A sonhar, que seja em grande. “Não vale a pena passar cinco ou dez anos a sonhar pequeno”, diz ao Expresso das Ilhas Saulo Montrond, proprietário da Green Studio. A empresa cabo-verdiana de audiovisual e publicidade tem feito correr muita tinta nos últimos dias, principalmente depois da aquisição de um terreno em Palha Sé, na Praia, ter vindo a público (apesar do negócio já ter meses). Mas vai fazer correr muita mais. Na verdade, a Green Studio não quer construir um parque de raiz, quer construir três, com os outros dois a situarem-se nas ilhas do Sal e de São Vicente.
“Quando falamos do projecto e dos valores envolvidos, as pessoas podem ficar assustadas, mas é importante entender que este negócio não é novo. Cá em Cabo Verde pode ser, mas conteúdos é o novo petróleo. Aliás, hoje em dia a indústria de conteúdos vale mais do que o petróleo”, sublinha Montrond.
O projecto, ou melhor, as infra-estruturas que o vão sustentar são os já referidos três parques. Um em Santiago, que vai ser o quartel-general dos canais de televisão, vai ter estúdios, um anfiteatro ao ar livre com espaço para 10/20 mil pessoas, e também vai albergar uma universidade. “Acreditamos que será a base de tudo. O grande desafio na área de conteúdos é a formação, qualquer um compra uma câmara e faz um filme, mesmo aqui em Cabo Verde somos autodidactas, imagine-se se tivéssemos formação como há em Portugal, no Brasil ou nos Estados Unidos”. Neste momento a Green Studio está em contacto com a Emerson College, de Boston, dedicada exclusivamente à comunicação e às artes, “e queremos abrir uma universidade nesse parque, com dormitório, onde as pessoas podem vir de toda a África estudar cinema, televisão, etc., mas ao mais alto nível. Não queremos construir uma universidade de raiz, queremos fazer a parceria e eles é que vão gerir essa universidade que se quer de referência no continente”.
Em São Vicente, querem também construir um parque, muito semelhante ao que existe no Brasil, onde estão os Estúdios da Globo. “Já identificámos um terreno em frente ao aeroporto, estamos em negociação, e queremos aproveitar o potencial natural de São Vicente, ligado ao teatro e ao cinema, para lá produzirmos conteúdos, como séries e filmes. Achamos que há potencial, temos de criar condições e explorá-lo”.
Para o Sal, está previsto mais um parque e um estádio. “Tivemos duas experiências com o Beach Soccer, e posso dizer que foi a maior exportação cabo-verdiana. Esse conteúdo, que não é nosso, mas sim da FIFA, no primeiro ano, foi transmitido para 86 países, com um potencial de 300 milhões de pessoas, que ficaram a saber onde fica Cabo Verde. É a maior exportação de sempre. Queremos um estádio onde podemos fazer Beach Soccer, boxe, basquetebol, a nossa visão a médio longo prazo é porque não Fórmula 1 na ilha do Sal? É possível, no Dubai foi construído um circuito de raiz”.
Esta é a base, o produto é os conteúdos, o negócio é o consumo desses conteúdos on demand, através do pay per view. Ou seja, nada está a ser criado de novo a novidade é a exportação de produtos africanos para o mundo. “O nosso objectivo é sermos criadores, agregadores e distribuidores de conteúdos. Não temos a pretensão de sermos nós a produzir tudo. O que estamos a construir neste momento vai beneficiar de forma directa, repito directa, todas as outras empresas em Cabo Verde e no continente”.
A visão da empresa é África. “O que me motivou? Muitas vezes, ao aceder à Internet descobria conteúdos que não passam no Youtube em Cabo Verde. Como há produtos que não são vendidos em Cabo Verde, porque o mercado não lhes interessa. Mas estamos a falar de um continente com 1,6 biliões de pessoas, com uma diáspora de 200 milhões de pessoas, e temos um desafio enorme que é a questão das regiões: Nigéria não quer saber da África do Sul e vice-versa, Marrocos não quer saber da Etiópia, etc”.
No fundo, o que Saulo Montrond considera que falta ao continente é a espécie de continuidade que existe nos EUA, ou na Europa, em termos de audiovisuais. Por exemplo, a África do Sul tem uma economia específica, uma indústria audiovisual específica, mas ninguém a conhece no resto de África. O mesmo pode dizer-se sobre a indústria cinematográfica da Nigéria (a terceira maior do mundo, duzentos filmes produzidos por mês, mais de um milhão de empregos – apenas superado pelos postos de trabalho no sector agrícola), estima-se que venha a valer 9 biliões de dólares até 2019.
“É aqui que entra a Green Studio, queremos criar as condições para que o mundo possa desfrutar das maravilhas de África. A nossa lógica é em vez de estarmos a dizer às pessoas que o funil seja de fora para dentro, queremos que seja de África, passe por Cabo Verde e daí para o mundo. No fundo, o papel que já tivemos várias vezes em 500 anos de história: empacotar tudo o que é conteúdo africano e através daqui, sem precisarmos de aviões ou de barcos, enviar esses conteúdos para o mundo, aproveitando a nossa credibilidade enquanto nação, uma vez que temos estabilidade política, estabilidade social e a melhor localização possível. Tendo credibilidade e tendo estrutura física, tendo a tecnologia, podemos exportar conteúdos e provámos isso”.
O campeonato africano de boxe de pesos pesados, disputado na Praia no passado fim-de-semana, foi o grande teste. A Green Studio, através da sua filial nos Estados Unidos da América, conseguiu fechar um contracto com a iN DEMAND, a empresa número um do mundo em venda de conteúdos pay per view, garantindo assim a transmissão para um mercado nunca antes explorado por uma empresa cabo-verdiana. “Saímos de um mercado de 500 mil pessoas e entrámos noutro de 60 milhões de casas. Ou seja, tínhamos um produto e entrámos num mercado”.
“O nosso objectivo foi cumprido. Quisemos assinar este contracto e cumprir, porque nos EUA se falhas uma vez, podes esquecer. Portanto, o objectivo foi que a transmissão não parasse, que houvesse qualidade e isso foi conseguido”. Atrás ficou um trabalho de meio ano e um evento que envolveu mais de 50 pessoas, com equipas no gimnodesportivo da Várzea, nos EUA e no Dubai.
A iN DEMAND é a mesma empresa que, por exemplo, vendeu o recente combate entre Conor McGregor e o Floyd Mayweather (final do campeonato do mundo UFCUltimate Fighting Championship). Só com o pay per view, nessa noite, conseguiu meio bilião de dólares (o conteúdo foi vendido por $99 USD, já o campeonato mundial de pesos pesados africanos teve um preço mais modesto, $24,99 USD, cerca de 2.500$00).
“500 milhões de dólares numa hora. Não há nenhuma indústria, nenhum negócio com essa capacidade de facturação. E sem falar em patrocínios ou na venda de bilhetes”, sublinha Saulo Montrond.
“Para poder vender um telemóvel tenho de produzir um telemóvel. Se quiser vender mil tenho de produzir mil. Em Cabo Verde falamos dos hubs, e podemos continuar a planear isso, mas quando faço o meu plano de negócios tenho sempre uma limitação física, que é o número máximo de aviões que podem aterrar num aeroporto, ou quantos barcos podem atracar no porto. Com os conteúdos não, desde que ele tenha qualidade, posso vendê-lo para uma pessoa como para 100 milhões. É a única indústria que tem essa flexibilidade”.
Os números são astronómicos, a possibilidade de criar empregos qualificados e bem pagos mexe com a cabeça de qualquer um. Mas há ainda uma ponta solta, como é que se cria todo um negócio num arquipélago pequeno e pobre? “Já tive essa discussão com o anterior ministro da cultura e com o actual. O desenvolvimento do audiovisual está dependente também das televisões nacionais. Porque ninguém vai produzir uma série ou um filme em Cabo Verde enquanto as televisões nacionais passarem a série mais cara do mundo a custo zero. Eu posso produzir uma novela, por mais qualidade que tenha, nenhuma televisão ma vai comprar se a pode passar sem pagar um tostão”.
“Nunca pensei no mercado cabo-verdiano porque não funciona, nem nunca vai funcionar enquanto houver toda essa pirataria. Até televisão por cabo pirata há no país e ninguém faz nada. E isso mata a indústria”, conclui Saulo Montrond.
Por que achas que é possível criar este negócio em Cabo Verde?
Porque os outros países estão fechados nos seus mercados, nós pensamos no mercado global. Não temos a ambição de produzir de Cabo Verde para o mundo, queremos é pegar em conteúdos que já existem, incentivar a produção de novos produtos, empacotá-los e vendê-los para o mundo, isso ninguém está a fazer em África neste momento.
Mas quando se fala num investimento de 200 milhões de dólares, não estamos a falar de um valor demasiado alto para a realidade cabo-verdiana?
Estamos a falar de investimentos pequenos dada a possibilidade de retorno. É um projecto de 200 milhões de dólares, mas o retorno, se o produto for bom, consegue-se numa noite. O Maximus [Junior Maximus que se sagrou campeão africano de boxe em pesos pesados, ao derrotar o marroquino Faïsal Arrami] quer disputar o mundial de boxe, e não se importava de o fazer em Cabo Verde, imagina uma prova dessas a ser transmitida por uma empresa cabo-verdiana? 200 milhões de dólares é o que Hollywood gasta num filme. Quanto lucra? Três vezes mais do que investiu? Quatro vezes? É dessa indústria que estamos a falar.
Reconheces que é um projecto que pode deixar muitas dúvidas nas pessoas?
Acreditam mais em nós lá fora do que cá dentro. No Dubai estive com pessoas que não vou dizer sequer o nome. As pessoas não têm noção do potencial que o país tem. O que fizemos com o boxe foi para construir a credibilidade. Tivemos cá um príncipe do Bahrein, uma semana, que gastou quase um milhão de dólares, e como o conseguimos? Não foi através da diplomacia, ou de um convite do governo, foi um evento desportivo. Com mais, podemos atrair qualquer pessoa a Cabo Verde.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 837 de 13 de Dezembro de 2017.