O orçamento preliminar para o desenvolvimento do plano de acção para o cluster dos aeronegócios de Cabo Verde já está definido e tem total de 318 mil contos, mais 125 mil contos para que o Núcleo Operacional para o Cluster do Aeronegócio (NOCAN) possa funcionar nos próximos cinco anos (25 mil contos/ano de orçamento). Este valor de 318 mil contos será repartido por sete macro áreas (transporte aéreo e conectividade 118 mil e quinhentos contos, aeroportos e navegação aérea 75 mil contos, serviços aeroportuários 25 mil contos, actividades complementares 34 mil contos, quadro regulador e liberalização do mercado 53 mil contos, recursos humanos doze mil e quinhentos contos. A área de sinergias com outros clusters ainda não tem qualquer verba afectada.
Estes dados constam no Plano Estratégico para o Cluster dos Aeronegócios de Cabo Verde, desenvolvido pela Leadership Business Consulting e pela Strateg Consulting para o governo de Cabo Verde a que o Expresso das Ilhas teve acesso.
O cluster de aeronegócios tem, segundo o governo, um papel importante a desempenhar para facilitar a diversificação da economia e a realização da agenda de transformação. É um sector muito ligado ao turismo, embora esteja também ligado a outros clusters.
Cabo Verde investiu muitos recursos ao longo da última década em infra-estruturas aeroportuárias. O país dispõe agora de quatro aeroportos internacionais (Sal, Boa Vista, Praia e São Vicente) e três aeroportos nacionais (Fogo, São Nicolau e Maio) e é um dos poucos países da África Subsaariana com um rating de categoria 1 por parte das autoridades de aviação dos Estados Unidos da América. Cabo Verde tem também um espaço aéreo significativo que explica através do fornecimento de serviços de navegação às companhias aéreas. Mas, só isto não chega.
O Plano Estratégico identifica 10 áreas de intervenção prioritárias: transporte aéreo de passageiros e carga, aeroportos, estratégia de hub e de conectividade, navegação aérea, handling, manutenção e reparação aeronáutica, formação, quadro regulador, acordos aéreos e sinergias com outros clusters.
Mas, a maneira mais rápida de analisarmos o cluster do aeronegócio é pegarmos na avaliação SWOT (strengths, weaknesses, opportunities and threats – forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) uma das ferramentas clássicas de análise estratégica.
Em relação aos pontos fortes, o plano estratégico fala do crescimento do PIB cabo-verdiano entre 2004 e 2013, 7 por cento ao ano, apesar de nos últimos anos a média tenha caído para 1,3 por cento. Outro factor positivo é o facto do motor da economia de Cabo Verde ser o turismo (40 por cento do PIB) assente nas excelentes condições meteorológicas, tendo crescido a taxas médias anuais de 15 por cento entre 2009 e 2013, o que teve impacto directo na procura de transporte aéreo. Cabo Verde pertence à CEDEAO, com uma dimensão de 290 milhões de habitantes e 40 por cento do PIB de África e apresenta índices de liberdade económica, segurança de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) e estabilidade das instituições muito acima de outros países da região.
Cabo Verde é igualmente um país elegível a nível do AGOA, mas não tem aproveitado para aumentar as exportações para os Estados Unidos da América. Ainda segundo o documento, está previsto um investimento significativo no sector das pescas (São Vicente e Maio) o que pode alavancar a procura de carga aérea. Para além deste sector não existem outros com idêntico potencial para dinamizar as exportações.
Já no sector da aviação, os pontos fortes apontados são a localização geográfica de Cabo Verde, que faz com que o país esteja ao alcance de um narrow-body (Aeronave de fuselagem estreita como o Boeing 737, o Boeing 757, ou o Airbus 320) a partir da Europa, África Central, América Latina e América do Norte.
O modelo de governação do sector aéreo está bem definido, com atribuições claras, tendo havido uma forte aposta na regulação. Também se encontra já definido o modelo de concessão aeroportuário.
A nível de infra-estruturas aeroportuárias, após os investimentos a realizar a curto prazo, as mesmas terão capacidade para responder à procura prevista.
A nível de liberdades aéreas, Cabo Verde tem 36 acordos bilaterais (a Etiópia tem 90), está prevista a negociação de um acordo de open skies com a Europa. Estes são os lados bons da questão.
Já em relação aos pontos fracos, Cabo Verde é apresentado como um país com um mercado local de reduzida dimensão, estando concentrado na ilha de Santiago (56 por cento). A localização geográfica é periférica na CEDEAO.
O IDE tem vindo a diminuir, com impacto na capacidade turística (Boa Vista está com taxa de ocupação de 83 por cento).
O turismo está actualmente concentrado a nível de operadores (TUI), a nível de mercado emissor (Europa) e nas ilhas do Sal e Boa Vista (75 por cento), continuando o investimento dos próximos anos a privilegiar estas ilhas. Não existe ainda um plano estratégico para o turismo que defina as prioridades futuras.
Cabo Verde não tem melhorado nos índices de competitividade e facilidade de fazer negócios, estando atrás do Senegal, Gana e Nigéria. E as exportações estão concentradas em poucas unidades industriais, essencialmente no sector das pescas (excepto o turismo), sendo o destino principal a Europa.
Em relação ao sector aeronáutico, os pontos negativos apontados são o reduzido crescimento do trafego aéreo nos últimos anos. Os planos directores foram desenvolvidos sem considerar nenhum gateway definido para o país, nem nenhum hub regional. Adicionalmente, o investimento a curto prazo não prevê a dinamização de negócios comerciais.
A experiencia do viajante é influenciada pela necessidade do visto, o qual não é obtido de forma rápida. Verifica-se uma reduzida conectividade global do país por causas como: preço, apenas sete companhias regulares (com horários publicados), apenas três países com mais de sete frequências por semana, 50 por cento da capacidade alocada a Portugal e ao Reino Unido. Apenas 22 por cento da capacidade internacional é oferecida pela TACV.
E o modelo de concessão do negócio aeroportuário está dependente da sua rentabilização, sendo os princípios pouco atractivos para os investidores.
O plano aponta também as oportunidades, começando no mercado global e conectividade, isto porque o mercado africano de transporte aéreo apenas representa 2 por cento do mercado mundial, contudo nos últimos anos cresceu a uma taxa média de anual de 5 por cento, sendo uma das regiões com maior crescimento. O tráfego de carga tem crescido abaixo do de passageiros. Nos próximos 20 anos prevê-se um forte crescimento do tráfego de pessoas e carga. Por outro lado, a conectividade nos últimos anos tem aumentado significativamente: mais 600 rotas intra-África e mais 400 para a Europa.
Há oportunidades também no sector dos aeroportos, uma vez que ainda não existe nenhum hub assumido na África Ocidental, apesar de Lomé ter elevada percentagem de pessoas em transferência e os aeroportos de Dakar, Acra e Lagos estarem a investir para tentar atrair companhias para desenvolverem um modelo de hub.
Em relação às companhias, as oportunidades decorrem dos seguintes factos: o peso das companhias de Low Cost ser ainda reduzido, de algumas companhias africanas e europeias estarem à procura de um hub na região da África Ocidental e de um grande número de companhias aéreas africanas estarem impedidas de voar para a Europa.
Olhando para as ameaças ao mercado global e conectividade, lemos que a dimensão do mercado potencial ainda é reduzido e a maioria do tráfego aéreo em África é intercontinental (42 por cento) sendo dominado por companhias não africanas (58 por cento). O tráfego intra-África apenas representa 22 por cento, sendo dominado por grandes companhias com modelo de hub (Ethiopian, SAA e Kenya Airways).
A instabilidade verificada em alguns países tem afectado o potencial global do continente. A recente crise do ébola também afectou a percepção de segurança. Verifica-se uma reduzida conectividade intra-África (apenas 31 por cento das viagens entre Norte e Sul são realizadas em voos directos), sendo a sub-região da África Ocidental a pior servida (única sem ligação para a Ásia e com a menor conectividade com o Médio Oriente). Adicionalmente 61 por cento das rotas directas têm uma frequência semanal.
Em relação aos aeroportos, verifica-se uma grande concentração do tráfego – 20 aeroportos representam 60 por cento do tráfego – existindo apenas dois aeroportos com tráfego superior a 10 milhões de pessoas (Joanesburgo e Cairo). Não existe nenhum hub de carga.
O número de infra-estruturas aeroportuárias é reduzido face à população. Grande parte deles tem graves problemas de capacidade (mais terminal do que pista), qualidade e segurança. Também a nível de infra-estruturas de carga aérea tem-se verificado algum investimento. No entanto, continuam a existir áreas críticas como por exemplo equipamentos de carga refrigerada.
Já em relação às companhias, as principais ameaças são os elevados custos operacionais (handling mais 50 por cento, fuel mais 20 por cento, leasing mais 30 por cento). As dificuldades que as companhias low cost têm tido em afirmar-se (com excepção de Marrocos) devido ao proteccionismo ainda existente. No entanto, algumas companhias estão a lançar subsidiárias low cost (Jambojet da Kenya Airways, Mango da SAA).
Existe um grande número de companhias em dificuldades financeiras, sendo financiadas pelos respectivos governos o que distorce a concorrência. O preço do transporte aéreo é muito elevado (preço intra-Europa é um terço do intra-África), influenciado pelos custos operacionais e impostos/taxas e pela reduzida concorrência. Na África Ocidental o peso das taxas é em média 50 por cento do preço do bilhete. Além disso, a frota de aviões em África é a mais antiga a nível mundial.
Convém também notar que a África Ocidental só pesa 18 por cento no tráfego total do continente (24 milhões de pessoas) sendo que a Nigéria representa 57 por cento e só mais três países têm um tráfego superior a um milhão de passageiros (Gana, Senegal e Cabo Verde). Por outro lado, a sub-região não tem conseguido impor nenhuma companhia. As companhias da África Ocidental têm uma quota de 7 por cento do tráfego intra-África.
A visão do cluster do aeronegócio cabo-verdiano passa por pilares estratégicos (escala, conectividade e diversificação) e por objectivos estratégicos como aumentar a conectividade internacional e doméstica de Cabo Verde, reduzir o custo de acesso, disponibilizar uma infra-estrutura aeroportuária de topo e rentável, oferecendo serviços aeroportuários eficientes e competitivos, atrair a iniciativa privada como motor de dinamização e diversificação do aeronegócio e promover a produtividade do sector e a criação de empregos de valor acrescentado e assegurar a qualidade técnica dos recursos humanos.
No entanto, são ainda vários os obstáculos identificados para que o cluster se possa desenvolver. As principais barreiras referidas no plano estratégico são: reduzida conectividade aérea, associada à reduzida dimensão do mercado, que também afecta a eventual implementação de um hub, e agravada pela inexistência de uma estratégia de atracção de tráfego; insuficiente alinhamento e coordenação entre stakeholders (parte interessada ou interveniente) dos sectores e com outros sectores; elevado custo de operação devido a taxas aeroportuárias e custo dos serviços de assistência em escala; eficiência operacional da infra-estrutura aeroportuária e dos handlers também afectam a operação das companhias; instabilidade financeira e ineficiências operacionais afectam fortemente a principal companhia aérea do país; falta de certificação internacional de alguns operadores (ISAGO, EASA); inexistência de regulamentação em algumas áreas (formação, aviação recreativa, duty-free, etc.) que permita o desenvolvimento da actividade; e investimentos em curso na capacidade aeroportuária vêm suprir algumas lacunas, mas irão manter-se algumas limitações.
Mário Paixão, coordenador do Núcleo Operacional do Cluster do Aeronegócio, numa entrevista ao Portal da Liderança, resumiu assim os principais desafios do cluster do aeronegócio: “aproveitar e potenciar as vantagens da localização geoestratégica do arquipélago, o que pressupõe provar a sua utilidade e estar entre os melhores; ultrapassar as dificuldades inerentes a um mercado endógeno pequeno, situado na periferia dos grandes mercados (CE e CEDEAO); ter capacidade operacional, isto é, saltar da teoria para a prática; aprender com o sucesso e as boas práticas dos outros, adaptando-os à realidade local; ganhar a aposta do desenvolvimento do capital humano; e criar uma boa base logística e uma cultura de sucesso centrada em resultados”.