Offshore outsourcing: Exportar serviços, criar emprego

PorNuno Andrade Ferreira,29 out 2016 6:00

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Cabo Verde já exporta serviços internacionais de atendimento ao cliente a partir do arquipélago. A aposta foi feita por investidores privados, numa empresa com sede em São Vicente. Victor Santos, sócio-gerente da Alfa Systems, a operar no sector desde 2015, acredita no potencial da aposta e na oportunidade que representa para o país. Pede, contudo, mais atenção das autoridades, em particular, na formação em línguas estrangeiras. 

 

A que se deve a aposta neste sector?

Há mais ou menos dois anos, numa viagem para os Estados Unidos, estive à conversa com o ex-embaixador dos Estados Unidos e falámos que seria interessante fazer ‘outsource’ aqui em Cabo Verde, em São Vicente. Fiz uma pesquisa de mercado e, um mês e meio depois, voltei e a ideia surgiu. Na época, entregámos uma proposta ao governo para criar entre quinhentos a setecentos postos de trabalho. Até agora, não tivemos qualquer feedback positivo. Como não podíamos ficar à espera, decidimos avançar. Começámos a procurar jovens que falassem inglês. Recebemos mais de trezentas candidaturas. A empresa que é a nossa parceira disse que queriam começar com quatro intérpretes crioulo/inglês. Demos uma formação e começámos o serviço. Um mês e meio depois disseram que queriam português. Eu disse, “sem problema”. O serviço estava bom e começámos também com espanhol. Também queriam francês e wolof. Então, fomos buscar profissionais ao Senegal. Hoje, já temos trinta pessoas a prestar o serviço.

 

Vocês trabalham com uma empresa nos Estados Unidos. Em que área?

Na área de línguas. Intérprete, tradução, esse tipo de serviços.

 

Este é o serviço que o vosso call center presta neste momento, mas não têm que ter apenas um cliente. Um mesmo espaço físico pode prestar serviços a diversas empresas.

Correcto. Neste momento não temos exclusividade com a empresa nos Estados Unidos. Estamos abertos a outras empresas.

 

Além de tradução, também operam na área da contabilidade, com a mesma empresa norte-americana.

A empresa Akorby tem um departamento de contabilidade e queriam ajuda para fazer alguns trabalhos nesta área. Então perguntaram-nos se tínhamos alguém para fazer o trabalho aqui em Cabo Verde. Dissemos que sim. Daí, começámos a prestar o serviço. Temos acesso aos ficheiros através do servidor, via internet.

 

Panorama 3.0, da Rádio Morabeza, com a entrevista a Victor Santos e reportagem na sede da Alfa Systems 


De que forma é que Cabo Verde pode ser competitivo neste sector, principalmente quando conhecemos Índia e Filipinas como os grandes gigantes mundiais na área?

O governo deve ter um plano para dar formação aos jovens. Formação que pode, no futuro, dar emprego. A proposta que foi feita vai no sentido de que a formação em línguas é importante. Já tive vários postos de trabalho que não consegui preencher por não encontrar pessoas qualificadas para fazer o trabalho. A empresa à qual prestamos serviço diz sempre que temos que ter pessoas qualificadas. Mas estão felizes com o serviço que prestamos.

 

Esse é o ponto-chave: ter pessoas preparadas para responder às oportunidades que surgem.

Sim. Primeiro há que dar formação para qualificar as pessoas para os postos de trabalho.

 

Vocês empregam mais de 30 pessoas prevêem chegar às 40 muito brevemente. Há margem para continuar a crescer?

Há sim. A ideia é crescer muito mais.

 

Está satisfeito com os resultados que conseguiu alcançar neste ano e meio?

Sim e não.

 

Explique-me…

Sim, porque conseguimos chegar onde estamos, mas não conseguimos abraçar muitas oportunidades por não termos pessoas qualificadas para os postos de trabalho. Por exemplo, eles dizem: tens duas semanas para arranjar cinco pessoas para determinado posto e, no fim, consigo apenas uma ou duas. O resto vai para outro lugar. Estamos sempre a competir com outros países. Por exemplo, há umas semanas atrás surgiu a oportunidade de mais 50 postos de trabalho. Mas a empresa queria pessoas qualificadas em inglês e espanhol. Eu disse-lhes que, por enquanto, não seria possível arranjar tanta gente. É necessário haver formação.

 

De que forma é que o Governo poderia intervir para ajudar este negócio a crescer?

Há quatro ou cinco anos atrás, o Governo trouxe uma lei que dizia que as empresas exportadoras de serviços, como nós, tinham benefícios fiscais. Ainda estamos à espera. Eu disse ao nosso contabilista que não posso ser prejudicado porque alguém no Governo ainda não decidiu implementar a lei. Estou constantemente a tentar conseguir os benefícios a que a lei diz que tenho direito.

 

Para todos os efeitos, são uma empresa exportadora.

Já tive um caso em que me disseram que qualquer serviço prestado no território nacional paga IVA. Recentemente disseram-me que está isento, mas continuo a paga-lo. Tenho a certeza que um dia chegam lá.

 

Este tipo de burocracias e contradições atrasa a captação de investimentos para o país?

Posso falar da nossa empresa. Quando fazemos as nossas contas e uma parte tem de ir para o Estado, o preço tem que se ajustar. Se eu tenho que dar, dou, mas se a lei diz que não, já fico mais competitivo.

 

O vosso serviço depende da internet. Têm tido cooperação por parte das operadoras?

Sim. A CV Telecom e a Unitel T+ prestam um bom serviço. O serviço não é barato, comparado com outras partes do mundo. Pagamos mais de cem mil escudos de internet, todos os meses.

 

Têm garantia de estabilidade e qualidade do serviço?

Não há garantias. Nós utilizamos os dois serviços. Quando um não funciona, temos o outro.

 

Quais são os vossos projectos a médio prazo? Já sabemos que em breve vão mudar de instalações.

Crescer. Espero conseguir chegar às 250 pessoas. Quando falamos com o nosso parceiro, ele sempre nos diz: trinta pessoas é um número pequeno. Diz-nos que temos que chegar, pelo menos, às 200, 250 ou mais. Mas não temos pessoas qualificadas para contratar.

 

Num país onde há tanto desemprego e tantos jovens licenciados sem emprego.

Cada pessoa forma-se na área que quer. Nós temos sempres postos de trabalho disponíveis, mas exigimos qualidade de serviço. Temos muito cuidado com as pessoas que colocamos a trabalhar, porque assim que demostramos que conseguimos fazer um bom trabalho, solicitam-nos mais serviços.

 

Acredita que há aqui um nicho de mercado que deve ser explorado, não só pela Alfa Systems, como por outras empresas?

Há sim. Nós escolhemos São Vicente, talvez porque tenho mais ligação com a ilha, mas o crioulo de São Vicente dá possibilidade de aprender outras línguas. Por exemplo, na Praia, quando falam inglês, não é o melhor devido ao sotaque.

 

Se lhe pedisse para identificar o principal constrangimento que enfrenta…

É mesmo a área das línguas.

 

E havendo uma resposta a esse problema, a vossa empresa, o sector e a criação de postos de trabalho podem crescer exponencialmente…

Sim, podem

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do  nº 778 de 26 de Outubro de 2016.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,29 out 2016 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  31 out 2016 9:08

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