António Furtado, Presidente da BODIVA (Bolsa de Dívida e Valores de Angola), está em Cabo Verde a convite da Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM) para participar no 9º Fórum 20 anos da Bolsa de Valores de Cabo Verde (BVC), co-organizado pela BVC e a AGMVM, e falou com o Expresso das Ilhas sobre crescimento económico e o papel dos mercados financeiros no desenvolvimento africano.
A economia africana em 2019 vai crescer mais do que a do mundo. Isto pode significar o quê?
Maior crescimento pressupõe maior crescimento da riqueza e melhores condições de vida para as populações. Se vai crescer mais do que o previsto é um bom indicador, é sinónimo de que há uma outra consciência, há uma gestão mais racional dos recursos e, em consequência, um maior crescimento.
Devemos estar optimistas com a economia africana?
Penso que os países ocidentais chegaram à conclusão que deviam orientar os seus investimentos para os países africanos, também com o objectivo de limitar o fluxo migratório, fixar as populações no continente. Essa reorientação da política ocidental é bem-vinda e pressupõe um outro tipo de consciência em relação aos problemas dos africanos.
Um dos dados que temos é que o crescimento económico africano não se tem traduzido na criação de emprego, principalmente emprego de qualidade. Acha que é possível inverter este cenário?
É possível desde que se direccionem os investimentos para os sectores que criam emprego. Tem de haver investimento que crie emprego. Muitas vezes o crescimento não significa desenvolvimento, mas também não há desenvolvimento sem crescimento. Há vários sectores identificados, nos diversos países africanos, onde se pode investir e isso será possível com políticas nacionais que possam criar todo esse dinamismo e que enfoquem na criação de emprego de qualidade.
Se formos particularmente ao caso angolano, Portugal foi um dos países que investiu bastante em Angola, depois houve um certo retrocesso e agora as relações políticas parecem estar novamente alinhadas. Acha isso positivo para os dois países?
Os factores políticos muitas vezes condicionam os factores económicos. Nas nossas relações com Portugal tem havido uns altos e baixos, mas isso é normal na relação entre países irmãos. Há alguns aspectos em que tem de haver um certo pragmatismo na abordagem dos problemas e devemos dissipar as dúvidas e os mal-entendidos que existiram no passado. Agora, penso que estamos num quadro de bom relacionamento. Portugal, como disse, é um país irmão, há investimento português em Angola e vice-versa, Portugal conhece melhor a realidade angolana que muitos países europeus e pode dar um grande impulso ao crescimento e desenvolvimento do país, não só na afectação de linhas de crédito, mas em áreas como a saúde, a educação.
Os principais desafios das economias africanas estão identificados: más infra-estruturas e a pequena dimensão dos sectores privados. Acrescentaria algum mais, ou estes já são suficientemente grandes?
Estes são já grandes desafios, aos quais podemos acrescentar a educação e a saúde. Por outro lado, uma aposta forte nas infra-estruturas, que são necessárias – falo de portos, aeroportos, barragens – também poderá criar muitos dos empregos que têm de ser criados.
Outra grande questão que afecta a economia africana…
A corrupção?
A corrupção é exactamente um dos grandes entraves ao desenvolvimento.
É um facto. Temos de criar instituições fortes para podermos combater a corrupção. A corrupção não se combate apenas com a legislação, é necessário capacitar as instituições para que elas possam dar resposta a este fenómeno que afecta quase todos os países africanos. E depois vem a questão mais complexa que é alterar as mentalidades, porque quando os nossos países alcançaram a independência pensou-se que isso era suficiente, que bastava substituir um poder por outro, mas o processo é muito mais complexo e o processo de transformação das mentalidades é o mais complexo.
Outro grande desafio é a necessidade de diversificar a economia. As bolsas poderão ter aqui um papel fundamental?
No caso concreto de Angola o processo de diversificação leva tempo, continuamos muito presos à exportação do petróleo e chega-se a um ponto em que a queda dos preços nos mercados internacionais fazem com que os recursos não sejam suficientes para atender às demandas da economia. É necessário entrar-se no processo de diversificação para limitar essa vulnerabilidade da economia, mas também para criar fontes alternativas de divisas para o país. As bolsas precisam também da abertura dos mercados internacionais. No caso de Angola há ainda alguns handicaps que temos de remover, alguns obstáculos. O novo executivo está empenhado nisso e poderá atrair o investimento estrangeiro de carteira, além do investimento directo estrangeiro.
Que deficiências estão a ser removidas?
Essencialmente, falamos de questões de segurança, de estabilidade política, de estabilidade macroeconómica. No caso de Angola, herdamos uma situação em que fomos obrigados a nacionalizar, há muita presença do Estado na economia, também devido à opção política na altura e agora estamos a iniciar uma economia de mercado, como todos os países, no fundo. Por isso, temos mudado as políticas migratórias, as leis de investimento privado – onde já não há a obrigatoriedade de ter um sócio angolano – e isto cria maior abertura. Temos é de melhorar as infra-estruturas em termos de água, de energia, vias rodoviárias. A partir daí, teremos todas as condições para que os investidores privados, estrangeiros e nacionais, possam desenvolver a sua actividade sem constrangimentos.
Que contribuição poderá ter a bolsa de Angola no crescimento do país?
Olhamos sempre para a questão do financiamento. A ideia é que este não fique circunscrito ao financiamento bancário. Este processo ainda não é bem entendido. Se compararmos o nível de capitalização que existe, vemos, por exemplo, que nos Estados Unidos cerca de 80 por cento é feito junto do mercado. No caso de Portugal anda à volta dos 50/60 por cento. Mas nos países africanos, tirando a África do Sul, todos os outros recorrem à banca. Temos de procurar inverter esse quadro.
Diria que é o grande desafio das bolsas africanas actualmente?
É o grande desafio, orientar a capitalização para o mercado financeiro. Por isso temos um papel importante no desenvolvimento das nossas economias. Hoje os empresários já têm mais noção dessa realidade, mas ainda há uma necessidade de mudar as mentalidades. A questão é que quem emite um valor mobiliário tem de ter um projecto que seja rentável. O investidor tem de saber onde vai investir. Em Angola, os empresários já começam a pensar assim, já começam a ter cuidado na apresentação dos projectos.
Garantia e confiança são as palavras-chave.
Garantia e confiança, exactamente.
António Furtado
Licenciado em Economia, com especialidade em Contabilidade e Finanças, pela Universidade Agostinho Neto. Antes de iniciar funções como Presidente do Conselho de Administração da BODIVA, a 10 de Julho de 2014, exerceu diversos cargos públicos, com destaque para as funções de Assessor Económico e Social do Gabinete do Primeiro-Ministro, de Dezembro 2001 a Julho de 2010, Director Nacional do Tesouro, de 1990 à 1994, Vice-Ministro das Finanças, de 1994 à 1995, e Governador do Banco Nacional de Angola, de 1995 a Julho de 1996. Tendo ainda desempenhado a função de Administrador da TAAG, de 1996 a 2001, e Presidente do Conselho de Administração da Gestão de Fundos, SARL, tendo cessado funções em Dezembro de 2001.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 878 de 26 de Setembro de 2018.