A solução para a economia cabo-verdiana é a internacionalização

PorJorge Montezinho,18 nov 2018 9:33

​Miguel Frasquilho, presidente do Conselho de Administração da TAP, esteve em Cabo Verde, como orador convidado da conferência internacional “Como construir empresas de Sucesso no actual contexto Económico Mundial”. Com uma larga experiência tanto no sector público como no sector privado – foi deputado eleito pelo PSD, Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, presidente da AICEP Portugal Global, professor universitário – o economista falou com o Expresso das Ilhas sobre o crescimento do arquipélago, sobre a nova geopolítica mundial e também, claro, sobre a TAP e as estratégias da companhia para o futuro.

Disse que a solução para a economia cabo-verdiana é abrir-se ao mundo. Mas como o pode conseguir uma economia tão pequena e onde o acesso ao financiamento é ainda um problema?

Esse acesso ao financiamento tem de existir. Têm de ser proporcionadas as condições. Mas não só, tem de haver uma consciencialização por parte da sociedade, como um todo, sobretudo da comunidade empresarial, que uma economia da dimensão da cabo-verdiana só consegue criar riqueza de forma sustentável, para todos os seus cidadãos, se se abrir efectivamente. O que hoje ainda não acontece. E as estatísticas mostram-no. Uma economia como a cabo-verdiana em que as exportações de bens atingem cerca de 10 por cento do Produto Interno Bruto não é sustentável. O turismo está melhor desenvolvido, representando cerca de 35 por cento, mas a exportação de bens não pode atingir 10 por cento do PIB. Se em Portugal a crise fez com que houvesse esta consciencialização colectiva, e sobretudo da comunidade empresarial, de que só virando-se para fora era possível dar a volta – e eu acho que conseguimos dar a volta – aqui, não é preciso crise nenhuma. Porque a economia cabo-verdiana não está em crise, tem registado crescimentos positivos, mas são crescimentos que, para que a população tenha o nível de vida que ambiciona e merece, têm de ser muito superiores. Portanto, não é preciso nenhuma crise, há que haver esta consciencialização que, com esta dimensão, não há outro caminho senão a internacionalização.

Uma internacionalização onde mesmo que haja falta de apoios isso não pode servir de desculpa para não a fazer.

Não. Os apoios podem auxiliar, podem facilitar, mas eu acho que a comunidade empresarial, primeiro, tem de entender aquilo que tem à mão, podem não existir os apoios que há noutras paragens, mas há sempre formas de ser apoiado: há apoios públicos, há apoios privados, há acções de capacitação que auxiliam a perceber o mundo em que vivemos, em que direcção se deve seguir, etc. Pode não ser na dimensão que existe noutras paragens, mas quando existe a vontade de fazer, de ir, de empreender, é sempre possível ir mais longe. Nós nunca temos as condições ideais, nunca temos as condições que julgamos que são as necessárias, mas é sempre possível fazer melhor e esse foi o repto que vim aqui deixar. Até pela minha experiência de ex-presidente da AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal], onde estive três anos, pude aperceber-me, em todas as minhas missões ao mundo, que as oportunidades estão aí. E falamos de um país como Cabo Verde, que é verdadeiramente uma lança em África – a expressão é esta e é verdadeira pela referência que é em termos de estabilidade, qualidade, segurança, etc. – mas falta a outra parte, falta o dinamismo, falta a inovação, falta, no fundo, virar-se para fora. É esse passo que deve ser dado e de forma definitiva.

Referiu que esse ir para fora dependerá de dois factores, o geográfico e o afectivo: o geográfico é a sub-região, o afectivo será os países de língua portuguesa, mas também é verdade é que estamos a falar de um país, Cabo Verde, cujas relações comerciais com África são baixíssimas, portanto, há aqui uma variável que tem de subir.

Tem, claro, isso está ligado com as estatísticas que referi há pouco: o peso das exportações cabo-verdianas de bens e serviços no seu PIB. Não pode. É muito, muito, muito pequeno. Aí é evidente que África tem de ser um mercado preferencial, principalmente a CEDEAO aqui ao lado, mas depois é evidente que países como Portugal, os restantes países da CPLP, países onde a diáspora cabo-verdiana é fortíssima, como os Estados Unidos, a Holanda, a França, são países onde é fundamental que a qualidade cabo-verdiana seja reconhecida. E deixe-me dizer-lhe que acho que a Cabo Verde Trade Invest começou a fazer uma trajectória muito positiva. Tem estado muito virada para a atracção de investimento, e isso é fundamental porque, por exemplo, a constituição de parcerias com investidores estrangeiros pode ser um caminho para os empresários cabo-verdianos e para induzir uma maior produção e uma maior internacionalização. Se me permite, o modelo de Portugal nessa área é muito interessante, nas embaixadas há delegados da AICEP que, no fundo, acabam, por constituir um apoio às empresas no terreno, e este é um modelo que pode ser reproduzido noutras geografias. Portanto, Cabo Verde tem vindo a fazer uma trajectória muito positiva. Na parte mais da vertente da exportação e da captação de investimento penso que a Cabo Verde Trade Invest tem estado no caminho certo, agora tem de se ir ainda mais longe.

Essas parcerias internacionais passarão muito pelo dinamismo da economia cabo-verdiana e dos próprios empresários cabo-verdianos.

Claro. Sobretudo, têm de confiar nos investidores estrangeiros, têm de se abrir também em termos de mentalidade, perceber que se um investidor estrangeiro aparece para constituir uma parceria para investir em Cabo Verde isso não tem de ser mau, ninguém está a tentar roubar o negócio de ninguém, pelo contrário, pode estar a abrir uma oportunidade, não para vender aqui em Cabo Verde, mas para exportar para outras regiões.

Uma questão que tanto serve para Cabo Verde como para todos os outros países. Quais considera serem hoje as grandes ameaças ao investimento?

Hoje o mundo é bastante instável e tem vindo a ficar cada vez mais instável. Acho que a crise financeira que sofremos em 2007/08, que depois se transformou numa grande crise global, continua a deixar marcas. Aliás, acho que mudou o mundo. Veio tornar o papel dos Estados mais importante: no apoio às actividades, no apoio aos cidadãos, no apoio às empresas. A regulação é absolutamente fundamental e eu espero que não venhamos a ter outra vez regulação de menos, nomeadamente em determinadas áreas como a financeira. E depois temos uma instabilidade geopolítica que nos é dada por alguns dos maiores actores políticos mundiais que, do meu ponto de vista, era muito dispensável, mas eles estão aí. Isso não dá tranquilidade a ninguém. E sabe-se que quando há ameaças de guerras comerciais entre os maiores parceiros do mundo os investidores ficam com receio, retraem-se, a economia arrefece. Isso pode não ter reflexos a seis meses, a um ano ou a dois anos, mas tem certamente reflexos a cinco anos ou a dez anos. Nunca é bom quando se provoca, sobretudo a nível político, instabilidade. Isso faz retrair os investidores, faz retrair os fluxos comerciais e gera uma vida pior para todos os agentes económicos. Acho que estes focos de instabilidade, nomeadamente ao nível político – e os maiores têm vindo, infelizmente, a ser proporcionados pelo presidente dos Estados Unidos da América – são as maiores ameaças a nível global. Outras ameaças, e não só na Europa, são o florescer de determinados movimentos populistas, de extremismos, que têm conduzido à eleição de actores políticos que sinceramente me deixam sérias interrogações sobre a forma como vão lidar com o mundo. E o mundo é nosso, por isso temos de batalhar para que ele seja um lugar melhor.

Estamos num mundo cada vez mais global, mas que se vai fechando também cada vez mais?

Por enquanto ainda não se está a fechar. Como posso pôr esta questão (pausa). Se há vinte anos alguém dissesse que a China ia apresentar-se como a grande líder da globalização e o grande motor da economia mundial ninguém acreditaria. Mas a verdade é que hoje o presidente Xi [Xi Jinping, que assumiu o governo em 2013] se apresenta como o grande defensor da globalização, do livre comércio e da criação de riqueza a nível mundial. Não vejo um China first, apesar de estar subentendido não é dito, enquanto o América first é uma mensagem que não é positiva a nível global. Pode ser positiva para os norte-americanos, mas a médio/longo prazo também deixará de ser positiva, porque se o mundo ficar pior, naturalmente que os Estados Unidos serão também afectados. Vivemos num mundo onde as mudanças têm acontecido e nem todas as mudanças têm sido para melhor. É presidente do conselho de administração de uma grande empresa, e sabemos que no mundo dos investimentos a previsibilidade e a confiança são fundamentais.

Estamos num momento menos previsível e onde há menos confiança?

Claramente. Tudo o que lhe referi até agora vai nesse sentido. Por exemplo, acho que Portugal, neste momento, é um exemplo de estabilidade, é um exemplo positivo à escala global, mas Portugal é um país muito pequeno. O problema não está nos pequenos países, está nos países de dimensão maior, onde os caminhos e as estratégias que têm sido apresentados deixam muito a desejar.

Mas apesar de Portugal ser um país pequeno, acaba por provar que qualquer economia, independentemente do seu tamanho, é sempre atractiva se o mercado for atractivo.

É evidente. O tamanho pode ser uma dificuldade inicial, mas depois pode ser claramente ultrapassada. É preciso ter capacidade de empreendedorismo, é preciso inovar, criar as condições, e depois, se criarmos bens e serviços de qualidade, pode vencer-se em qualquer parte do mundo.

Ou seja, a retoma acontece quando damos hipóteses para que essa retoma aconteça.

Exactamente.

Falemos da TAP, uma grande empresa, neste caso uma transportadora aérea, que ajudou à recuperação económica do país, enquanto o próprio país, devido a essa dinâmica, ajudou a empresa a crescer também.

Foi causa efeito. O país, com a recuperação, proporcionou que a TAP aumentasse cada vez mais o número de passageiros transportados. E a TAP, fruto da sua estratégia de renovação e ampliação da frota, que está a acontecer, trouxe cada vez mais visitantes ao país. Este investimento foi feito devido à privatização. Hoje a TAP é, penso eu, uma bem-sucedida parceria público/privada: 50 por cento é detida pelo Estado, 50 por cento por investidores privados, mas não teria sido possível essa injecção de dinheiro, suficiente para a modernizar e adaptar a estes tempos mais exigentes, mas também mais lucrativos, se a privatização não tivesse acontecido. Sem isso, a TAP não se tinha tornado no que eu espero que seja no futuro – um case study – pela forma como conseguiu dar a volta. Numa altura em que a consolidação do sector da aviação internacional continua, a TAP conseguiu sobreviver. E mais, viver e ter uma trajectória de desenvolvimento sustentável, que é isso que estamos hoje em dia a conseguir.

Numa altura em que muitas companhias de bandeira enfrentam dificuldades, muitas delas a desaparecer, qual foi o segredo da TAP, para além da privatização?

Recuemos então ao período antes da privatização. Acho que houve uma aposta que foi absolutamente fundamental: a aposta no mercado brasileiro. Hoje a TAP é responsável por 1/3 das ligações aéreas entre o Brasil e a Europa, servimos dez destinos no Brasil, a partir de Lisboa e do Porto, e esta aposta revelou-se fundamental para que a TAP não tivesse seguido o caminho de outras companhias que acabaram por não sobreviver na Europa. Esta estratégia permitiu à TAP sobreviver, mas fruto da incapacidade do accionista Estado (face ao contexto europeu) de investir mais na TAP, de disponibilizar os recursos necessários, não foi possível ir mais longe e fazer com que a TAP se desenvolvesse. Ou seja, houve um desenvolvimento até uma determinada fase, a partir daí, devido à falta de recursos que permitiriam a expansão, isso já não foi possível. E foi isso que a privatização veio permitir.

Qual é o futuro? A continuação deste crescimento?

Não tenha dúvidas. A nossa trajectória, apesar das dificuldades que continuamos a sentir, seguirá nesse sentido. Hoje estamos a renovar e a expandir a frota, temos cerca de 90 aviões, é previsível que dentro de 4 a 5 anos tenhamos 120, toda a frota vai ser renovada e ampliada, quer no médio curso, quer no longo curso, vamos servir cada vez mais destinos nos nossos mercados naturais: Europa, África – sobretudo África de língua portuguesa, América do Sul – com preponderância para o Brasil e América do Norte – com preponderância para os Estados Unidos. Estes são os nossos mercados naturais, aproveitando a nossa posição geográfica privilegiada. A Ásia também poderá ser um mercado muito importante, mas temos de ter consciência que há outros países que têm uma posição geográfica mais privilegiada do que a nossa para atingir o mercado asiático, mas a Ásia não está esquecida. Agora, não é uma prioridade para esta fase de expansão. Poderá sê-lo daqui a uns anos, e será certamente. Em relação ao futuro da TAP, prevejo que seja de expansão e que se fará a par e passo beneficiando a economia portuguesa e tirando também os benefícios que a economia portuguesa lhe pode atribuir. A TAP devido à sua estratégia de expansão internacional, e devido ao facto de ser a companhia que é, segue muito a passo com a economia portuguesa, portanto o que de bom acontecer à TAP de certeza acontecerá de bom a Portugal.

E qual será a estratégia para Cabo Verde?

A TAP apostou bastante no mercado cabo-verdiano nos últimos anos. Basta recuar seis ou sete anos para perceber que nessa altura a TAP não tinha a presença que tem hoje. Diria que é a porta que transporta mais cabo-verdianos para o mundo, através de Lisboa. Voamos todos os dias para a ilha de Santiago, voamos para o Sal, para São Vicente, para a Boa Vista, portanto, todos os aeroportos internacionais de Cabo Verde estão cobertos pela TAP. É uma estratégia onde não pretendemos, nem vamos certamente, regredir a nossa presença. Pelo contrário, se continuar esta trajectória positiva entre os dois países é evidente que existem condições para que a TAP possa aprofundar a sua presença. Mas para já penso que estamos num patamar de envolvimento que é muito positivo. É um mercado muito interessante para a TAP, obviamente.

O aproveitamento do Hub do Sal, por exemplo, uma possível ligação ao Hub de Lisboa, poderá ser ponderado no futuro?

Temos de ver como é que os indicadores evoluem. A TAP não fecha as portas a nenhuma possibilidade, mas posso dizer-lhe que é nossa intenção, dentro de dois anos, fazer dos Açores um mini Hub para atingir o mercado norte-americano, não só para cidades maiores, mas para destinos secundários também, que não são servidos por nenhumas outras rotas e onde há dimensão e massa crítica para fazer isso. Como lhe disse, não fechamos a porta a nada, mas precisamos que haja indicadores consistentes e sustentáveis para podermos ter outras opções.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 885 de 14 de Novembro de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,18 nov 2018 9:33

Editado porChissana Magalhães  em  18 nov 2018 9:33

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