. É autor do magnífico tratado Mein System, que ainda hoje continua sendo uma obra imprescindível para todo o praticante e que foi livro de cabeceira de campeões do mundo como Petrosian, Spassky, etc. O assombroso é que na partida que veremos chega-se ao Zugzwang com quase todas as peças no tabuleiro.

Saemisch – Nimzovich

Defesa Índia da Dama, Copenhaga, 1923

  

(25.h6! As brancas estão em Zugzwang)

Uma modesta jogada que enfatiza o Zugzwang branco, com o tabuleiro praticamente completo. Qualquer jogada, que o leitor poderá verificar, conduz à derrota imediata: se 26.Rh2 T5f3, se 26.Bc1 Bxb1, se 26.g4 T5f3 27.Bxf3 Th2++, se 26.Tc1 Te2, e se 26.a3 a5! 27.axb4 axb4 28.b3 Rh8 29.h4 Rg8, e acabam-se as jogadas brancas. Uma posição única nos anais do xadrez.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 809 de 31 de Maio de 2017.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Autoria:António Monteiro,3 jun 2017 8:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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