Das origens das competições oficiais feminino em Cabo Verde
No futebol o trabalho antecede o sonho. Escrevo esta crónica na primeira pessoa do plural representando algumas das gerações de mulheres revolucionárias que, à época, desafiaram o julgamento, os estigmas e os preconceitos sociais para se aventurarem e se entregarem de modo abnegado, à pratica do futebol no feminino. Nas nossas zonas, nas nossas ribeiras e nos nossos cutelos frequentemente éramos rotuladas de: “nôs é matxas”! escutávamos chavões do tipo: “nôs ka ta pára na casa”, “enquanto nôs ta corre trás d´bola, kês m´nine ta lorgod ma sés avós…”, “nôs ka tem vida”, “es vida de corre trás d´bola ka ta levâ nhôs, a nenhum lugar” muitas de nós fomos obrigadas a “quebrar pau nos ouvidos” para que se iniciasse, em quase todas as ilhas de Cabo Verde, a prática do futebol feminino. Disse eu, acima que sou desta geração, embora reconheça que existiram gerações bem anteriores à nossa. Concordo plenamente que isso tem sido uma corrida de estafeta. Pese embora fazer parte de uma geração mais recente, mesmo assim, tanto eu como outras colegas minhas, não conseguimos alinhar, acompanhar, nem participar do primeiro - Campeonato Nacional Feminino – época 2010/2011 – realizado em São Nicolau, mais precisamente, na Cidade do Tarrafal, terra do atum codório. Por sorte, a vida concedeu-me a oportunidade de perceber a minha influência, quer seja de modo indireto, na escolha da ilha São Nicolau e Tarrafal, mais precisamente, como o palco da estreia das meninas no “futebol oficializado”. Fora um - marco – à data.
Um campeonato curto, em que participaram apenas 6 (seis) equipas, nomeadamente, EPIF, AJAC, Delta Cultura, Vulcânicos, Lhana, Ajat ´SN e Mindelense, representando as seguintes ilhas: Santiago (região Sul e Norte), Fogo, Sal, São Nicolau e São Vicente, respetivamente. Tendo dali saído vencedora da Iª Edição - a EPIF de Santiago Sul.
As equipas nacionais como celeiro da seleção nacional feminina
A partir de 2011, a competição oficial no feminino ganhou constância e o Campeonato Nacional Feminino passou a ter “firmeza”. Nos anos seguintes: 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, falhando apenas em 2017, realizou-se sempre o campeonato feminino, tendo como palco um dos Concelhos de uma das ilhas do país. É esse clima de competição e o fomento da prática desta modalidade nas ilhas mais fervorosas do futebol feminino, nomeadamente em Santiago, Sal, São Vicente e Fogo que permite preparar as pérolas nacionais que viriam a ser as primeiras selecionadas e as elegíveis a constituírem a – Seleção Nacional Feminina de Futebol – estreante em novembro de 2018, num amigável perante a nossa convidada Guiné-Bissau.
Foi o novo marco do futebol feminino nacional.Realizávamos o sonho de uma seleção nacional de futebol feminino. Acrescentaríamos a este feito o seguinte detalhe: apresentamos ao mundo uma seleção no feminino com uma mulher enquanto selecionadora – Silvéria Neto – “Nita di Txada”. Já este episódio, pude assistir do lado de dentro da Federação Cabo-Verdiana de Futebol.
Dos jogos amigáveis às disputas internacionais
De inicio, e logo em março de 2019, a Federação de Cabo Verde responde ao convite da congénere e, na sequência, fizemos Praia-Bissau. Resultado da disputa nos relvados, escrevemos, nas páginas de diversos jornais desportivos nacionais e internacionais, a nossa primeira vitória enquanto seleção. Seguiram-se outras deslocações amigáveis, nomeadamente uma outra deslocação a Luxemburgo. Porém, era de competições regionais e oficiais que as meninas precisavam. Precisávamos ser captadas pelos radares do Ranking da Federação Internacional de Futebol - FIFA - e da Confederação Africana de Futebol - CAF.
A nossa primeira participação num torneio da nossa região – UFOA – União de Federações (de Futebol) da África Ocidental – em Serra Leoa – fevereiro a março de 2020 – é considerada um - outro marco. Tratava-se da nossa primeira internacionalização de sempre. Num torneiro onde participaram 8 (oito) das seleções da nossa região: Cabo Verde, Gâmbia, Serra – Leoa, Mali, Libéria, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Senegal.
Militamos o Grupo A, junto com as nossas congéneres: Serra-Leoa (anfitriã), Senegal e Guiné-Conacri. Empatamos a 0 (zero) bolas com a Serra-Leoa, perdemos por duas bolas, frente ao Senegal e vencemos a Guiné-Conacri, por 3 (três) bolas, golos todos da Irlanda. Seguimos na prova como o 2º do grupo nas ½ (meias) finais, uma expressiva derrota ante a Mali por 4 (quatro) nos levou a ficar com o consolo, da disputa do 3º e 4º do torneio. Naquela disputa, Libéria levou de melhor (0-1), fechamos o torneio com o merecido 4º Lugar.Estreamos em grande!
Na sequência, o mundo cedeu palco à pandemia da Covid- 19, o CAN_2020 foi suspenso. E, no processo de vida (…) era preciso preparar a retoma e os seus desafios advenientes. Países pequenos e insulares como é o nosso, precisavam “lustrar as botas”, “aparar as relvas” e “definir estratégias de jogo”.
Torneio UFOA – Ilha do Sal – fevereiro de 2023 – a MONTRA
Entretanto, seria em Cabo Verde, com a nossa Federação como anfitriã, mais precisamente, na ilha do Sal, que daríamos nas vistas na cena do futebol feminino da nossa região. Era um sinal pró mundo, - as meninas tubarões - “nôs é brabu”.
Fomos vice-campeãs do torneio. Tendo perdido a final perante a poderosa seleção do Senegal, por apenas 1 (um) golo, resultante de um penalti duvidoso.
O nosso percurso (quase) imaculado e os resultados do torneio da UFOA (Sal, 2023) colocou-nos elegíveis à disputada das eliminatórias para o CAN_2024.
Da primeira disputa tímida à segunda participação demolidora nas Eliminatórias CAN
Os apuramentos para o CAN_2024 aconteceram durante o ano de 2023. As nossas “tubarões azuis – bebés” contavam com apenas 5 (cinco) anos de existência. O primeiro embate, a duas mãos, entre nós e a seleção da Libéria resultou em 6 - 2, a nosso favor, fruto das vitorias, (3 - 0) no estádio nacional, sucedido por (2 - 3) na Libéria. Seguimos à 2ª eliminatória, força do destino, ou melhor, do sorteio, calhou-nos a suprema poderosa Nigéria. O cômputo dos resultados (7x1), consequência da 1ª mão em Nigéria (5-0) e a 2ª mão no “Baka Arena” (1-2). Caímos de pé, de modo elegante e com classe. Numa primeira participação tímida e discreta.
Este ano, calhou que o processo de apuramento para o CAN_2026, a ser realizado, em Marrocos, coincidiu e bem, com a onda azul dos “tubarões machos” que sacudiram o país e o mundo, com a histórica classificação para uma fase final da Copa do Mundo – “nú sta na copa”. Por isso, “ká nhôs flâm nada”.
Estaríamos a cumprir a 2ª eliminatória para o CAN_26 recebendo em casa, a nossa vizinha da região – a Seleção do Mali.
Relembrar, que, durante março de 2025, na primeira eliminatória, havíamos eliminado a Guiné–Conacri, simplesmente, a campeã do CAN (2008 e 2012) por um conjunto de resultado de (6 – 3).
No auge do nosso “macho-entusiasmo”, as Malianas chegaram e levaram-nos, sem o nosso consentimento, e, no nosso estádio, os 3 (três) preciosos pontos. Perdemos por uma bola a zero, num golo apontado para lá dos 80 minutos de jogo. Saímos do “Baka Arena” todos a mungir “uhhhhhhhhhhh”. Não foi o resultado que queríamos, porém, as meninas apresentaram um bom futebol. O sonho continuava vivo. Até ao apito final em Mali – Bamako.
As Heroínas de Bamako
Partimos para Bamako, Mali, conscientes que só a vitória nos interessava. Mais que isso, sabíamos que precisaríamos de uma “vitória-qualificada”. Pelos critérios da CAF de desempate, apenas um diferencial de 2 (dois) golos, nos levaria àglória.
As nossas meninas “Tubarões Azuis” demoliram as nossas vizinhas, num jogo surpreendente. Magnifico! Histórico! Yes, We did it!
Conseguimos! Ganharam ELAS. Ganhamos NÓS! Ganhou o esforço de homens e mulheres do futebol feminino Cabo-verdiano.
Celebramos hoje com orgulho e esperança, porém, reconhecemos, honramos e integramos os esforços de outras gerações que também trabalharam para este propósito.
Deve ser bandeira das gerações presentes entregarem às gerações futuras um Cabo Verde onde meninos e meninas possam ser LIVRES, SONHADORES, TRABALHADORES e VENCEDORES.
As Tubarões AZUIS, também são BODONAS.
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