Como começa a sua ligação com a indústria hoteleira em Cabo Verde?
Eu de formação sou mecânico de material aéreo, que fiz na Força Aérea Portuguesa, para onde fui com 18 anos, durante seis anos. Quando saí, após o 25 de Abril, a intenção era ir trabalhar na ilha de Santiago, Cidade da Praia, para a TACV. Mas, na altura, o salário de um mecânico era de dez mil escudos e, aqui no Sal, o Hotel Morabeza ofereceu-me um vencimento de 11 mil. Como eu preferia ficar na minha ilha natal, decidi colocar de lado os seis anos da Froça Aérea e comecei a trabalhar no Morabeza na área técnica. O responsável técnico do hotel na altura teve que regressar à Bélgica para fazer lá um trabalho. Esteve ausente, se não me engano, durante oito anos e então eu assumi o cargo. Fui-me interesando pela hotelaria em si e algum tempo depois fui nomeado diretor-geral do Hotel Morabeza.
Isso foi em que ano?
Comecei a trabalhar no Hotel Morabeza no dia 1º de Janeiro de 1975. Ainda com a mãe do Georges Vynckier. A Geneviève Vynckier vinha de vez em quando. Eles tiveram algumas experiências com directores estrangeiros: houve um belga depois houve um francês, mas, naquela altura, após a independência, o pessoal cabo-verdiano não via com bons olhos estar a receber ordens de estrangeiros, e foi complicado. Então, fizeram-me o convite e eu assumi o cargo de director.
E quando é que começou a sonhar em ser dono do seu próprio hotel até à materialização da infraestrutura?
Estava bem no Morabeza, mas é normal querer ter e trabalhar para algo meu. Comecei a pensar nisso em 1989. Mas enfrentamos muitas dificuldades. Ou seja, levou dez anos até eu concretizar o sonho.
Em 1999, entretanto, inaugura o Hotel Odjo d’água, mas tenho a certeza que é um projecto que começou muito antes.
Só para obter a autorização foram dez anos. Foi muito díficil, mas não desisti. Quando finalmente deram a licença, a primeira fase levou um ano de construção. Começamos com apenas dez quartos e duas junior suites. Houve uma segunda fase que começou quatro anos depois, em que o hotel ficou com um total de 48 quartos construídos por cima de um dessalinizador antigo. Tivemos que pedir autorização, não foi fácil, mas conseguimos.
E qual o motivo da escolha do nome, ‘Odjo d’água’?
Escolhi esse nome porque na altura da construção havia um fio de água que caia perto do local onde está hoje a esplanada, dando a entender que lá haveria lá uma nascente. Daí o nome, Odjo d’água.
Recorda-se do dia quando pela primeira vez abriu as portas do hotel? Quais são as lembranças que lhe vêm à cabeça do acto em si?
Na realidade, não realizamos nenhum acto oficial de inauguração nessa altura. Celebramos o aniversário a 9 de Março porque foi o dia em que nos deram a licença. Os primeiros clientes recebemos antes, em Dezembro de 1998. Aí é que foi a sensação: “já está a funcionar! Já temos clientes!”. Em Março do ano seguinte só recebemos o papel. A verdade é que o primeiro acto que estamos a fazer da celebração do Odjo d’água é este. Agora os 25 anos. Na altura, nem dava para fazer comemorações.
Quantos hotéis existiam nessa altura na ilha do Sal?
Na altura havia quatro. O primeiro hotel do Sal foi o Morabeza, depois o Novo Horizonte, o Aeroflot e depois o Dja d’Sal, sendo que o Aeroflot e o Dja d’Sal já não existem, foram demolidos.
Nessa fase inicial, o Odjo d’água já trazia essa forte componente de identidade e cultura de Cabo Verde?
Sim, a intenção, desde o princípio era fazer algo diferente. Aliás, mesmo os materiais, o mobiliário, fizemos questão de comprar o mínimo possível fora do país. Utilizamos muita pedra e outros materiais que podíamos encontrar aqui. A ideia foi sempre fazer algo que se identificasse com a nossa ilha e com Cabo Verde. E que, de alguma forma, se destacasse dos restantes hotéis já existentes.
O Odjo d’água também sempre teve uma forte consciência ambiental, como a limpeza das praias, a opção por energias renováveis e plantação de árvores. De onde vem esse interesse pelo ambiente que você procura passar para todos os colaboradores do hotel?
Eu penso que vem da minha educação, em primeiro lugar. Aos 4 anos fui morar em Palha Verde e cresci sempre em contacto com a natureza, com animais, plantas e, por isso, com certeza que vem derivado disso. Também devo acrescentar que essa consciência foi reforçada quando trabalhei com o Georges Vynckier, que era engenheiro de profissão e tinha um grande interesse pelas energias renováveis. Ele até tinha um grande projecto de fazer um hotel na ilha da Boa Vista, na Praia de Chaves, a cem por cento, com recurso a energias renováveis, solar e eólica. Não foi possível, porque naquela altura tudo era muito difícil. Mas, após ter esse contacto, ele trouxe para o Odjo d’água essa preocupação que, eu acredito, que devia ser reproduzida em toda a ilha para termos um ambiente mais saudável e garantir a sustentabilidade do turismo. Hoje orgulhamo-nos de ser um hotel green, temos um programa para produzir energia através de painéis fotovoltaicos, o que nos permite reduzir os custos de energia em quase 50 por cento. Além disso, sabemos que há também uma clientela que é sensível a estas questões e procura os hotéis que têm essa preocupação ambiental.
Além disso, o Patone e toda a direcção do Odjo d’água demonstram diariamente uma forte responsabilidade social, ajudando a comunidade onde estão inseridos, por exemplo, com bolsas de estudo, atribuição de donativos, entre outras causas humanitárias e solidárias.
Como cabo-verdiano isso é normal. Ter essa preocupação e procurar ajudar o máximo possível, de maneira que não poderíamos agir de outra forma. Somos daqui. Fazemos parte desta comunidade.
Podemos falar de 2018, quando realizaram um grande investimento e o Odjo d’água ganha um crescimento de 48 para 113 quartos?
É verdade, a fase mais recente da expansão do hotel, que nos trouxe a parte nova foi concluída, em 2018. É preciso ver que quando o Odjo d’água foi idealizado nós não pensávamos que estaria como está hoje. Sentimos a pressão para crescer e poder dar respostas às solicitações. A ala nova era um terreno que pertencia à empresa Fomento, através do Ernesto Carneiro e a outra parte a uma tia minha, a Má Gega. Comprei tudo e, com recurso a um empréstimo bancário, acabamos por construir a última fase. Correu tudo bem e conseguimos ter a construção pronta no prazo, pois já tínhamos contratos fechados com tour operadores. Entretanto, dois anos depois veio a pandemia e ainda estamos a pagar a factura da covid 19. Mas eu estou convencido de que conseguiremos recuperar bem, arcar com as nossas despesas: sentimos que já houve uma retoma. Esperemos que a guerra na Europa não estrague tudo, aliás os sinais são positivos.
Não se arrepende do investimento feito?
Claro que não. No entanto, ainda há muito que pode ser melhorado no hotel. Agora no Verão estamos a pensar em remodelar os quartos antigos, para que tenham o nível da ala mais recente. E há mais projectos para melhoria que em breve anunciaremos.
Falando em melhorar, e para o setor do turismo. O que ainda pode ser feito para garantir maiores dividendos para a economia nacional?
A meu ver, temos de ter atenção especial à questão da segurança e à limpeza. Penso que o Governo poderia cuidar mais da Cidade de Santa Maria. O passeio turístico foi inciado e não foi terminado, o estado do Pontão é do conhecimento de todos, sendo um dos pontos mais visitados da cidade turística, a igreja na Pedonal que está num estado miserável, e mais e mais. Há muito para fazer. Tudo o que eu fiz foi porque eu sou um indíviduo muito teimoso, senão não teria feito nada. É mais fácil para um estrangeiro investir em Cabo Verde do que um nacional. É preciso ter muita atenção a isso. Eu lembro-me que quando quisemos recorrer ao banco pela primeira vez, contactamos um banco aqui da praça e eles disseram-me: “se você arranjar um sócio português vai ser mais fácil conseguir o empréstimo”. Portanto, as coisas estão neste pé. A nível de terrenos, a nível da banca, a todos os níveis, é mais fácil para um estrangeiro do que para um nacional e não pode ser assim.
Mas apesar das dificuldades, chegamos ao marco do vigésimo quinto aniversário. 25 anos não são 25 dias. Quando olha para trás, quais são os momentos mais marcantes para si?
Mais marcante foi quando me venderam o terreno para fazer a primeira parte do hotel, e quando obtivemos a autorização. Sem esquecer a infinity pool que deu uma guerra tremenda e ainda não terminou. Está com o Supremo Tribunal de Justiça. Foi muito desgastante. Agora estamos com um novo problema. O espaço para as cadeiras e espreguiçadeiras para os nossos clientes; recebemos recentemente das autoridades mais uma notificação que estamos em incumprimento. Há uma lei de 30 metros em que não se pode colocar cadeiras, mas o Odjo d’água está praticamente dentro do mar. Logo, essa lei não pode ser aplicada neste caso. Senão não posso por nenhuma cadeira. Não está fácil obter mais espaço. Temos tido muitas reclamações por causa disso.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1165 de 27 de Março de 2024.