Já o Bob Dylan cantava nos anos 60 que os tempos estavam a mudar, o que o trovador não podia adivinhar é que esta mudança está a ocorrer a uma velocidade incrível. Os grandes estúdios de cinema olharam do desdém para o vídeo e perderam. O vídeo foi ultrapassado pelo DVD enquanto o diabo esfrega um olho. Depois, chegou a TV por cabo e o mercado de aluguer caiu a pique. Hoje é o online que domina e os gigantes da indústria da comunicação têm de adaptar-se ou correm o risco de desaparecer.
O alerta não é novo e está a chegar de todos os quadrantes. Depois de revolucionar a imprensa, a Internet está a provocar impactos na televisão, forçando a indústria a adaptar-se ao crescimento dos tablets e dos vídeos on-line para manter a audiência e os anunciantes.
“A distância entre o que os consumidores querem e a forma como a indústria (da TV) o proporciona aumentou tanto que a indústria tem de começar a tomar medidas”, disse à AFP Jim Nail, analista da Forrester Research.
Ainda recentemente, no seu discurso no Festival de Televisão de Edimburgo, o actor Kevin Spacey convidou os executivos das televisões a abrirem os olhos, até porque, sublinhou, os telespectadores mais jovens não notam diferença entre ver um programa de TV, um filme ou o YouTube.
“Se vemos um filme no televisor ele deixa de ser um filme porque não estamos a ver no cinema? Quando vemos um programa de TV no iPad, ele deixa de ser um programa de TV? O dispositivo onde vemos o conteúdo e a sua duração é irrelevante para os jovens de hoje: para eles não há diferença alguma entre ver o Avatar num iPad, o YouTube na televisão ou o último episódio do Game of Thrones no computador”.
O Netflix, que oferece filmes e séries em catálogo na Internet, em streaming sem download, consolida-se cada vez mais. A fórmula é muito popular entre as crianças, amantes dos desenhos animados nos tablets, e entre os fãs de séries de televisão, que podem ver aos episódios em sequência.
O Google lançou recentemente um adaptador, o Chromecast, que transfere para o ecrã da televisão os vídeos da Internet. E segundo boatos recorrentes, os grupos Apple e Intel preparam serviços de televisão on-line.
“O streaming continua a ser um motor de crescimento enorme para nós”, disse Leslie Moonves, presidente da cadeia norte-americana CBS, depois de ter assinado um acordo exclusivo com a Amazon, para assegurar a rentabilidade da série, Under the Dome, feita por Steven Spielberg e baseada num romance de Stephen King.
A verdade é que a uma velocidade estonteante a Internet abalou as companhias de comunicação e de entretenimento. A pirataria aumentou e a venda de discos e filmes deslizou ladeira abaixo. Os jornais perderam publicidade e leitores para os websites. As livrarias foram trucidadas. Os profetas do apocalipse predisseram que os consumidores e os clientes iriam abandonar em massa a televisão paga e optariam pelas ofertas online. Jeff Zucker, na altura patrão da NBC Universal, disse em 2008 a outros magnatas dos media que era contra a nova tendência de “trocar dólares analógicos por centavos digitais”.
Foi um longo período de espera, mas a verdade é que esses centavos estão a começar a amontoar-se. Houve um tempo em que a Internet destruiu empregos e companhias, mas hoje é o motor de crescimentos dos antigos media, incluindo música, filmes e livros. Em 2008, 12 por cento dos produtos foram consumidos através da Internet. Calcula-se que esse valor chegue aos 50 por cento em 2017. É verdade que muitas partes da indústria não irão recuperar os altos índices nos próximos anos, se é que alguma vez recuperarão. Mas, a Internet está agora a impulsionar algum crescimento. Em 2012, a indústria musical registou o seu primeiro aumento (muito modesto) em mais de uma década.
EU QUERO TUDO E QUERO AGORA
Uma das principais razões para esta reviravolta é que os consumidores passaram a gastar muito do seu tempo a mexer nos seus dispositivos móveis. Eles querem conteúdos para os entreter, a qualquer hora, em qualquer lugar, e parecem estar cada vez mais dispostos a pagar por isso, principalmente quando falamos de serviços de ‘acesso total’. Empresas como a Spotify, na música, e a Netflix, para filmes e programas de televisão, permitem consumir tudo por um preço mensal relativamente baixo. Serviços de streaming para música podem mesmo reduzir a pirataria, porque proporcionam uma alternativa legal e barata.
A verdade é que a Internet começa a encaixar no mundo antigo dos media. Nada de novo. É sempre assim quando aparece uma nova tecnologia: os tubarões da indústria tentam destruí-la, mas ela acaba por sobreviver e por fazer parte do futuro. Hollywood odiou o vídeo, as cadeias de televisão odiaram a TV por cabo, até Sócrates desconfiava da escrita. No entanto, acabam sempre por acontecer duas coisas: os velhos media sobrevivem e os novos media expandem o mercado.
Com a Internet passa-se o mesmo, só apenas um bocadinho mais. Este ano será o primeiro em que o americano médio passará mais tempo online (cerca de cinco horas/dia) do que a ver televisão (4½ horas/dia), segundo um estudo da eMarketer. E aconteça o que acontecer, os consumidores continuarão famintos por conteúdos – como a série de grande orçamento House of Cards, que teve origem na Netflix. Outra verdade inquestionável é que as novas tecnologias oferecem a possibilidade de criar sem gastar tanto – o que significa também que os produtos podem ser vendidos a preços mais baixos.
Mais, permite experimentar a receptividade do produto antes de o passar a produzir em larga escala. “As Cinquenta Sombras de Grey” é o exemplo perfeito: começou por ser lançado na Internet, como e-book, e o sucesso do livro atraiu a atenção das grandes editoras, que depois o lançaram na versão papel, com as vendas astronómicas que se conhecem. O fundador da Amazon, Jeff Bezos, que comprou recentemente o Washington Post, também já disse ter uma série de novas ideias para conteúdos pagos. Os estúdios de cinema poderão vender filmes aos consumidores em casa enquanto estão ainda em lançamento nos cinemas. Talvez se chegue ao ponto em que as grandes empresas de TV por cabo deixem de vender pacotes de canais de televisão para se tornarem meros provedores de banda larga.
Estas ideias podem ainda parecer heresias. Mas a indústria dos media começa a ver que os tostões começam a acumular-se. E porque não? Sócrates, provavelmente, ficou muito satisfeito porque Platão decidiu escrever algumas das coisas que ele disse.
STREAMING E DOWNLOAD
‘Streaming’ é uma palavra usada para a partilha de dados. Quase toda a gente já a ouviu quando se fala da visualização de um filme ou da audição de uma música na Internet. ‘Streaming” significa o acto de reprodução de um media que está guardado n o u t r o dispositivo. Por outras palavras, podemos ter acesso a um media que está na Internet, sem ter de o copiar para o nosso computador, ou smartphone ou iPad. É o que acontece com o Netflix, no caso dos filmes, ou com o Spotify, no caso da música. O mesmo acontece com os vídeos do Youtube. O streaming acontece em tempo real. A outra opção é fazer o download do ficheiro, copiá-lo e guardá-lo no nosso computador, ou qualquer outro dispositivo.
O streaming pede uma ligação rápida, para que não haja pausas ou os célebres ‘soluços’ durante a reprodução do vídeo. Vídeos de alta definição, com som surround digital, também exigem uma conexão mais rápida. Um arquivo de streaming nunca é guardado no dispositivo e pode ser visto/ouvido sem pagar ou através uma assinatura mensal que é cobrada para ter acesso ao produto, como acontece na Netflix. Também é possível alugar o vídeo para um determinado período de tempo, após o qual deixa de estar disponível.
Já no download, o dispositivo liga-se com a fonte do arquivo para copiar e guardar os conteúdos no respectivo disco rígido. Normalmente, temos de esperar até que o download seja concluído antes podermos ver/ouvir. Alguns serviços, como o iTunes, deixam que se comece a ver um filme depois de algum tempo de download. O arquivo guardado pode ser transmitido para outros dispositivos. Um arquivo de download está sempre disponível. Os programas, os filmes, ou a música guardada são comprados e não alugados.
No Canadá, por exemplo, são cada vez menos os que optam por comprar ou alugar media em discos de plástico - seja música, filmes, jogos de computador ou software - e estão a optar pelo download e pelo streaming. Com a Internet cada vez mais rápida e confiável, o vídeo é um dos aplicativos on-demand mais populares. Mas é preciso ter atenção que o streaming de vídeo consome mais dados do que a navegação na web ou e-mail.
AS GUERRAS DO STREAMING
Até há pouco considerado apenas mais uma entre muitas alternativas para consumir música, os serviços de streaming fecharam o primeiro semestre do ano na condição de salvadores da indústria fonográfica. Nos primeiros seis meses de 2013, foram executados 50 biliões de streams de áudio e vídeo no mundo todo – 24 por cento mais do que em 2012. E segundo o relatório da empresa Siemer Associates, enquanto a indústria da música digital deverá crescer no máximo 12 por cento ao ano até 2016, os serviços de streaming aumentarão 40 por cento.
Por exemplo, o serviço de streaming de música Spotify teve um ano de 2012 histórico. Em apenas 12 meses, a empresa duplicou as receitas do ano transacto, ou seja, em 2012 encaixou 577 milhões de dólares, 435 milhões de euros (cerca de 40 milhões de contos), praticamente o dobro do que tinha conseguido em 2011.
Actualmente, o serviço conta com mais de 20 milhões de utilizadores registados e destes, cinco milhões são pagantes. O Spotify pode ser utilizado de forma gratuita, mas o utilizador ouve também anúncios publicitários entre as faixas musicais. Ou tem dois tipos de subscrição, uma que permite ouvir música em streaming, e outra que permite que as faixas sejam descarregadas para o disco.
Em Portugal, onde o serviço chegou em Fevereiro de 2013, a opção streaming custa 3,49 euros por mês (cerca de 300$ ECV), a que possibilita o download tem um custo mensal de 6,99 euros (à volta de 700$ ECV).
A empresa, que tem sede no Reino Unido, nasceu na Suécia e estava já presente em muitos países europeus, bem como nos EUA, Austrália e Nova Zelândia. A plataforma, que funciona em vários equipamentos, incluindo smartphones, tem música das gigantes Sony, Warner, Universal e EMI, bem como de outras editoras mais pequenas.
Entretanto, chegou no mês passado ao mercado português o Google Play Music All Access. Três meses depois do lançamento nos Estados Unidos, este novo serviço da Google chegou a nove países europeus, além de Portugal, Áustria, Bélgica, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Espanha e Reino Unido.
Este serviço concorre com outros do género, como o Spotify. No entanto, apresenta algumas diferenças. Ao contrário do Spotify, cuja modalidade gratuita intercala as canções com anúncios, a Google, cujas receitas são maioritariamente originárias da publicidade, optou por não seguir esta via.
Na versão gratuita da Google é ainda possível aceder às playlists guardadas na conta no modo offline num total de 20 mil músicas. No Spotify esta funcionalidade está apenas disponível através de um pagamento mensal que pode ser de 3,49 euros mensais, para ouvir música apenas em streaming, ou de 6,99 euros por mês, para quem também queira descarregar os ficheiros.
No que se refere a pagamentos, a Google optou por apenas disponibilizar um montante, que é de 9,99 euros por mês.
A revolução não está a bater à porta, já nos entrou casa dentro. Agora, resta-nos ficar sentadinhos à espera dos próximos episódios.