Jorge Maurício: «O objectivo é uma concessão com um parceiro comercialmente forte»

PorNuno Andrade Ferreira,2 set 2017 6:23

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Presidente da ENAPOR estabelece desafios do sector portuário num país que quer ser uma referência regional. Cabo Verde depende do mar. Nessa relação entre terra e o oceano, a ENAPOR é, há 35 anos, um intermediário fundamental. Uma das maiores empresas do país, com presença de Santo Antão à Brava, a ENAPOR garante a operacionalidade da rede nacional de portos, estruturas fundamentais para o transporte de mercadorias e passageiros entre as ilhas e imprescindíveis na ligação do arquipélago ao mundo. Mais recentemente, os portos tornaram-se elementos centrais na estratégia de internacionalização da economia. O país quer atrair os grandes navios de cruzeiro e concorre com outros portos da região pelo transbordo de contentores. O sector portuário é dinâmico e obriga a investimentos constantes. Depois das infra-estruturas, seguem-se os equipamentos.

 

 

 

Jorge Maurício, apesar do desenvolvimento da actividade portuária em Cabo Verde, o país não está sozinho no mundo. Aqui perto temos Dakar, que é um porto importante, temos as Canárias, como uma estratégia em muitos aspectos semelhante à nossa. Em que posição é que isto nos deixa?

Esta é uma questão interessante. Se repararmos, todos os portos dizem que estão no centro do mundo, “nós estamos melhor localizados”.

 

Ou não fosse o  mundo redondo...

Exactamente. Cabo Verde também pensa assim e isso não é mau. Nós temos dois concorrentes directos, temos que dizê-lo, analisá-lo de frente e trabalhar para sermos melhores. Temos o porto de Dakar, aqui mesmo ao lado, no Senegal, e temos os portos das ilhas Canárias, mais a Norte. São os nossos concorrentes directos e nós temos que ser diferentes. Como é que poderemos ser diferentes? Duas coisas: qualidade de serviço aliada à infra-estrutura. Sem infra-estrutura, não conseguimos ter qualidade de serviço e preços competitivos. Portanto, temos que trabalhar para ter preços muito competitivos, porque a nossa região tem condições que outros países não têm.

 

Quais são as nossas vantagens?

A nossa principal vantagem é estarmos próximos de Europa, África, Brasil e Estados Unidos. Do lado do continente americano é importante ver que com o alargamento do canal de Panamá, a nossa zona de influência torna-se muito mais apetecível, há muito mais navios a circular no Atlântico. Sentimos alguma retoma na Europa, em África, com a paz no continente. Esperamos que seja também retomada  a dinâmica  económica no Brasil e nos Estados Unidos. Portanto, Europa, EUA, Brasil e todos os países de língua portuguesa, principalmente Angola, permitem-nos ter uma zona de influência bastante razoável. Agora, nós temos que ser diferentes na qualidade e no preço do serviço.

 

E o que é preciso fazer para melhorar a qualidade e baixar o preço?

Nos últimos anos, já fizemos grandes  investimentos em infra-estruturas, mais de 300 milhões de euros, de Santo Antão à Brava. Criámos uma rede de facilidades portuárias, criámos uma rede de rampas roll-on/roll-off (ro-ro), melhorámos a profundidade em vários portos. Neste momento, já concluímos a segunda fase das obras do porto da Palmeira, concluímos  as obras do porto da Boa Vista, vamos lançar brevemente o concurso para as obras de expansão e requalificação do porto do Maio – os documentos já estão praticamente concluídos – que também vai ter duas rampas ro-ro. Investimos na facilidade portuária, falta-nos  uma parte importante que é toda  a superestrutura. Os equipamentos são importantíssimos. Equipamen-to apropriado.

 

Olhando para o tráfego internacional, que carências identificaria? O que é prioritário para que Cabo Verde possa potenciar a sua posição e concretizar a sua estratégia de internacionalização dos portos?

No transbordo de contentores são precisas, claramente, infra-estruturas adequadas que ainda não temos. Temos o que é razoável. Pensar numa escala já industrial, que é ter fundos de -15, -16 ou -17 metros e ter equipamentos de terra, pórticos de terra, para facilitar  a movimentação de contentores com uma produtividade média de 30 ou 35 unidades/hora.

 

Neste momento, qual é a média de unidades/hora, por exemplo, no Porto Grande? 

Temos uma média entre 12 a 15 unidades/hora.

 

Temos mais do que duplicar essa capacidade...

Mais do que duplicar, com equipamentos apropriados e em terra. Neste momento, a actividade de operação de contentores é feita com gruas que estão a bordo dos navios e naturalmente não conseguimos ter uma produtividade ideal. Mas neste aspecto também não chega termos infra-estruturas, é preciso um parceiro comercialmente forte.

 

Ninguém faz um investimento se não tiver um parceiro identificado.

Está fora de questão. É fazer e não ter sucesso. A combinação perfeita é ter investimentos numa parceria público-privada, com bons investimentos em infra-estruturas, e ter um parceiro comercialmente forte. Comercialmente forte significa o quê? Ser um global career com cargas ou uma rede internacional de operadores de terminais, vários operadores internacionais que conseguem colocar mais um terminal na rede. A carga não é nossa, é numa carga volátil, alguém tem que ser dono da carga e esse alguém tem que ter interesses no terminal para garantir a sua viabilidade, caso contrario, não faz sentido. Alguns dizem: “isso é para quando?”. É para todos os dias, devemos ter sempre essa ideia, devemos vender esta ideia, devemos ter o projecto pronto.

 

É possível relacionar isto com a concessão dos portos?

Sim, é possível concessionar as infra-estruturas actuais e também desenvolver actividade de transbordo. As infra-estruturas actuais também servem para abastecer o país e fazer o escoamento de algum produto acabado das nossas actividades, principalmente a nível de cabotagem, porque o mercado interno também precisa do escoamento dos seus produtos. É preciso um sistema de transporte fiável e o porto também tem essa missão. A nossa visão de negócio é que cuidemos não apenas da operação portuária mas também da parte da produção, porque quem produz é também cliente do porto.

 

Qual é a posição do presidente da ENAPOR em relação à concessão?

Eu sou favorável à concessão dos serviços de mercadorias, sou um pro-privado. Entendo que a actividade privada gera mais recursos e faz investimentos que geram mais empregos. Ideologicamente, esta é a minha forma de pensar e de ver as coisas. Não defendo que o privado seja melhor gestor. Defendo é que no privado há mais dinâmica de fazer negócio, de produzir, mais agilidade nos processos e isso contribui para gerar mais rendimento e mais empregos. Em relação à concessão dos portos, defendemos, e pessoalmente defendo, que a concessão dos serviços, numa primeira fase ligados à mercadoria, traz benefícios porque há parcerias. O win-win situation acaba por gerar melhores condições. Quem pensa que sozinho consegue fazer tudo, não consegue. Parcerias com privados para fazer o serviço ligado à mercadoria geram, com certeza, mais benefícios. O objectivo é uma concessão com um parceiro comercialmente forte que tenha cargas e que consiga aumentar o negócio portuário em Cabo Verde pela via do transbordo, por exemplo.

 

Que tenha a capacidade de fazer os tais investimentos em equipamentos, como dizia há pouco.

Se não houve esse pressuposto isto significa o quê? Que não vai haver garantia de sucesso das empresas concessionadas e concedentes. Não vai haver melhoria para os clientes, nem para o mercado. Isto tendencialmente vai fazer o quê? Se calhar, agravar o preço ou os preços nos serviços portuários. Não é esse o objectivo.

 

Isso faria perder competitividade.

Totalmente e vai exactamente contra aquilo que defendemos a nível da nossa região: sermos competitivos pela via da qualidade do serviço e pela via do preço.

 

A concessão só faz sentido se contribuir para melhorar a oferta de serviços e induzir tráfego?

Exactamente, caso contrário não tem sentido. Repassar por repassar não traz vantagens para o país, para os clientes, para o mercado e para as duas empresas, a concessionária e a concedente. Se não traz vantagens objectivas, então para quê? 

 

Que papel ficará reservado à ENAPOR num cenário de concessão?

A ENAPOR, como sabe, tem neste momento três funções fortes. É autoridade nacional, operador portuário e concessionária geral. Se nós deixarmos de ser operadores portuários, passamos a especializar a nossa actividade enquanto autoridade portuária. As autoridades portuárias, em toda a parte do mundo, também têm as suas funções. Devem gerir e fazer as fiscalizações das concessões, regular toda a operação, fazer o equilíbrio entre a concedente e a concessionária, os equilíbrios financeiros necessários, os equilíbrios operacionais e também defender os interesses das partes envolvidas, nomeadamente dos clientes. Para além disso, toda a ofensiva, o marketing comercial também é da conta da autoridade portuária. Cuidar da parte molhada relacionada com navios, segurança, ambiente, acessos, pilotagem, reboque. Não é pouco. Neste momento, temos uma missão muito  alargada e isto permite-nos ter uma estrutura grande. Nove portos, mais de 450 trabalhadores de quadro, mais de 550 estivadores. De forma indirecta, mais de 3000 trabalhadores. Somos uma empresa com um pendor social forte, com uma responsabilidade económica enorme. Temos de ter capacidade de dar resposta em tempo útil a todos os parceiros e propiciar o negócio, não só o negócio portuário mas o negócio de uma forma geral. Temos uma responsabilidade grande no país.

 

E que papel é que pode estar reservado ao Porto Grande? 

É importante falar sobre isso e desmistificar o ruído que tem havido. As pessoas, às vezes, perdem razão e começam a discutir as coisas de forma emocional e numa perspectiva mais populista e bairrista. A nossa responsabilidade é diferente. Cada ilha e cada porto têm a sua vocação dentro do sistema nacional. O Porto Grande, de uma forma muito natural, é o epicentro do negócio marítimo-portuário em Cabo Verde. A estratégia é montada neste sentido. A economia marítima tem o seu epicentro em São Vicente, através do porto de reparação naval, da náutica de recreio, da autoridade marítima, da autoridade de pesca, das escolas ligadas ao mar, a própria indústria pesqueira e conserveira, o centro oceanográfico. Enfim, se repararmos, a nossa economia em São Vicente está montada numa base marítima e portuária. A estratégia, até do próprio governo, é fazer de São Vicente uma zona económica especial marítima. Isto diz tudo: desenvolver São Vicente através de uma zona especial económica marítima é potenciar todo o negócio marítimo e portuário em Cabo Verde. É fazer, de facto, a partir de São Vicente, uma coisa jamais vista em Cabo Verde. O papel do Porto Grande vai ser sempre fulcral. São notórios os investimentos que estão previstos neste sentido. O último investimento no entreposto frigorífico, cais de pesca da Cova da Inglesa, com perspectivas de expansão, o terminal de cruzeiros, o projecto de transhipment de contentores, o projecto de modernização da Cabnave, o projecto de zona económica especial marítima. Isto tudo faz com que existam condições para o porto continuar a exercer bem a sua função e dar corpo à sua vocação de ser o condutor nato da economia em São Vicente. 

 

Num cenário de concessão, a estratégia permanecerá igual?

A concessão só tem ou terá sentido se estiver alinhada nessa estratégia, caso contrário, perde o foco. Não se pode, neste momento, perder o foco. Não nos podemos distrair com coisas menores. Temos que ter o centro e a estratégia bem assentes, bem definidos e alinhar todas as nossas acções e os nossos investimentos na mesma lógica.

 

Olhando para os 35 anos da ENAPOR e tentando perspectivar o que aí vem. De que forma é que acha que este sector e este negócio vão evoluir?

A nós, o futuro reserva-nos, com certeza, mais 35 anos de sucesso, muito trabalho e desafios, mas a base que já construímos e a nossa vontade de fazer bem as coisas, a nossa capacidade de inovar e ultrapassar situações difíceis garantem-nos um futuro risonho. A nível do transporte marítimo, só vislumbramos crescimento. Cada vez há mais comércio internacional, há mais transporte marítimo. Basta ver que no mundo de hoje cerca de 90 a 95% da carga mundial é marítima. Eu costumo dizer às pessoas que não vivemos aqui por instinto. Há programas, planos e projectos bem definidos e isso permite-nos antecipar um bocadinho o futuro e caminhar de forma muito bem orientada, em função daquilo que se passa em Cabo Verde, na nossa sub-região, na Macaronésia e também no mundo. Há 35 anos nós não tínhamos transporte de contentores, não tínhamos navios ro-ro. Fomos, ao longo dos tempos, fazendo as adaptações em função do desenvolvimento do transporte marítimo, do modo de acondicionamento das mercadorias e em função da própria logística portuária. Nós temos um outro desafio que é passar do sistema portuário tradicional para o sistema portuário moderno.

 

E isso significa o quê?

Significa e implica a criação de zonas de logística de mercadorias em todas  as ilhas do país onde temos portos. Tendo zonas específicas para consolidação e ‘desconsolidação’ de mercadorias, estamos a facilitar a actividade portuária. O porto passa a desempenhar melhor o seu papel de passagem. O porto não é um local para guardar mercadorias. É um local de passagem do navio para terra e de terra para o navio. Neste momento, já temos o projecto em curso, o estudo de viabilidade está a ser concluído e vai dar indicações claras. A ideia é as pessoas irem às zonas de logística de mercadorias para fazerem a entrega de mercadoria e também receber as suas mercadorias. O porto será um instrumento de passagem, o que facilita de forma considerável. 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 822 de 30 de Agosto de 2017. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,2 set 2017 6:23

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  4 set 2017 8:29

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