Desde 2010 que o petróleo não estava tão barato. Desde Julho que o preço do barril de crude não pára de descer. Em quatro meses o ouro negro desceu de 115 dólares por barril para cerca de 80 o que está a pôr em causa a estabilidade de alguns regimes políticos mundiais.
O excedente de produção de petróleo está a fazer o preço do 'ouro negro' descer para o nível mais baixo dos últimos quatro anos e a colocar em perigo os orçamentos dos maiores produtores mundiais.
A tendência de descida do preço do petróleo já se notava desde Junho, quando cada barril chegou a ser transaccionado acima de 115 dólares, mas os alarmes soaram quando o valor de referência desceu para quase 80 dólares, colocando em perigo orçamentos de países como a Rússia, a Venezuela, a Guiné Equatorial ou Angola.
"Vocês sabem que os preços da energia caíram, assim como alguns dos nossos produtos tradicionais, por isso, devíamos antes reconsiderar o orçamento e reduzir a despesa", disse o Presidente da Rússia esta semana, citado pela Bloomberg, quando um grupo de activistas de direitos humanos pediu um aumento do financiamento, sinalizando que a preocupação já passou dos economistas para os políticos.
Outro exemplo dos impactos da descida do preço do petróleo e do impacto nas receitas vem de Angola. Esta semana, o Presidente José Eduardo dos Santos anunciou, em plena Assembleia Nacional, que ia adiar a construção de 63 mil salas de aula: "Diante da actual situação económica e financeira difícil e incerta, causada pela queda do preço do petróleo, infelizmente o referido plano já não poderá ser executado em três anos, como nós pretendíamos, mas talvez possa ser executado num período de cinco a dez anos", disse o chefe de Estado de Angola.
Ao contrário de outras situações em que a produção supera as necessidades, desta vez alguns dos maiores produtores, como a Arábia Saudita, resolveram baixar os preços em vez de reduzir a produção, numa luta explícita pelo aumento da quota de mercado, principalmente na Ásia, e num contexto de mudança de paradigma no sector petrolífero.
Os Estados Unidos aumentaram a sua produção por via do petróleo de xisto, chegando praticamente ao nível da Arábia Saudita, o maior produtor mundial, e por causa disso reduziram as importações, nomeadamente de África, fazendo os produtores locais nomeadamente Angola e Nigéria, 'virarem-se' para a Ásia.
Só que também na Ásia, como na Europa, a procura está a abrandar, ao contrário da produção, que continua a subir, e por isso as notícias sobre descontos 'por baixo da mesa' sucedem-se na imprensa financeira internacional, que dá conta de uma guerra mais ou menos explícita pelo aumento da quota de mercado dos maiores produtores mundiais.
Nesta semana, no relatório mensal, a Agência Internacional de Energia confirmou a tendência do mercado e previu que o aumento da procura de petróleo para o total deste ano diminua 250 mil barris por dia para 650 mil barris, o que revela o menor aumento na procura desde 2009.
No relatório, que surge poucos dias depois de o Fundo Monetário Internacional ter revisto em baixa as perspectivas de crescimento para a economia mundial, prevendo uma expansão do PIB mundial de apenas 3,3% neste ano e 3,8% em 2015, os analistas consideram que o consumo deverá crescer, no próximo ano, 1,1 milhões de barris por dia, para 93,53 milhões.
O crescimento da oferta, por seu lado, subiu 910 mil barris por dia em Setembro, para 93,8 milhões, com a produção dos países da OPEP a crescer para o nível mais alto dos últimos 13 meses: 30,66 milhões de barris por dia, mais 415 mil que em Agosto, devido à recuperação da Líbia e ao aumento do fluxo no Iraque.
Traduzindo barris por dólares, isto significa, nas contas do New York Times, que há 200 mil milhões de dólares que não foram para os cofres dos países da OPEP, ficando antes nas mãos dos consumidores dos Estados Unidos, Europa e China, o que até seria vantajoso para o crescimento das economias se os consumidores realmente gastassem esse dinheiro, mas a perspectiva é de que usem esse dinheiro para pagar dívidas ou poupar, conclui o diário norte-americano.
“Conformem-se”, diz a Arábia Saudita
A Arábia Saudita está, de forma discreta, a avisar os agentes do mercado que está «confortável» com a descida do preço do petróleo durante um período prolongado de tempo.
Note-se que esta é uma mudança de política drástica e que pode ter como objectivo desacelerar a expansão de produtores rivais, incluindo os que operam na região do shale gas (petróleo de xisto) nos EUA e em águas ultraprofundas.
Alguns membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), incluindo a Venezuela, estão a pedir um corte urgente na produção para que os preços do petróleo subam novamente acima da barreira dos 100 dólares por barril.
No entanto, a Arábia Saudita passou recentemente uma mensagem diferente em encontros privados com investidores do mercado petrolífero e analistas: o país, maior produtor da OPEP, está disposto a aceitar preços abaixo dos 90 dólares, talvez até abaixo dos 80 dólares, até um ou dois anos, segundo fontes que foram informadas em conversas recentes, noticia a Reuters.
As conversas, algumas das quais ocorreram em Nova Iorque a semana passada, dão um sinal claro de que a Arábia Saudita está a abandonar a velha estratégia de manter os preços do petróleo Brent perto dos 100 dólares por barril, com o objectivo de manter a «fatia de mercado» nos próximos anos.
Angola está confortável
Depois do anuncio feito por José Eduardo dos Santos de que a descida do preço do petróleo iria impedir a conclusão, em três anos, do programa de construção de 63 mil salas de aula, o Governo de Angola veio afirmar que deverá conseguir absorver a descida do preço do petróleo nas últimas semanas devido ao expectável aumento da produção até final do ano e à folga que construiu no primeiro semestre, estima o Banco Português de Investimento (BPI).
De acordo com a nota mensal sobre os mercados africanos, enviada aos investidores e a que a Lusa teve acesso, a equipa de analistas do banco português escreve que, «nos primeiros sete meses do ano, os preços médios do petróleo ficaram bem acima do preço de referência do Orçamento».
O preço de referência usado para o Orçamento foi de 98 dólares, uma «estimativa conservadora na altura», lê-se na nota, que acrescenta que «entre Janeiro e Julho, o preço médio esteve nos 107,4 dólares, o que pode ser suficiente para compensar a tendência de descida verificada no período mais recente».
Por outro lado, sublinham, «é de esperar um aumento da produção de petróleo no resto do ano, o que deve ajudar a compensar a redução nos preços do petróleo», já que a produção desceu de 1,75 milhões de barris por dia nos primeiros sete meses de 2013 para os 1,58 milhões no mesmo período deste ano.
O BPI nota ainda que, para ajudar as contas públicas angolanas, o Governo anunciou um «importante ajustamento aos preços dos combustíveis, compreendendo um aumento de 25% no preço da gasolina e do gasóleo», uma medida que tem sido frequentemente recomendada e que os analistas do banco português dizem, devido ao carácter progressivo, «parecer ser uma estratégia correta, dados os riscos causados pelo impacto na taxa de inflação».
O preço do petróleo nos mercados internacionais tem estado a cair gradualmente nos últimos três meses, mas acentuou a descida nas últimas semanas, chegando a cair 4 dólares só num dia - terça-feira, 14 de Outubro -, para 85 dólares por barril, enquanto em Junho, no seu pico, cada barril de Brent custava 115 dólares.