Retoma, mas não muito

PorAndré Amaral,29 abr 2023 8:06

A retoma do turismo no Sal é uma realidade, mas será para todos? Se por um lado, agora que acabou a época alta, os hotéis all-inclusive estão cheios e perspectivam continuar assim nos próximos meses, por outro, a taxa de ocupação das unidades hoteleiras que não trabalham nesse regime chega, no máximo, aos 30%. Comerciantes dizem que há mais turistas na rua, mas que estes gastam pouco dinheiro.

A retoma do turismo em Cabo Verde, dizem os números mais recentes, já é uma realidade.

Segundo o INE, em 2022, Cabo Verde recebeu 835 mil turistas, um aumento de quase 400% relativamente a 2021 e, igualmente, acima dos valores registados antes da pandemia de covid-19 fechar o país ao turismo.

Agora, com o regresso da normalidade, regressam também os turistas.

Anthony Keeney veio de Leeds, no Reino Unido, para passar férias no Sal.

Acompanhado pela mulher e pelos três filhos, este inglês de 46 anos diz que esta é a primeira vez que viaja de férias para o estrangeiro.

“Depois da pandemia, de termos ficado isolados, depois de todos os sacrifícios que fizemos, achamos que merecíamos umas férias diferentes”, conta este turista ao Expresso das Ilhas.

Alojados num hotel de uma grande cadeia turística, estes cidadãos do norte de Inglaterra dizem que o objectivo destes 10 dias passados no Sal é “descansar e apanhar sol. Acima de tudo isso”.

E conhecer a ilha? Ver o que o Sal tem para oferecer para além do sol, da praia e das várias piscinas que há na unidade hoteleira em que estão alojados... “Não tivemos ainda grande vontade de deixar o hotel. Aqui temos tudo”, confessa Anthony que, ainda assim, confessa a vontade de ir tomar banho nas salinas de Pedra de Lume. Diz que só ainda não o fez porque “é difícil tirar a minha mulher e as crianças do hotel”.

Anthony é apenas um dos quase dois mil turistas que estão instalados neste hotel que é quase uma cidade dentro de Santa Maria. Há lojas, restaurantes diversos e para todos os gostos, piscinas, bares e animação nocturna. “Lá fora, na cidade, pelo que pude ver, não tenho toda esta oferta. Além disso, seria deitar dinheiro fora porque viemos para cá em regime all inclusive, podemos beber e comer tudo o que quisermos sem termos de pagar mais. Se formos jantar fora é uma despesa extra”, defende Anthony.

Evelyn Becker tem 26 anos, o namorado, Johannes tem 30. Estão no Sal há três dias e já deram a volta à ilha. “Num dia fomos a Palmeira, Espargos e Pedra de Lume. Estivemos também a ver kite surf na praia e agora só vamos sair daqui do hotel quando formos para o aeroporto para regressar a casa”.

“Gostei do que vi, mas não pretendo voltar a sair daqui do hotel. A ilha é pequena, já vimos o que queríamos”, reforça Johannes. “Agora queremos sol e praia. Estamos um pouco fartos do céu cinzento da Alemanha”, conclui.

Poucos turistas na rua

Nem todos, no entanto, pensam como Anthony ou Evelyn. As ruas de Santa Maria ainda não vivem a agitação de outros tempos, é certo. Mas durante a noite já se veem turistas a passear na rua pedonal.

A opinião comum a muitos dos comerciantes e donos de restaurantes é que o regresso dos turistas é vantajoso para a cidade. No entanto, apontam, a maioria são pessoas e casais com 50, 60 anos que já passam as suas férias sem os filhos. Vêm jantar, dão um passeio e depressa voltam para os hotéis.

A vida nocturna ainda não regressou a Santa Maria.

Joseph apresenta-se como artesão.

Na sua loja vende o que diz ser artesanato antigo da costa africana. Máscaras e estátuas de madeira, pulseiras e colares de missangas enchem as prateleiras de um pequeno espaço comercial numa rua transversal à rua pedonal de Santa Maria.

“Ainda não vale a pena abrir até muito tarde. Os turistas que saem dos hotéis ainda são poucos e os que andam por aqui não gastam muito dinheiro. Compram pulseiras e outras coisas pequenas para levarem para a família lá nos países deles”, conta este emigrante da costa africana que diz que a maioria dos seus clientes são franceses, alemães, mas acima de tudo ingleses.

Cerca de 80% dos turistas que chegam ao Sal não saem dos hotéis até que regressam aos seus países.

“Imagine que todos esses turistas resolviam sair dos hotéis ao mesmo tempo. Onde é que iam comer? Onde é que iam divertir-se? Santa Maria não tem espaços com dimensões suficientes para receber tanta gente. Há muitos bares, muitos restaurantes, mas são todos de pequenas dimensões”, avisa um funcionário de um restaurante que pediu para não ser identificado.

Dos 0 aos 100%

Yeray Zurita López é o director do Hotel Riu Palace Santa Maria.

Este gestor hoteleiro recorda que durante a pandemia o hotel estava a meio da construção. “Não paramos de trabalhar a não ser naquele mês de lockout total em que ninguém podia sair para a rua. Mas a construção do hotel em 2021 e início de 2021 não parou. Fomos um dos pulmões da ilha do Sal”.

Terminada a construção em Janeiro de 2021 seguiu-se a inauguração em Março com os primeiros clientes a chegarem de mercados poucos usuais para Cabo Verde como é o caso da Polónia. “Era o tempo da distância de segurança, máscaras e álcool gel por todo o lado. Não estávamos acostumados a isso. Estamos habituados ao contacto directo com o cliente, por isso, a princípio foi um bocadinho estranho”.

Hoje os tempos são bem diferentes. O hotel tem casa quase cheia “com dois mil clientes e respirando normalidade”.

O período de Páscoa foi o ponto alto deste ano. “Casa cheia em todos os hotéis da cadeia. Tanto aqui no Santa Maria Palace, como no Karamboa ou no Riu Cabo Verde”, diz Yeray.

Se nos all-inclusive há lotação esgotada, o cenário é bem diferente para quem trabalha fora desse circuito.

As reservas durante o período da Páscoa chegaram para uma lotação a rondar os 80%, mas agora, com o fim da época alta, as lotações ficam-se, na melhora das hipóteses, nos 30%.

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Após a Páscoa tem início o período de época baixa. Ana Carvalho, secretária-geral da Câmara de Turismo de Cabo Verde, conta que os contactos feitos com os estabelecimentos hoteleiros do Sal para saber a taxa de ocupação durante este período mostram um cenário que “é um bocado desanimador. As taxas rondam os 20% nos estabelecimentos que estão fora do circuito all-inclusive.

Para o Verão, refere Ana Carvalho, o cenário não muda. “Só que o que eles também estão a informar é que desde a pandemia as reservas estão a ser feitas à última da hora. Antes da pandemia já se sabia quase exactamente qual seria a taxa de ocupação para o Verão, porque as reservas eram feitas com um ano de antecedência. Mas desde a pandemia que só à última hora é que são feitas as reservas e disseram-nos que pode ser que no Verão a taxa de ocupação venha a aumentar”.

Em contraste, os hotéis do Grupo RIU, “tanto no Sal como na Boa Vista estão com uma taxa de ocupação de cerca de 80% que se deverá manter nos meses de verão”.

A diferença, diz esta responsável, é que estas unidades hoteleiras de menor não funcionam com o regime all-inclusive.

João Vieira, director do hotel Hilton, diz ao Expresso das Ilhas que “2023 começou da melhor maneira. No primeiro trimestre tivemos números muito próximos dos que registamos em 2019”.

Maio, Junho e Julho serão, no entanto, meses de algum abrandamento, reconhece este gestor que aponta “os preços das companhias aéreas portuguesas” como a causa de um menor afluxo de turistas para o Sal nesse período.

O período de Páscoa “foi excelente. Tivemos uma taxa de ocupação à volta de 90 a 95%”. Já as perspectivas para o segundo trimestre apontam para um abrandamento e a taxa de ocupação “deverá andar em torno dos 50%”, diz João Vieira.

Altura então para apostar no “reforço das formações e capacidades dos nossos colaboradores”.

Para o resto do ano “esperamos ocupações muito elevadas até Dezembro”.

O facto de estar fora do circuito all-inclusive não é um problema para uma marca como o Hilton. “Temos os nossos clientes fidelizados, somos uma marca que gere mais de sete mil hotéis em todo o mundo. No entanto, apesar disso, já estamos a trabalhar no final do ano, fazendo campanhas”.

Turismo interno

A procura por turistas é feita essencialmente nos mercados internacionais, mas a nível interno a aposta é reduzida.

Yeray López recorda que nos primeiros tempos após a abertura se viu “um movimento que eu nunca tinha visto. Pessoas do Sal, por exemplo, passavam fins-de-semana nos hotéis. Foi algo que eu antes só tinha visto nas Canárias”.

Mas o Sal tem pouca população, lembra apontando que “se as pessoas da Praia, por exemplo, tivessem mais garantia de transporte, talvez o turismo interno fosse favorecido”.

O transporte é o maior desafio para uma maior promoção do turismo interno em Cabo Verde, defende igualmente Ana Carvalho.

“Se não existem ligações, aéreas ou marítimas, que sejam constantes, confiáveis e com um preço competitivo, dificilmente a população consegue deslocar-se a turismo para o Sal ou do Sal para outra ilha”, aponta.

O aumento do custo de vida, assim como o do transporte são entraves “à deslocação dos residentes de Cabo Verde para as ilhas”.

Por outro lado, a Câmara de Turismo tem apostado na criação de pacotes turísticos à semelhança dos que foram criados no ano passado “quando se realizou o festival da Praia de Santa Maria. A Câmara de Turismo associou outras actividades a esse evento e junto com a Câmara Municipal desenvolveu uma semana de actividades” que se iniciaram no domingo anterior ao fim-de-semana do festival. “Junto com a Bestfly e com alguns hotéis conseguiram-se criar pacotes com preços mais baixos e que incluíam o transporte, estadia com alimentação e bilhetes de acesso às actividades como o concerto nas salinas de Pedra de Lume e o Festival de Santa Maria”.

A iniciativa, recorda Ana Carvalho, foi um sucesso.

João Vieira diz que a percentagem de clientes nacionais que procuram o seu hotel “ronda os 10%. Contudo em Maio e Junho tentamos reforçar esse valor através de preços mais competitivos e com pacotes turísticos para tentar que o mercado nacional procure a ilha do Sal”.

Para este responsável “a maior parte dos turistas nacionais são de outras ilhas e, por isso, procuramos ter pacotes mais competitivos, mas sentimos alguma reticência por falta de conectividade entre ilhas”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1117 de 26 de Abril de 2023.

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Autoria:André Amaral,29 abr 2023 8:06

Editado porSara Almeida  em  1 mai 2023 15:15

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