Eurico Brilhante Dias: “É preciso aproximar os empresários portugueses dos empresários cabo-verdianos”

PorAndré Amaral,14 out 2018 8:56

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Eurico Brilhante Dias, Secretário de Estado da Internacionalização de Portugal
Eurico Brilhante Dias, Secretário de Estado da Internacionalização de Portugal

​Eurico Brilhante Dias, Secretário de Estado da Internacionalização de Portugal, esteve em Cabo Verde durante a semana passada. Em entrevista ao Expresso das Ilhas explicou que a visita serviu para acompanhar o investimento português em Cabo Verde e também conhecer oportunidades de investimento em Cabo Verde que possam interessar aos empresários portugueses.

Qual a razão da sua visita a Cabo Verde?

Essencialmente esta visita insere-se no quadro das minhas funções de promoção da internacionalização da economia portuguesa, contactar os agentes económicos e as autoridades locais, acompanhar o investimento português aqui, procurar formas de aprofundar o relacionamento bilateral entre Portugal e Cabo Verde. Isto num momento em que Portugal vive uma circunstância muito positiva quer a nível da atracção de investimentos quer das exportações e evidentemente, nós devemos conseguir com os nossos parceiros cabo-verdianos aproveitar as novas oportunidades que surgem aqui no mercado cabo-verdiano.

O governo de Cabo Verde tem falado muito na atracção do Investimento Directo Estrangeiro. De que forma é que Cabo Verde pode tornar-se mais atractivo para a economia portuguesa?

Nós temos um espaço de diálogo que vai muito além dos negócios e das exportações. Temos o espaço de diálogo na área das nossas comunidades, temos um espaço de relacionamento na língua, na cultura e a dimensão dos negócios é muitas vezes o resultado dessas ligações e dessa construção de redes luso-cabo-verdianas que vamos construindo. Aquilo que me parece mais relevante nesta altura é que Portugal é o primeiro fornecedor de Cabo Verde. Nós temos mais de duas mil empresas em Portugal que exportam para Cabo Verde e temos um stock de Investimento Directo que supera os 20% do PIB cabo-verdiano. As novas oportunidades, seguindo aquilo que é a prioridade política do governo de Cabo Verde, estão em sectores desde o turismo à agro-indústria além da área dos serviços e distribuição e das tecnologias de informação e comunicação onde eu considero que Portugal tem uma oferta claramente diferenciadora. Na área das TIC nós somos o país da WebSummit, somos o país que no último ano fez emergir três unicórnios na área das startups: a Farfetch, a FTSY e esta semana a TalkDesk. No agro-negócio nós temos vindo a diminuir o nosso défice da balança agro-alimentar e em sectores muito específicos como a área dos vegetais. Nos hortícolas e frutícolas temos aumentado imenso o nosso potencial exportador, o que ao mesmo tempo é um enorme potencial de investimento no exterior e em novas oportunidades de investimento num sector em que Cabo Verde gostaria de ter mais investimento estrangeiro. No turismo, nós temos tido uma enorme captação de Investimento Directo Estrangeiro para Portugal, mas temos tido grupos portugueses a apostarem claramente no crescimento das suas operações internacionais. Por isso aquilo que Cabo Verde como destino fantástico oferece aos operadores turísticos é uma oferta potencialmente muito qualificadora. Potencialmente porque precisa de investimento. Por outro lado, acho que somos um bom cliente de Cabo Verde no seu turismo. Os portugueses gostam de vir a Cabo Verde, gostam de passar férias cá, deixam cá dinheiro e querem continuar a deixar. E se tivermos mais investimento português no turismo, nós também temos a perfeita consciência que geramos novas oportunidades de emprego e de qualificação neste sector que é uma área fundamental.

A nível da diplomacia económica, que tem ganho cada vez mais importância, tem-se notado uma pressão cada vez maior de países como a China no continente africano. Como é que se enfrenta esta concorrência?

Eu acho que é evidente que Cabo Verde valoriza, e deve fazê-lo, a sua posição geoestratégica no relacionamento atlântico com África e com a costa Ocidental de África. E essa capacidade de interface com a Europa que é única. Temos de perceber que a valorização dessa posição geoestratégica faz com que outros actores no mundo olhem para Cabo Verde como um mercado interessante. Em particular como um mercado que tem umas características quase únicas em África no que diz respeito à sua estabilidade política, ao funcionamento da democracia e até ao grau de previsibilidade e confiança quanto ao funcionamento do mercado no futuro. Isso são características muito valorizadas por quem investe e, existindo dentro de uma zona de comércio livre, investe-se para poder produzir aqui e levar para outros mercados. E temos empresas portuguesas que querem investir em Cabo Verde para poderem ser exportadores cabo-verdianos para outros países. É normal que outros agentes de negócios internacionais olhem para Cabo Verde nesse sentido também. Agora nós também percebemos que há um lado afectivo de cruzamento entre Portugal e Cabo Verde que nos dá uma confiança de quase família e que dá ao investidor português uma vantagem de arranque, não definitiva, mas de arranque.

Fala-se muito nessa questão da posição geoestratégica de Cabo Verde no Atlântico. Mas estamos numa altura em que as escalas em viagem são pouco utilizadas. Qual é o real benefício da posição de Cabo Verde?

As operações logísticas mais complexas não são operações de escala, mas são operações de hub and spoke, operações de consolidação e desconsolidação. São operações em que grande parte da eficiência passa por consolidarmos fluxos e em que muitas vezes essa consolidação obriga-nos a momentos de paragem. Isso acontece, por exemplo, com o crescimento enorme que tivemos com o Porto de Sines porque passou a integrar movimentos de hub and spoke. Ou seja, movimentos de concentração e desconcentração de fluxos. Esses movimentos continuam a ser muito importantes para a eficiência logística e Cabo Verde pode ser esse actor no transporte marítimo. No transporte aéreo como plataforma tem condições como outros hubs regionais. Não quero comparar, nem a dimensão, nem a natureza dos fluxos, mas o papel de hub que faz o Dubai que, apesar de tudo, é uma pequena economia no quadro regional e que funciona como hub na ligação do Médio Oriente, no quadro do Indico e até na ligação a África. E devo dizer que do lado oriental da África, países como a Etiópia se posicionaram do ponto de vista aeroportuário como hubs fundamentais, aliás, a companhia aérea etíope acabou por funcionar como grande plataforma da costa oriental africana com ligações ao continente europeu. Portanto, nós temos condições do lado ocidental para ir construindo. Evidentemente que isso é uma discussão que tem uma dimensão competitiva com muitos países francófonos da costa ocidental africana. Cabo Verde tem as suas cartas, os seus instrumentos e Portugal está muito disponível para continuar esta colaboração para podermos continuar a avançar esta área.

Trouxe nesta viagem a Cabo Verde alguma manifestação de interesses dessas empresas de que me falava há pouco de se tornarem empresas cabo-verdianas exportadoras para o mercado da CEDEAO?

Não. Temos aqui o caso da nova unidade da Inpharma que penso que tem potencial para ser um pivot para a costa ocidental africana. Nós temos empresas que manifestaram interesse em sectores muito particulares como o transporte marítimo de passageiros, empresas de capital português em Cabo Verde com vontade de investir no sector agro-alimentar, mas em particular no redesenho, no aumento da dimensão do canal de distribuição agro-alimentar em Cabo Verde, e essas manifestações foram-me feitas a mim e ocorreram e hoje as autoridades cabo-verdianas conhecem bem essas intenções. Agora vim também olhar para as oportunidades que o mercado cabo-verdiano tem e para as prioridades políticas das PPP’s (Parcerias Público-Privadas) e das privatizações que o governo cabo-verdiano apresentou.

Há pouco dizia que Portugal é o principal fornecedor externo da economia cabo-verdiana, mas o principal cliente acaba por ser a Espanha. Porquê esta diferença?

Foi um ajustamento. Penso que aconteceu há pouco tempo, mas Portugal é o segundo principal cliente. Portanto, nós também temos na nossa balança comercial algumas particularidades como essa que é a de ser mais fornecedor de França do que cliente e com a Alemanha somos mais clientes que fornecedores. Isso é perfeitamente normal, mas felizmente para além de vender a Portugal, Cabo Verde começou a vender a Espanha e isso é muito positivo.

A economia cabo-verdiana quer dar o salto para a economia digital, para as TIC. Há mercado para um país como Cabo Verde a nível internacional? Para Portugal, Cabo Verde pode ser um país interessante nesta área?

Essa é uma das prioridades do governo de Cabo Verde. E o país tem tido êxito nalgumas operações, em particular na área dos call-centers e cada vez mais são call-centers mais sofisticados. Não são apenas call-centers de puro serviço a clientes para resolver problemas, mas são cada vez mais sofisticados porque prestam serviços mais complexos e que exigem outro nível de qualificação de recursos. Cabo Verde teve algum êxito nessas operações e é um caminho que deve continuar. Normalmente esse tipo de operações, os call-centers, são muito consumidoras de recursos humanos, gerarão seguramente oportunidades de emprego para os mais novos e para os mais qualificados. Isso parece-me evidente, e colocarão alguma pressão nas universidades cabo-verdianas, porque elas terão de ser capazes de gerar os recursos, porque o nível de qualificações é cada vez mais elevado. Agora Cabo Verde pode ser um actor, captando à sua dimensão, para este mercado de 550 mil habitantes operações muito orientadas aos mercados da lusofonia e também de língua inglesa, porque na francofonia temos concorrência directa próxima.

É interessante para Portugal investir em Cabo Verde noutras áreas que não as tradicionais?

Na área das TIC, por exemplo. É uma área onde Portugal tem vindo a fazer um investimento importante. O território já é, hoje, um aspecto quase secundário. Nós podemos trabalhar com Cabo Verde a partir de Lisboa ou do Porto, porque hoje o importante é integrar por via remota muitas das operações que ocorrem espalhadas pelo mundo. E aí, evidentemente pode haver investimento de empresas portuguesas nas áreas das TIC como uma forma de integrar essas operações em algo mais complexo que também passa por Portugal, mas que também passa pela Índia, pela América Latina ou pelos Estados Unidos. O fundamental é perceber que temos de desenvolver os negócios do sector privado, isso é fundamental. É preciso aproximar os empresários portugueses dos empresários cabo-verdianos. É preciso mostrar as oportunidades, os empresários depois fazem o seu trabalho. Mas se nós formos capazes de reduzir os custos de contexto e de mostrar essas oportunidades eu tenho a convicção de que teremos mais negócios. E parte do meu trabalho aqui também foi esse. Mostrar disponibilidade e descortinar oportunidades para as divulgar junto das empresas portuguesas.


O que é uma startup unicórnio?

São chamadas de unicórnios as startups tecnológicas que são avaliadas em mais de mil milhões de dólares. Alguns exemplos deste tipo de empresas são a Farfetch, a Dropbox ou a SpaceX. Estas empresas são avaliadas com base nas suas oportunidades de mercado e no seu potencial de mercado, a longo prazo. O caso mais conhecido de uma startup unicórnio é o Facebook. As startups unicórnio que marcaram as décadas passadas nasceram integradas em ondas de inovação tecnológicas: a Apple, com a criação do computador pessoal; o Google com a generalização do acesso à Internet e o Facebook, com o boom das redes sociais. Segundo Aleen Lee, do fundo de investimento Cowboy Ventures, são geralmente negócios com foco no consumidor e não em serviços ou produtos para empresas. No entanto, são as empresas B2B (Business to Business) aquelas que tiveram mais retorno por dólares investidos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 880 de 10 de Outubro de 2018.

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Autoria:André Amaral,14 out 2018 8:56

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  14 out 2018 18:16

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