Tecnologia e inovação: Ambiente melhorou, mas ainda está longe do ideal

PorJorge Montezinho,23 set 2017 6:00

A Prime Consulting é uma das primeiras, e mais antigas, empresa cabo-verdiana na área digital. É das poucas que já vendeu para Portugal, além de vários países africanos, e aposta na mobilidade dos colaboradores. Hoje, com quase dez anos, completa-os em Fevereiro do próximo ano, atingiu um ponto de maturidade que lhe permite olhar para o mercado com outra lucidez. O sector da tecnologia e da inovação está muito bem e recomenda-se em vários países do mundo, continua a crescer, mas em Cabo Verde não está a crescer ao ritmo desejado. Apesar do futuro se mostrar optimista, ainda há inúmeros desafios a vencer.

 

“Esta área pode revolucionar o país, mas não tenhamos ilusões”, diz ao Expresso das Ilhas Paulo Martins, CEO da Prime Consulting. “Os grandes desafios? Liquidez, tesouraria, capacidade de investimento. Quando uma empresa se preocupa em pagar os impostos, com o quadro laboral vigente, com os custos de electricidade e comunicações que temos, com as taxas imobiliárias que temos, não é fácil. Mas temos coisas que outros países não têm, se estou chateado posso ir a Kebra Kanela”, ri-se.

Depois de um percurso pelo sector público, pelo NOSi e pelo SISP, Paulo Martins resolveu apostar no sector privado. Fundou a Prime, juntamente com outros sócios também saídos do sector público. A empresa foi registada em Julho de 2007 e iniciou a actividade em Fevereiro de 2008 e tem características que a tornam diferentes das outras empresas. A primeira? Mobilidade. “Todos os nossos colaboradores são livres para escolher onde querem trabalhar, quem quiser estar na Praia está, quem quiser está em São Vicente, quem quiser está no Sal, ou em Lisboa. Temos pessoas há muito tempo na empresa que nem sequer estão em Cabo Verde, há um na Índia, um na Suíça, em Angola, no Brasil. As quinze pessoas da empresa estão espalhadas em vários continentes”.

Quando surge uma encomenda, todo o processo de concepção e desenvolvimento acontece utilizando as ferramentas de colaboração que existem praticamente de borla, como o Google Hangouts ou o Google Applications for Business. “Achamos que é o futuro e se não formos capazes de trabalhar de fora para dentro para resolver um problema local, nunca poderemos trabalhar de dentro para fora para a internacionalização e para ir à procura de outros mercados”.

Além disso, ter colaboradores fora do país dá uma vantagem competitiva à empresa, “tecnicamente, tentamos estar sempre actualizados, e é importante termos estas pessoas lá fora porque estão sempre atentas ao que está a sair”, resume o CEO da Prime.

Entre os projectos desenvolvidos pela Prime estão o LAND (Land Administration Management System), para o MCA, um projecto-piloto para resolver problemas e enfrentar desafios de conseguir um modelo de gestão de propriedades. No turismo, desde 2008 estão a dotar os operadores com ferramentas que lhes permitem estar na economia digital, seja através da promoção, seja das próprias transacções, como reservas de quartos. E estão a desenvolver uma solução para o ISCEE para gerir todo o processo académico, desde a matrícula do aluno até às notas.

“Em Portugal, por exemplo, uma entidade pública que visse o que estamos a fazer, passava um cheque e dizia: façam isto”, diz Paulo Martins. “Porque estamos a criar uma nova geração de gestores. O aluno que entrar no ISCEE vai desde o primeiro dia utilizar um telemóvel para se matricular, para ver as notas, para interagir e está a usar ferramentas que estão a ser usadas no mundo todo, falamos do Google Applications for Education, e quando sair da universidade vai encontrar o Google Applications for Business, que é exactamente o mesmo interface e não fica a olhar para aquilo como se não soubesse nada. Estamos a usar soluções que vão ter um grande impacto nos anos futuros, mas que não têm retorno imediato”.

“Outros países têm financiamentos para viabilizar estes projectos e a Prime só teria de se preocupar em fazer as coisas bem-feitas, mas isso não acontece em Cabo Verde, sabemos isso e temos de viver com isso. Mas termos uma comunidade académica de matemática, ou de física, ou de português, sem fronteiras, em que o aluno utiliza a mesma ferramenta que qualquer aluno em qualquer parte do mundo, é colocar a nossa educação num outro patamar, é romper com modelos, é ou apanhamos o comboio ou não apanhamos o comboio, é passar de servidores fechados numa salinha para modelos na cloud. O importante é que o docente e o aluno estão a tocar ferramentas que no mundo todo são standards. Para que não utilizem só o Facebook, o like ou o dislike. E tem de ser feito com muito cuidado porque se falhar descredibiliza uma série de coisas, o sector da engenharia informática, o sector do IT, a economia digital. Têm de ser dados passos seguros, mas que rompam e permitam obter vitórias rápidas, porque se o gestor, ou o professor, não sentirem logo o impacto positivo, perdemos”, sublinha o CEO da Prime.

O digital não é o futuro, é já o presente. Sobre isso nenhuma dúvida. E Cabo Verde tem a noção que a única forma de conseguir escala de mercado é apostando na tecnologia e na inovação.

Os compromissos assumidos pelo governo passam pelo desenvolvimento de Centros de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I&D+i) com foco nas parcerias público-privadas, reunindo o Estado, as Instituições do Ensino Superior, os Parques Científicos e as Empresas. A promoção da Agência da Ciência e da Tecnologia. A instalação de diversos Parques Tecnológicos e Científicos em áreas como o Mar e a Biodiversidade, a Saúde, o Ambiente, as Energias Alternativas e a Água. Incentivos fiscais na importação de equipamentos e no estímulo à inovação e investigação empresarial em áreas de competitividade internacional.

O governo assume ainda várias acções na área das Ciências, Tecnologia e Inovação, como a avaliação e identificação dos sectores empresariais onde a investigação seja pertinente; elevação da inovação para o topo da política nacional como elemento-chave para a criação de emprego de qualidade e para o crescimento sustentado da produtividade nacional e da competitividade internacional; o incentivo à disseminação da ciência e sua transferência para a criatividade tecnológica; investimentos na formação e na capacitação de técnicos na exploração e manutenção das tecnologias de ponta e na promoção de uma cultura de conservação dos bens e recursos nacionais; adopção de medidas fiscais favoráveis, nomeadamente, isenção de taxas aduaneiras na importação de materiais e equipamentos pelas instituições com regime jurídico de investigação científica e promoção da ciência, bem como, incentivos financeiros para estimular a inovação e a investigação empresarial em áreas de competitividade internacional; criação de uma Agência da Ciência e da Tecnologia; e a instalação de um conjunto de parques científicos e tecnológicos em diversos pontos do território nacional.

Em Julho deste ano, foi lançada a primeira pedra do Parque tecnológico da Achada Grande Frente, na Praia, e dentro de dois anos a primeira fase deverá estar concluída, um centro de negócios, um centro de dados, um centro de incubação de empresas do país, centro de formação e treinamento e um centro cívico. Em Outubro deste ano, está previsto igualmente o lançamento do parque tecnológico e do Data Center de São Vicente. E a ambição, como sublinharam os decisores políticos, é transformar estes espaços tecnológicos em referências regionais de serviços em África.

Mas o percurso da revolução tecnológica em Cabo Verde não tem sido linear. Como resumiu recentemente ao Expresso das Ilhas Aruna Handem, administrador executivo do NOSi, “temos tido uma vantagem, mas não vai durar. Começámos primeiro, mas estamos a estagnar, enquanto os outros países começaram depois e têm feito coisas extraordinárias, Ruanda, Botswana, Tanzânia, etc. A nossa actual posição em África em relação à governação electrónica tem a ver com os ganhos que tivemos no passado, mas além de hoje estarmos parados, estamos a descer e isso é mais preocupante”.

E os dados mostram isso. Cabo Verde ocupa o 84º lugar no índex da conectividade global publicado em 2016 pelo Fórum Económico Mundial e é o 10º país africano no ranking. A pesquisa analisa uma série de categorias, que vão desde o uso das tecnologias por parte dos cidadãos, do governo e do sector privado, passando pela capacidade e prontidão de uso desses mesmos actores, e terminando no ambiente de negócios, no ambiente político e regulatório e nas infra-estruturas. Em cada um dos grupos é feita uma avaliação comparativa com os outros países, dando assim uma visão dos pontos mais fortes e dos mais fracos de cada nação. No fundo, ajudam a preparar os próximos tempos, a dirigir estratégias políticas e opções de fundo.

De acordo com um relatório da Brookings Institution (sedeada em Washington), a Internet pode transformar as economias em desenvolvimento, capacitar o acesso a serviços por parte dos investidores, aumentar a produtividade e escalar a competitividade das empresas, tanto a nível nacional como internacional. Um documento publicado pelo Banco Mundial mostrou de forma inequívoca que a conectividade pode acelerar o crescimento económico nos países em desenvolvimento, quando acompanhada por boas políticas para o desenvolvimento digital. E o Índex Global de Conectividade revela que o investimento nas infra-estruturas TIC tem uma correlação com o dinamismo da economia, a eficiência e a produtividade.

“Qual é a importância da economia digital para Cabo Verde?”, diz Paulo Martins, “é que só precisamos de uma fibra óptica para trazer receitas para o país. Crio uma app, ponho na Amazon, ou desenvolvo um software, ponho na cloud, vendo as licenças e o dinheiro cai aqui nos bancos cabo-verdianos”.

Mas o país enfrenta outros constrangimentos, para além da conectividade. Por exemplo, já teve uma das maiores taxas de penetração de Internet em África, mas actualmente, o arquipélago foi ultrapassado por países como o Quénia, Maurícias, ou Egipto, (como mostram os últimos dados estatísticos da Internet mundial e do Índex de Desenvolvimento da Tecnologia de Informação e Comunicação), apesar de ser ainda o que obtém melhores percentagens quando comparado com os outros PALOP.

Hoje, Cabo Verde é o 11º país africano em termos de percentagem de penetração da Internet – 40.5 por cento. Atrás do Quénia (que lidera com 69.6 por cento), Marrocos (60.6%), Maurícias (60%), Egipto (54.6%), Seychelles (54.3%), África do Sul (52.6%), Nigéria (52%), Senegal (51.9%), Tunísia (49%) e Zimbabué (47.5%).

Mais, em 2012, Cabo Verde era o 6º país africano no ranking do e-government (governação electrónica) das Nações Unidas. No relatório de 2014 Cabo Verde apareceu na 14ª posição entre os países do continente, uma queda de oito lugares. Os problemas detectados no arquipélago pelas inspecções da ONU são sempre os mesmos.

Cabo Verde está longe do objectivo traçado pelo governo há uma década. Em 2005, quando saiu o Plano de Acção para a Governação Electrónica, a meta era clara e vem no documento: conseguir ultrapassar a média mundial no e-Government Readiness Survey das Nações Unidas em cinco anos. Ou seja, em 2010 Cabo Verde deveria ter uma pontuação acima dos 0.41 (a média mundial da altura). Em 2015, Cabo Verde estava nos 0.35, entre os países com uma qualidade média/baixa de governação electrónica. Globalmente ocupava a 127ª posição entre 193 países.

A Governação Electrónica é um processo de modernização da governação baseado na utilização das tecnologias de informação e comunicação que coloca o cidadão e as empresas no centro das atenções, permite maior acesso e qualidade da informação pública, promove a melhoria da prestação e da acessibilidade de serviços públicos, aumenta as oportunidades de participação cívica e democrática, tornando a governação e a Administração Pública mais eficaz e eficiente, mais barata e mais responsabilizada. Simultaneamente, a Governação Electrónica deveria contribuir para o crescimento da economia digital e da sociedade da informação, promovendo o desenvolvimento sustentado e reduzindo níveis de pobreza e desigualdades.

“As coisas acontecem por ciclos”, diz ao Expresso das Ilhas Ângelo Barbosa, administrador executivo da Prime Consulting, “com a entrada do novo governo temos de assumir que haverá um novo ciclo para o NOSi, a questão é se este é o modelo correcto para o novo ciclo. Não quero dar palpites, mas em termos de políticas públicas, se a Prime está a fazer algo de inovador na área da educação, o NOSi devia intervir e dizer: isto é relevante, temos de ajudar a financiar. Se a lógica for esta, e se surgirem empresas, porque não são muitas, para se começar a pôr dinheiro em processos de inovação e desenvolvimento, que levam o seu tempo e custam caro, havemos de ter resultados”.

“Temos de saber investir com inteligência”, continua o CEO da Prime Paulo Martins, “há aqui um novo ciclo e isso é claro. Houve há dias um workshop onde foi dito que é preciso envolver mais o sector privado, mas o como é relevante. Como vamos envolver o sector privado? Um aspecto de reflexão: será que o modelo de contratação pública é aplicável neste ciclo, neste estádio de maturação em que estamos? Ou seja, para construir uma infra-estrutura pública relevante – uma estrada, uma ponte – já há maturidade, mas na área tecnológica…”

“É preciso termos um plano estratégico para a sociedade de informação, mas tem de ser concreto. Por exemplo, sectores, quem está interessado em trabalhar no sector da justiça nos próximos dez anos? Quantos juristas tens na tua empresa? Não tens nenhum e queres trabalhar nesta área? O mesmo para a saúde, a educação, etc. Há um novo ciclo, mas é preciso muito cuidado para que ele não fracasse. É preciso uma visão clara das necessidades e do caminho que se vai percorrer para as suprir, para que cada um se prepare para determinados desafios e a fase da concorrência virá depois, quando tiver 3 ou 4 empresas com boas competências numa determinada área”, resume Paulo Martins. 

“Houve um período, de facto, em que o NOSi se tornou um factor inibidor, perdeu uma janela de oportunidade importante que era de ser um factor facilitador e catalisador e teria dado um grande impulso. Houve uma hesitação nesta janela de 15 anos, que se nota agora uma tendência em sentido contrário e penso que isso vai acelerar o desenvolvimento do sector IT. De qualquer modo, temos um mercado exíguo e com as regras de aquisições públicas e com o domínio do NOSi, o mercado público para aquilo que nós fazemos é quase inexistente”, refere o CEO da Prime.

“Em relação ao sector privado, as grandes empresas têm já por trás parcerias e soluções que vêm de outras companhias e é natural que não arrisquem. Aliado a isto há a questão da maturidade. Hoje a Prime já pode ir bater a qualquer porta e dizer posso fazer isto consigo? Mas há cinco anos não podia. Neste momento penso que as empresas que conseguiram manter-se no mercado vão ter tempos promissores. Todavia, devemos dizer que são difíceis. Não gostava de ter só 15 colaboradores, gostava de ter 150, conheço um cabo-verdiano em Lisboa, que começou um ano depois de nós, já está com 200 colaboradores e ainda me diz que provavelmente precisa de me comprar colaboradores em Cabo Verde porque já não tem mão-de-obra em Portugal. Em 2008/2009 tivemos 70 colaboradores, porque houve um pico, mas se houver condições propícias temos capacidade de liderar 150 ou 200 colaboradores. Mas há um conjunto de factores que inibem isto, a começar pelo quadro laboral. Se eu trago um jovem promissor para a empresa, faço-lhe um estágio de 6 meses, depois tenho de lhe fazer um contracto, não corre bem, tenho de o indemnizar. Ou seja, ainda continua a ser um contexto adverso, estamos cientes, mas começam a acontecer coisas interessantes”, diz Paulo Martins.

Uma das apostas da Prime Consulting é o CoWorking,  conceito, que nasceu nos Estados Unidos da América, e que significa a partilha de espaço e recursos entre profissionais das mais diversas áreas profissionais e acima de tudo partilha de ideias, conhecimento e oportunidades. “Em 2008 não havia espaços de incubação nem de CoWorking, decidimos nós montar este conceito desde o início, tentamos partilhar os escritórios com competências complementares à nossa e de há dois anos a esta parte estamos no mercado a dizer que temos essa oferta. Temos três escritórios na Praia e um em São Vicente, escritórios de CoWorking e nós somos um dos CoWorkers. Isso tem trazido benefícios muito interessantes, este networking”, diz Paulo Martins.

E não são maiores por causa das deficiências estruturais conhecidas. “Uma das coisas fundamentais é a largura de banda. A questão relevante é que não tenho ninguém da Google, ou do Facebook, a virem para esta região trabalhar por 15 dias, como já acontece em Lisboa, ou nos Açores, e isso não acontece porque quando ele se conecta ao WiFi não tem a mesma largura de banda. CoWorking atrai massa cinzenta do mundo todo, se eu estou a fazer CoWorking, eu não tenho de pedir a fibra óptica, alguém tem de dizer: ponham lá a fibra óptica. Há aqui um ecossistema que tem de ser criado e tem de haver facilidades para que isto se concretize”.

Apesar dos constrangimentos e dos desafios, Paulo Martins reitera que se aproximam tempos interessantes. “Na nossa posição, temos de ser sempre optimistas. Se a liderança começa a ter medo de arriscar, deve logo sair. Por isso, temos de acreditar”, conclui o CEO da Prime.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 825 de 20 de Setembro de 2017. 

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Autoria:Jorge Montezinho,23 set 2017 6:00

Editado porLourdes Fortes  em  24 set 2017 10:33

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