Juary foi o introdutor do Jiu-Jitsu em Cabo Verde. Formado em Educação Física no Brasil, conheceu a modalidade durante a faculdade, onde iniciou a prática com colegas de curso. O percurso como atleta foi interrompido por uma lesão grave na cervical, sofrida durante um treino, que o deixou durante 13 anos com dores intensas e limitações físicas. “Cheguei a ficar com os braços paralisados e com formigueiros nas pernas”, recorda em entrevista ao Expresso das Ilhas. Só anos mais tarde, já em Cabo Verde, um osteopata português conseguiu recolocar a vértebra deslocada.
Apesar da lesão, Juary manteve-se activo enquanto professor. Regressou ao país em Dezembro de 2009 e, logo em Janeiro de 2010, abriu a primeira turma no Gimno Desportivo Vavá Duarte, com aulas às 22h00 — o único horário disponível num espaço partilhado com karaté, aikido e boxe.
Desafios e dificuldades
A escolha daquele horário foi o primeiro de uma longa lista de desafios.
A evolução da modalidade tem sido marcada por grande instabilidade. O encerramento do Gimno para obras levou o professor à Boa Vista, onde ficou algum tempo sem leccionar. Em 2014 regressou à Praia e reiniciou as aulas no Liceu Domingos Ramos, onde trabalhava diariamente a montar e desmontar uma sala de aula para criar um espaço de treino. A rotina prolongou-se por dois anos, até que os tatamis foram retirados pela escola de judo que os utilizava.
Seguiu-se uma curta passagem por uma academia na Achada de Santo António, interrompida pela baixa adesão.
O regresso pós-pandemia foi também instável. Uma nova tentativa surgiu na escola do Palmarejo, onde existia uma cave com tatamis, mas o espaço estava degradado. Ainda assim, Juary decidiu avançar e fez obras de melhoria para garantir condições mínimas.
O projecto recebeu um apoio decisivo quando a Câmara Municipal da Praia cedeu 24 tatamis para a escola. Com esse material, abriu uma academia próxima do Campus da Justiça, mas o valor do aluguer – 50 mil escudos mensais – tornou o espaço financeiramente insustentável.
Actualmente, a escola voltou ao Liceu Domingos Ramos, onde permanece, com planos de mudança para um novo espaço no Palmarejo a partir de Janeiro.
Praia, São Vicente e Sal
Apesar das oscilações, a escola da Praia tornou-se a principal referência do Jiu-Jitsu nacional. Existem grupos activos em São Vicente e na ilha do Sal, embora ainda sem estrutura federativa. A criação de uma federação é, segundo Juary, uma ambição urgente para garantir organização, representatividade e maior visibilidade da modalidade.
Foi neste cenário de limitações logísticas e ausência de apoio institucional estável que surgiu o primeiro grande resultado desportivo. A medalha conquistada por William Lima num torneio em Portugal representa, para o grupo, a confirmação de que é possível competir internacionalmente com qualidade. “Muita gente ainda tem preconceitos sobre o Jiu-Jitsu, porque associa a modalidade àquilo que vê no MMA. Mas o Jiu-Jitsu desportivo é outra realidade”, sublinha o professor.

A equipa tem agora outra atleta em competição internacional. Cássia Lopes, 28 anos, encontra-se em Abu Dhabi para disputar o Campeonato Mundial de Jiu-Jitsu na categoria adulta, faixa roxa, peso 70 kg. A preparação foi condicionada pela recusa inicial do visto, que impediu a atleta de realizar um estágio de polimento em Portugal. O visto só foi concedido no dia da viagem, obrigando a um percurso longo: Praia – Marrocos – Egipto – Qatar – Dubai – Abu Dhabi. Ainda assim, Juary acredita que Cássia chega com capacidade para competir ao mais alto nível.
A partir dos 3 anos
A escola recebe actualmente praticantes dos 3 aos 36 anos. As crianças mais pequenas trabalham sobretudo coordenação, equilíbrio e jogos pedagógicos, enquanto a prática técnica se intensifica a partir dos 6 anos. As graduações seguem o padrão internacional: graus atribuídos a cada 30 aulas na faixa branca e a cada 60 aulas nas faixas seguintes, com progressão de branca para azul, violeta, castanho e preto.
Para Juary, o caminho tem sido difícil, mas a primeira medalha internacional e a presença de atletas cabo-verdianos em competições de topo mostram que o trabalho começa a dar frutos. “Agora que já conseguimos resultados, queremos crescer, atrair mais praticantes e estruturar a modalidade. O país tem talento e potencial”, conclui.
O Jiu-Jitsu cabo-verdiano avança, assim, entre limitações, mas apoiado numa base que resiste há mais de uma década. Com novos espaços previstos e o objectivo de criar uma federação nacional, a modalidade dá sinais de que poderá vir a conquistar um lugar mais sólido no panorama desportivo do arquipélago.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1251 de 19 de Novembro de 2025.
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