Roubo é roubo, mas até agora a prática de furtar energia eléctrica era vista, legalmente, com leveza e as normas perdiam-se no meio de uma legislação que não permitia a “criminalização efectiva” do delito. Agora isso poderá mudar. A proposta de lei que estabelece o Regime Jurídico do combate ao furto e fraude de energia eléctrica já foi elaborada e submetida ao Parlamento.
A legislação vigente qualifica o roubo de energia de uma forma que não permite uma “criminalização efectiva”, destacou ministro do Turismo, Indústria e Energia, Humberto Brito, na inauguração da subestação eléctrica de Monte Vaca, nos arredores da Cidade da Praia, no passado dia 10 de Maio.
Assim, face a um problema que há muito se arrasta, acarretando enormes prejuízos para a Electra, para o país e para os cidadãos cumpridores, foi elaborada um nova proposta de lei, que passa por prisão efectiva e coimas, assim como pela alteração do Código Penal em matéria de punição.
A proposta, que já submetida à Assembleia Nacional, institui ainda, conforme o seu sumário, “medidas de fiscalização do sistema de fornecimento de energia eléctrica em residências, empresas e outras instalações físicas”.
De acordo com dados da Direcção-Geral de Energia, o furto e a fraude de energia no país “têm aumentado de forma persistente”, e uma nova legislação é prioritária para melhorar a qualidade do serviço de fornecimento.
Com as medidas contempladas no diploma, espera-se por exemplo, reduzir os “apagões”, uma vez que um número significativo destas ocorrências está relacionado “com intervenções indevidas, ou não autorizadas na rede de distribuição”, lê-se na Exposição de Motivos que introduz a lei.
Dar luta ao consumo ilegal, não é novidade. Em Outubro foi criado um Decreto-Lei (n.ª30/2008), mas este não teve o resultado pretendido, “pelo que urge pensar outros, caminhos mais eficazes e eficientes”.
“A actual moldura penal é branda se fizermos uma comparação proporcional em relação à repercussão social e económica da continuação da prática de acto fraudulento,” lê-se. “Assim sendo, propõe-se alterar esta disposição penal agravando a sua punição, o que constituirá um elemento desencorajador e dissuasor, conferindo punição exemplar ao agente da conduta desviante.”
O que diz a nova lei
A nova lei vem essencialmente tipificar algumas condutas como crimes, deixando outros actos menos graves como contra-ordenações. Entre essas condutas encontramos exemplos como “estabelecer ligações à rede pública de distribuição”, vender ou ceder a energia a terceiros ou utilizar energia não registada nos contadores.
Em termos de fiscalização, esta poderá ser feita pela concessionária, sub-concessionária ou entidades creditadas e licenciadas para o efeito. Caso sejam constatadas irregularidades, será lavrado um auto, que será enviado para o Ministério Público ou para a Direcção-Geral de Energia.
Furto punível com pena de prisão
Furtar energia dá direito a cadeia. Seja para consumo próprio ou de terceiros, quem efectuar ligações ilegais e/ou utilizar energia não registada nos contadores é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. Quem, por seu lado, consumir energia conseguida dessa forma é punido com pena de 1 a 3 anos.
Na secção de crimes são ainda alterados alguns artigos do Código Penal, nomeadamente o artigo que diz respeito à burla de energia (215º). Agora, quem, “no intuito de obter vantagem patrimonial ilícita para si ou para terceiro, viciar o registo ou proceder à alteração das indicações constantes dos instrumentos ou aparelhos de medição e valores relativos ao fornecimento de energia eléctrica, água, telefone ou qualquer outro elemento, energia ou fluídos, é punido com pena de prisão até 3 anos, ou pena de multa até 500 dias.”
Os funcionários da concessionaria e afins terão penas agravadas, assim como os funcionários públicos.
Multa ou dissolução para empresas
Às pessoas colectivas ou equiparadas que cometam o crime de furto de energia será aplicada a pena de multa ou dissolução. Em caso de multa, a pena é fixada em dias, no mínimo 100 e no máximo 900. A cada dia corresponde uma quantia que varia entre os 300$00 e os 80.000$00.
“A pena de dissolução é aplicada quando os fundadores da pessoa colectiva ou sociedade tenham tido a intenção de, por meio dela, praticar” o furto de energia, ou quando a prática reiterada de tais crimes mostre que empresa ou afim está a ser usada para esse efeito.
O furto de energia, o crime de burla e de dano são crimes de natureza pública e poderão ser denunciados por qualquer pessoa. Além disso, o julgamento destes crimes “observa a tramitação do Processo Abreviado”.
Penas que não excedam os dois anos de prisão poderão ser suspensas, caso sejam estabelecidos certos compromissos entre os quais o de “celebrar de imediato um contrato de fornecimento de energia”.
Contra-ordenações podem chegar aos 2 mil contos
Viciar contadores, quebrar selos de segurança, modificar as instalações de energia, vender ou ceder a terceiros, aumentar a carga, ou utilizar energia eléctrica para fins diferentes dos estabelecidos nos contratos são motivos de contra-ordenação. No caso de pessoas singulares, a coima é entre 20 e dois mil contos, caso se trate de “pessoa colectiva ou equiparada” os valores sobem a entre 100 a 10 mil contos. As coimas serão o dobro, em caso de reincidência.
Fica também estabelecido no diploma que a “instrução do processo de contra-ordenação é da competência dos serviços da Direcção Geral de Energia” e que compete ao Director-geral a aplicação das mesmas.
O montante das coimas reverte: 40% para o Estado, 40% para a entidade que instrui os processos e 20% para o denunciante da contra-ordenação.
O penúltimo capítulo é destinado às medidas de prevenção, cabendo à Electra desenvolver “programas permanentes visando eliminar ou minimizar a ocorrência de fraude e furto de energia eléctrica”. Entre outras medidas, destacam-se, por exemplo, a terciarização dos serviços de inspecção, cobrança e corte de energia, e adopção de outros materiais /instrumentos mais eficazes. Nesta área fala-se ainda da adopção de contadores pré-pagos e outros meios tecnicamente mais sofisticados como a telecontagem. A concessionária deve ainda melhorar a sua imagem junto ao público.
Está também estipulada a contribuição da Inspecção Geral das Actividades Económicas e da Polícia Nacional que “devem criar um plano de combate ao furto e fraude de energia eléctrica”, em estabelecimentos comerciais e outros casos de ligações clandestinas.
Contratos em casas clandestinas
A lei contempla também a introdução de uma tarifa social, destinada a consumidores singulares de baixa renda que comprem energia para consumo próprio.
O diploma autoriza ainda a concessionaria “a celebrar, até 31 de Dezembro de 2015, contratos de fornecimento de energia eléctrica com os proprietários de moradias não inscritas na matriz predial e sitas em áreas não abrangidas por um dos planos urbanísticos aprovados.”
O respectivo município deve ser notificado da celebração destes contratos.
O documento prevê que após a sua entrada em vigor seja concedido um prazo de 90 dias para que os indivíduos em situação irregular de consumo regularizem o fornecimento, “sem qualquer consequência criminal ou contra-ordenacional, ou pagamento do valor da energia irregularmente consumida”. A concessionária deve dar resposta às solicitações de instalação de contadores no prazo máximo de 45 dias após o pedido.
Será ainda criado um cadastro de infracções e o Estado compromete-se a envidar esforços para a criação ou afectação de um juízo especializado para julgamento de furto e fraude de energia.