Salvar o gado, mobilizar água e garantir emprego são os eixos do programa de emergência

PorChissana Magalhaes,3 nov 2017 14:18

Milhares de pessoas estão a ser afectadas pela falta de chuva que impediu a produção de sequeiro e a produção de pasto foi praticamente insignificante. Também a produção de regadio vai ser severamente afectada. Gilberto Silva, ministro da Agricultura e Ambiente explica as medidas que o governo quer implementar para minorar os efeitos da seca.

 

Acabou por não chover muito este ano. Não se conseguiu prever esta situação?

Não, pelo contrário, as previsões iniciais apontaram para uma probabilidade de início precoce da época das chuvas e precipitação normal a excedentária. Tratou-se da Previsão Pluviométrica Sazonal, que é um exercício estatístico feito sob a coordenação do Centro Africano de Aplicação da Meteorologia para o Desenvolvimento – ACMAD e do Centro Regional de Aplicações em Agrometeorologia e Hidrologia Operacionais – AGRHYMET. As previsões meteorológicas sazonais podem falhar e, para Cabo Verde, foi o que aconteceu este ano. As causas são complexas, para simplificar as explicações técnicas do INMG, diria que a Monção do Sul, massa de ar com nuvens que traz a chuva e que está associada à Zona de Convergência Intertropical, não se deslocou este ano suficientemente a Norte sobre o nosso arquipélago. Mas voltando ainda às previsões pluviométricas sazonais, alguns especialistas cabo-verdianos defendem o desenvolvimento e a utilização de modelos estatísticos mais concisos para o nosso país, pelo que vamos ter de refletir mais profundamente sobre este assunto.

 

Falou da situação meteorológica. Como resume a situação pluviométrica do ano agrícola no país?

Bem, em termos pluviométricos, há a constatar e a lamentar precipitações registadas muitíssimo aquém da média. Veja que no último terço do mês de Julho caíram umas chuvas de intensidade fraca a moderada apenas nas zonas altas das ilhas de Santiago, Sto. Antão e Fogo, bem como nalgumas zonas do litoral, que no início de Agosto caíram chuvas moderadas, mas mal repartidas, beneficiando apenas algumas localidades das ilhas de Sto. Antão e Fogo, que só veio a chover com intensidade variável e praticamente em todas as ilhas quase no final de Agosto e que, em Setembro, mês normalmente mais chuvoso em Cabo Verde, não se registou qualquer precipitação, excetuando-se uma zona no Paul, onde choveu cerca de 15.0 mm. Em Outubro também não choveu. Isto tudo resultou numa importante seca, tanto agrometeorológica, como hidrológica, já que nem sequer houve cheias e recargas dos lençóis freáticos.

 

Qual é neste momento a real situação dos agricultores e criadores de gado, nos diferentes pontos do país?

Bem, na falta de chuvas, não se conseguiu obter a produção agrícola de sequeiro, e a produção de pasto foi praticamente insignificante. Com a falta de recarga das águas subterrâneas e de reserva nos reservatórios superficiais, a produção agrícola de regadio ficou fortemente afectada e a situação vai piorar nos próximos meses. Os agricultores e os criadores de gado ficaram numa situação muito precária. Estima-se em pouco mais de 17.200, as famílias que se tornaram vulneráveis com a seca e falta de produção agrícola e pecuária, representando cerca de 62% da população rural. Devo frisar que a seca e os maus resultados do ano agrícola afectam todas ilhas, é claro que de forma mais severa as ilhas mais agrícolas e com maior população rural.

 

Que medidas já estão a ser implementadas e que outras estão programadas para os próximos tempos? Quanto vai custar este mau ano agrícola aos cofres do Estado?

O Governo vai actuar, tendo como ferramenta o Programa de Emergência para a Mitigação da Seca e do Mau Ano agrícola de 2017/18, que aprovou logo no início de Outubro e publicou no Boletim Oficial. Trata-se de um programa de 10 a 12 meses orçado em quase 800 mil contos, que inclui medidas organizadas em 3 grandes eixos. O primeiro eixo é o salvamento de gado, que integra a importação e colocação de alimentos para o gado no mercado, a redução controlada dos efectivos para salvar os reprodutores e os melhores animais de produção, incluindo feiras de gado, a desparasitação dos animais e outras intervenções veterinárias necessárias, bem como a distribuição de água para o abeberamento de animais nas zonas pastoris, incluindo a construção ou reparação de bebedouros e reservatórios. O segundo eixo constitui o reforço da gestão da água, não só para a rega, como também para o abastecimento da população. Isto inclui, essencialmente, o equipamento de alguns furos para mobilização de mais água, a limpeza de poços, trabalhos de adução de água, o fomento da instalação de mais sistemas de rega gota-a-gota, a interdição da expansão dos perímetros irrigados, as directivas e a sensibilização para o uso racional da água. O terceiro eixo refere-se ao fomento da criação de mais emprego no campo, isto sobretudo através de obras de conservação de solos e água, limpeza nos perímetros florestais, melhoria das acessibilidades, entre outras intervenções. Está-se a trabalhar intensivamente nos detalhes operacionais e territorialização do programa, a concluir esta semana. A sua execução será feita em forte articulação com as câmaras municipais e com as associações e outras organizações da sociedade civil.

 

O plano de emergência, para eventualidade das chuvas falharem, já existia? E há um plano nacional de longo prazo, para enfrentar uma seca de vários anos?

Não existem ainda planos de contingência elaborados especificamente para situações de crise, como a seca, as inundações, o ataque de pragas, o surgimento de doenças e outros choques extremos. São importantes instrumentos de resiliência que, associados a sistemas de alerta precoce, podem ser accionados, dando lugar a planos operacionais específicos. Deixam muita falta a este país, que se está a tornar-se cada vez mais vulnerável perante as mudanças climáticas e eventos extremos a elas associadas, pelo que o Governo, em 2018, vai elaborar e aprovar estes instrumentos.

 

E que parcerias internacionais está a buscar para fazer face aos desafios que o mau ano agrícola trouxe?

A nível externo, a cooperação com os nossos parceiros bilaterais e multilaterais habituais de cooperação para a assistência técnica e financeira, a nível local, a articulação estreita com as câmaras municipais, associações de agricultores e criadores, organizações da sociedade civil e algumas empresas.

 

Até 2020, há quatro milhões de dólares mais (479 mil contos cabo-verdianos) a juntar ao fundo do Programa de Oportunidades Socioeconómicas no Meio Rural (POSER). Concretamente, o que já foi criado no âmbito deste projecto?

O programa POSER é concebido e implementado para ter um impacto muito forte no meio rural, a nível da redução da pobreza e pela via das actividades geradoras de rendimento. Tem atuado, essencialmente, no financiamento de microprojectos, sobretudo a nível da agricultura, pecuária, transformação agropecuária e pescas, mas começa agora a incluir também medidas estruturantes que potenciam estas actividades. Refiro-me às acessibilidades, perfurações para mobilização de água, equipamentos de bombagem e adução de água, instalação de unidades fotovoltaicas de produção de energia renovável para sistemas de bombagem, entre outras. O reforço financeiro de que falou refere-se ao chamado POSER-CLIMA, que acabou de arrancar. Este abrange algumas ilhas e integra actividades que contribuem para maior resiliência e adaptação da agricultura às mudanças climáticas.

 

Num ano de seca o governo apoia os agricultores e criadores de gado com subsídios, etc. Entretanto os preços sobem (e muito) mas, o cidadão comum não vê o salário aumentar para fazer face ao encarecimento do custo de vida…

Creio que não se deve ver as coisas neste ângulo, sobretudo num país pobre, onde é grande e frequente a situação de flutuação das condições meteorológicas e da pluviometria. Veja, se para implementar um programa de emergência de mitigação da seca e efeitos do mau ano agrícola, o Governo está a recorrer à ajuda financeira e técnica dos seus parceiros da Cooperação, é claro que o país não dispõe de recursos para suportar tal política.

 

No início da campanha agrícola o maior receio era a praga da lagarta-de-cartucho-de-milho que chegara ao país. O alerta precoce acabou por dar resultado? Qual é a situação actual?

Com a situação da seca, a propagação rápida e massificada da praga acabou por não acontecer. Contudo, a presença da lagarta do cartucho do milho em Cabo Verde é já uma realidade, o país mantém-se sob a ameaça do seu alastramento, pelo que vai continuar a envidar esforços para o seu controlo.

 

Em 2015 deu-se início no país a uma campanha de plantação de oito milhões de árvores até 2030, um compromisso assumido na Cimeira sobre Clima, em Paris, e uma medida que se espera venha a resultar em mais chuva no futuro. Continua em curso a plantação de árvores? Vai se conseguir alcançar o objectivo do milénio de 25% de áreas florestadas?

Dificilmente se poderá plantar árvores em Cabo Verde num ano de seca. Mas, as metas voluntárias associadas ao Acordo de Paris são para cumprir. Não só em termos de florestação para a sequestração do carbono, como também em matéria de redução das emissões, através da implementação das políticas traçadas para as energias renováveis e para a gestão dos resíduos. Vamos procurar integrar os desafios decorrentes das três convenções do Rio de Janeiro e, como anunciei há tempos, iremos também aprovar as nossas metas voluntárias para o Neutralidade em matéria de Degradação da Terra (NDT), na sequência da avaliação da situação feita, recentemente.   

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 831 de 31 de Outubro de 2017. 

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Autoria:Chissana Magalhaes,3 nov 2017 14:18

Editado porAndré Amaral  em  3 nov 2017 17:10

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