Agostinho Abade: Os caminhos para o turismo de Cabo Verde diferenciação e promoção

PorJorge Montezinho,13 jul 2015 6:00

Há vinte anos em Cabo Verde, o Grupo Oásis prepara-se para começar 2016 com todos os hotéis num padrão mais elevado, aumentando o patamar de serviço e melhorando em termos de infra-estruturas. Esta quarta-feira, reabre o renovado Praia-Mar, na capital. Seguem-se trabalhos de requalificação no Hotel Porto Grande, no Mindelo, e no Hotel Belo Horizonte, no Sal. Agostinho Abade, chairman da empresa, falou com o Expresso das Ilhas sobre estes planos e também sobre o futuro do turismo em Cabo Verde, que deve assentar em três vectores: menos carga fiscal, mais incentivos ao investimento e promoção.

 

Agostinho Abade criou a cadeira hoteleira, que nasceu em Cabo Verde, junto com outros accionistas e hoje continua a ser o Presidente do Conselho de Administração do grupo. Como investidor surge em Cabo Verde, numa viagem de amigos. Gostaram do arquipélago e deram um primeiro passo na compra de terrenos. Mais tarde adquirem o Hotel Porto Grande (em 1995), um ano e meio depois concorrem à privatização dos hotéis do Estado (Companhia de Fomento que detinha o Belo Horizonte, no Sal, Hotel Xaguate, no Fogo, e Praia-Mar, em Santiago).

Hoje o grupo que tem quatro hotéis em Cabo Verde, Praia-Mar, na Praia, o Porto Grande, no Mindelo, o Belo Horizonte e o Salinas Sea, no Sal, e emprega cerca de 650 trabalhadores. “Estamos agora numa fase de estabilização e há que entrar novamente na senda do crescimento para outros patamares”, diz Agostinho Abade ao Expresso das Ilhas.

A abertura do Salinas Sea, inaugurado no final de 2013, representou um esforço muito grande, um hotel de cinco estrelas, construído de raiz, que teve um investimento superior a 30 milhões de euros. “Foi um investimento muito grande do grupo por isso houve um menor investimento nos outros hotéis. Terminado que foi o Salinas, há cerca de ano e meio, a nossa estratégia para este ano foi melhorar as infra-estruturas dos outros hotéis e [fazer] um esforço na melhoria de serviço”.

O Praia-Mar, onde foram feitas obras profundas de remodelação, tem hoje a sua reabertura, o Porto Grande também já remodelou alguns quartos e vai remodelar o resto até ao final do ano, e dentro de um mês arrancam as obras no Belo Horizonte. A oferta continuará a ser a actual: 850 quartos.

Porquê esta aposta em Cabo Verde? “No investimento há racionalidade, mas houve também muito coração, muita emotividade. Sinto que este é o meu segundo país, um jovem país com 40 anos, onde estou há mais de 20 e por isso sinto-o também como meu. O grupo cresce de Cabo Verde, apesar de sedeado em Portugal, e nesta fase penso que temos contribuído muito para a promoção turística de Cabo Verde, temos algum contributo para o desenvolvimento turístico e cá estamos para continuar”.

Quanto ao futuro do grupo, Agostinho Abade é claro. “Temos de ir necessariamente para a Boa Vista, onde temos dois projectos: um mais pequeno para Sal-Rei e um grande na Praia de Chaves, um hotel com mais de 700 camas. Mas, para isso tem de haver procura, temos de estar financeiramente fortes, temos de encontrar parceiros para crescer, não só em Cabo Verde mas também outros países africanos de língua portuguesa. Quais? Guiné-Bissau, talvez, se houver estabilidade política. Vamos assistir nos próximos anos ao crescimento do grupo de uma forma diferente. Há outras formas: administração de propriedade alheia, exploração de hotéis em arrendamento, investimento imobiliário”.

O mercado. Cabo Verde tem o turismo clássico de sol e mar, no Sal e na Boa Vista, com os all-inclusive a serem a modalidade pilar. Tem algum turismo cultural crescente em São Vicente, trekking (percursos pedestres) em Santo Antão e a Praia tenta posicionar-se num turismo de negócios, eventos e congressos. Em 2014 Cabo Verde teve um ligeiro decréscimo do número de turistas. Isso deveu-se ao menor crescimento dos mercados emissores, mas também a razões internas, na leitura de Agostinho Abade. “Em 2013 houve um conjunto de aumento brutal da carga fiscal [IVA de 6 para 15 por cento e agora nos 15,5 por cento], foi a introdução da taxa turística [2 euros por pessoa/noite] e a manutenção do visto de entrada”. O próprio Banco de Cabo Verde o disse num dos relatórios de Indicadores Económicos e Financeiros: “os impostos são a principal causa para as perdas registadas no turismo”, lia-se.

“Cabo Verde está inserido num destino global e temos de ver que os custos de contexto são muito importantes”, sublinha o Presidente do Conselho de Administração do grupo Oásis. “Cabo Verde é um país que tem de ser abastecido do exterior, os custos alfandegários são altos, os custos logísticos são complicados e tem de se olhar para tudo isto para potenciar o crescimento. Cabo Verde está na casa dos 500 mil turistas/ano, as Canárias aqui próximo têm um volume louco [12 milhões/ano]. O turismo será o sector motor para absorção de postos de trabalho e criação de outros indirectos, pequenas indústrias que se possam desenvolver e integrar no todo. Mas, para isso é preciso que todos em conjunto trabalhemos, desde governo, autarquias, associações empresariais, hoteleiros, operadores turísticos, temos todos de trabalhar para tornar o destino mais atractivo e mais conhecido. Porque somos um destino ainda pouco conhecido”.

Repetidamente, os operadores queixam-se da incapacidade de diálogo das autoridades. Um estudo do Banco Mundial disse mesmo que Cabo Verde depende maioritariamente de um sector, o turismo, onde não é competitivo e ao qual o governo dá pouca atenção. Cabo Verde é o 12º país do mundo mais dependente do turismo. No entanto, o sector está fortemente concentrado em oito grandes hotéis em duas ilhas (Sal e Boa Vista tem mais de 90 por cento das dormidas).

Agostinho Abade tem um discurso menos crítico, mas assume que tem havido alguma instabilidade nos detentores da pasta do turismo, o que não tem favorecido o sector. “Tem havido alguma inércia. De todas as partes. Houve um aparecimento muito rápido de uma forte carga fiscal, que poderia ter sido suavizada. Outro ponto negativo é o estatuto dos benefícios fiscais, que só é atribuído a investimentos superiores a 100 milhões de euros [inicialmente o governo queria dar benefícios a investimentos superiores a 200 milhões de euros, mas depois recuou], uma loucura, quais são os investimentos superiores que há aqui? Veja-se o caso do Mindelo, nunca terá hotéis de centenas de quartos, terá investimentos de 5 milhões, 10 milhões. Isto inibe o crescimento do tipo de turismo que o Mindelo poderia ter, Mindelo e outros sítios. Há que rever claramente o estatuto dos benefícios fiscais, é muito diferenciador e penalizador face aos mercados concorrentes”.

“Nós sabemos que o país tem as suas dificuldades. É um arquipélago, pequeno, com nove vezes mais problemas que outros países, mas tem de haver bom senso. Outro factor que está a prejudicar muito o turismo é a instabilidade da companhia aérea nacional. Por exemplo, a TACV era o principal transportador de turistas de Portugal para Cabo Verde e neste Verão os voos para o Sal estão a vir quase desertos, porque de repente se quis aumentar os preços. Não me cabe comentar a estratégia da empresa, custa-me é ver a penalização que está a acontecer no mercado turístico, que foge para outros destinos”.

Tornar o destino ainda mais atraente, na óptica de Agostinho Abade, passa por outros dois vectores que considera fundamentais: a promoção e a diferenciação. “Uma ideia que defendo há muito é interacção entre turismo e cultura. A cultura pode ser um factor diferenciador do produto turístico. O turista vem para as grandes cadeias internacionais e estar em Cabo Verde, ou estar em Marrocos, ou estar nas Canárias, ou nas Caraíbas, tem sempre as mesmas coisas. Se tiver um factor diferenciador de música, dança, ou outras actividades culturais, dá a conhecer melhor Cabo Verde no mundo e satisfaz mais o turista, isso é um dos factores”.

Além disso, a cultura pode ter outra vertente: eventos que começam a marcar zonas e que têm influência no turismo. “Na cidade da Praia temos já o Kriol Jazz, o Festival da Gamboa, o Atlantic Music Expo. No Mindelo temos o carnaval. Mas, temos todos de arregaçar as mangas e trabalhar em conjunto. Não podemos estar só à espera que seja o governo, ou as autarquias a fazê-lo. Tem de ser em djunta mom”.

A cultura pode ainda ser usada para promover o país, por exemplo? Aproveitar as tournées dos artistas cabo-verdianos pela Europa para mostrar mais o país. “Acho que era muito importante e acho que seria fácil um acordo entre governo, hotéis, companhias de aviação, para uma promoção mais forte. A promoção tem de ser seleccionada, temos de ter países escolhidos. Por exemplo, o eixo Alemanha, Áustria, Suíça era urgente. Portugal recebe 1 por cento dos turistas alemães, quer receber 2 por cento e apostou em campanhas que estão a ter sucesso, apostou na promoção online, apostou em trazer jornalistas alemães a Portugal, porque não pode fazer grandes anúncios nos maiores media desses países porque ficam muito caros”.

Actualmente, os turistas querem mais que sol e mar, querem experiências. Cabo Verde já tem alguns nichos, mas são preciso mais, diz Agostinho Abade. “Temos o nicho do mergulho, do windsurf, da pesca, mas temos de desenvolver outros. Se houver uma boa ligação inter-ilhas, sem os riscos que hoje temos de ir e depois ter dificuldades em voltar, poderá haver turistas que venham por mais tempo, que possam passar uma semana de sol e mar e outra semana a viajar pelas ilhas. Aliás, esse é um fenómeno que regrediu. No início o turismo não era tão massificado e havia uma percentagem maior de turistas que faziam o circuito das ilhas, agora há menos porque não houve progresso para facilitar a circulação. E há nichos de mercado que podem vir a crescer fora do Sal e da Boa Vista. Santiago é também uma boa ilha para o trekking – tem a Serra da Malagueta, tem o Monte Tchota. Tem de se arranjar um turismo histórico: Cidade Velha, Plateau, Tarrafal. Tem de haver imaginação e, sobretudo, segurança”.

“Tem de se definir uma estratégia, ter factores diferenciadores, que nunca serão em termos de preço. O que interessa é que a pessoa venha a Cabo Verde e que mesmo pagando mais 100 ou 200 euros fique satisfeita. Agora, há que limar, tornar os centros urbanos mais atractivos para as pessoas saírem dos hotéis”, conclui Agostinho Abade.

Para o Presidente do Conselho de Administração do Grupo Oásis, Cabo Verde pode atingir um patamar entre 2 milhões e 2,5 milhões de turistas por ano, a partir daí, refere, tem de ser cautelosamente planeado, para evitar rupturas ecológicas e sociais complicadas.

O que país também já sabe é o que aconteceria a Cabo Verde se o turismo desaparecesse. Como explicava o estudo do Banco Mundial, se este cenário se tornasse uma realidade, praticamente metade da economia do país seria dizimada num ápice. Quase todo o transporte aéreo terminaria. A paragem do investimento directo estrangeiro seria quase total. Haveria uma queda dramática no sector privado da actividade económica, com reflexos directos no rendimento per capita dos cabo-verdianos. A balança de pagamentos teria um desequilíbrio abrupto porque seria o fim de 85 por cento das receitas externas. Rapidamente o arquipélago entraria numa crise profunda porque não haveria dinheiro para importar combustível e alimentos em quantidades suficientes.

 

 

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Autoria:Jorge Montezinho,13 jul 2015 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  13 jul 2015 7:49

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