No verão de 1977 duas sondas Voyager partiram de Cabo Canaveral com a missão de explorar o espaço exterior ao sistema solar. Dois anos depois do lançamento a Voyager 1 passou por Júpiter, de onde enviou imagens, e um ano mais tarde avistava Saturno. Agora, 36 anos depois do lançamento e de percorrer 19 mil milhões de quilómetros é o primeiro objecto construído pelo homem a abandonar o sistema solar. E ainda continua a comunicar com a Terra.
A quase 19 mil milhões de quilómetros do Sol, a Voyager 1 era há muito o objecto construído por humanos que mais longe tinha chegado. Agora, tornou-se oficialmente no primeiro a ultrapassar os limites do sistema solar. A sonda espacial norte-americana, que continua a enviar dados para a Terra, entrou no espaço interestelar. “A humanidade deu um passo histórico. Abriu-se uma nova era na exploração espacial”, afirmou Ed Stone, responsável científico pela missão no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Pasadena). No anúncio, também foram divulgados os primeiros registros sonoros do espaço interestelar.
Na prática, a Nasa confirmou os cálculos publicados pela revista Science, que apontam que a sonda entrou no espaço interestelar em Agosto de 2012. Desde 2004, a Voyager explora uma região da bolha que envolve o sistema solar, onde os ventos solares aquecem e experimentam uma grande desaceleração. No ano passado, os cientistas americanos já observavam que ela se comportava como se estivesse em plena travessia da fronteira. A dúvida era sobre quando atravessaria a barreira – alguns diziam que isso poderia acontecer só em 2025.
Dois estudos deste ano causaram polémica quando afirmaram que a barreira já tinha sido ultrapassada, mas a Nasa repudiou os cálculos, incluindo os da Universidade de Maryland.
Agora, os cientistas da Universidade de Iowa mostraram que a densidade do plasma em torno da nave era comparável às densidades que se encontram na região interestelar. “Saltamos das nossas cadeiras quando constatamos as oscilações nos nossos dados, pois mostravam que a nave encontrava-se numa região totalmente nova. Atravessou claramente a heliopausa, a região fronteiriça”, afirmou o pesquisador Don Gurnett.
Para John Grunsfeld, chefe de missões científicas da Nasa, “a Voyager aventurou-se além de onde qualquer sonda chegou, marcando um dos sucessos tecnológicos mais significativos da história da ciência”. Uma questão que ainda intriga os pesquisadores, porém, é por que não houve alterações no sentido do campo magnético em volta do artefacto.
A Voyager 1 foi lançada a 5 de Setembro de 1977 de Cabo Canaveral, Florida. Uns dias antes, a 20 de Agosto, tinha sido a Voyager 2. A missão era observar o sistema solar exterior. A primeira deveria sobrevoar Júpiter e Saturno (o que fez em 1979 e em 1980). A segunda, além do grande gigante gasoso do sistema solar e do planeta dos anéis, teria de sobrevoar Urano (1986) e Neptuno (1989). E seguir viagem.
Estão há mais de 36 anos no espaço e a expectativa era que a Voyager 1 ultrapassasse os limites do sistema solar em 2015. Mas, esta quinta-feira, num artigo publicado na revista Science, a equipa de cientistas da NASA que acompanha a missão revelou que a sonda atravessou a heliopausa e chegou ao “abismo do espaço interestelar” a 25 de Agosto de 2012.
“Não sei se isto está no mesmo campeonato que aterrar na Lua, mas está bem lá em cima – material Star Trek, de certeza”, ilustra Donald A. Gurnett, um dos autores do artigo, citado pelo The New York Times. “Quer dizer, considere a distância [19 mil milhões de quilómetros do Sol]. É difícil até para os cientistas compreenderem”, sublinha o professor de Física da Universidade do Iowa.
Aos 77 anos, Edward C. Stone é, para a NASA, o maior especialista em missões Voyager. O cientista trabalha neste projecto desde 1972 e está a viver o momento com entusiasmo. Mais do que isso, já anseia pela porta aberta para novas descobertas. “Isto é histórico, um pouco como a primeira exploração da Terra”, afirma, citado pelo mesmo diário norte-americano.
O último ano foi de intenso debate. Os cientistas da NASA tiveram de avaliar os dados enviados pela Voyager 1 com “muito, muito cuidado” – diz Stone – até os líderes da missão chegarem a um consenso sobre se a sonda teria atingido o espaço interestelar. Acabaram por concordar que de facto tinha acontecido, mais cedo do que o esperado.
As derradeiras provas chegaram entre Abril e Maio, quando se receberam na Terra as gravações sonoras das vibrações captadas pela antena de ondas plasma da sonda. Calculada a densidade do plasma à volta da nave, acabaram-se as incertezas. “Era exactamente o que esperávamos de plasma interestelar”, diz Gurnett. Depois, compararam os dados com os do Verão de 2012.
ROCK N’ ROLL PARA EXTRATERRESTRES
Os recursos de que a Voyager 1 dispõe para recolher informação são obsoletos e a própria NASA tem dificuldade em encontrar quem, a partir da Terra, consiga tirar o melhor partido possível do material disponível. A bordo existe um gravador de oito pistas e computadores com tão pouca memória que um nativo digital não saberia como dar-lhe uso.
Mas a sonda também leva alguns objectos intemporais. É o caso da Quinta Sinfonia de Beethoven ou de Johnny B. Goode, de Chuck Berry. Ou os sons de trovões, vulcões e terramotos, de hienas e elefantes, do vento, da chuva, do riso.
Para esta missão, a NASA decidiu ser mais ambiciosa nas mensagens que enviava para o Espaço, na eventualidade de as sondas se cruzarem no futuro com vida inteligente extraterrestre. Até ali, as naves levavam uma placa com o local e o ano de origem. Em 1977, as Voyager levavam uma parafernália de imagens, sons, música e mensagens em 55 línguas [ver caixa] – incluindo do Presidente norte-americano Jimmy Carter e então secretário-geral da ONU, o austríaco Kurt Waldheim. A selecção foi feita por um comité encabeçado por Carl Sagan.
Se alguma vez os discos analógicos (que estão munidos de instruções, por símbolos) chegarem a ser tocados, a 16-2/3 rotações por minuto, nunca o saberemos. Pelo menos pelos nossos próprios meios. Isto porque a Voyager 1 deve perder a capacidade para enviar informação para o Jet Propulsion Laboratory por volta de 2025 e a sonda só deve cruzar-se com um planeta dentro de 40 mil anos. Mais ou menos. Aliás, a sonda ainda consegue enviar dados – que demoram 17 horas a chegar à Terra, devido à distância – por estar a poupar energia desde 1990.
Nesse ano, tirou a sua última fotografia: um retrato de família do sistema solar. Foi o fim de uma carreira que deu aos seres humanos imagens nunca vistas de Júpiter e de Saturno. Há dias, o University College de Londres disponibilizou em alta resolução um mosaico de fotografias das luas de Júpiter. Outras imagens captadas pela Voyager 1 podem ser vistas no site que a NASA dedica à missão [http://voyager.jpl.nasa.gov/].
Uma década antes de se acabarem as fotografias, em 1980, já o instrumento de medição da energia nas partículas de plasma tinha deixado de funcionar. Resta o sensor que permitiu concluir o histórico acontecimento que os cientistas agora festejam. Quando uma erupção solar voltar a agitar a antena, a Voyager 1 voltará a enviar uma mensagem para a Terra, através do seu transmissor de 23 watts.
Quando questionado sobre o que virá a seguir, Stone afirma que “a Voyager ensinou-nos a preparar-nos para sermos surpreendidos”. As sondas 1 e 2 monitorizaram Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno, além de 48 das suas luas. Já revelaram a atmosfera profunda e nebulosa de Titã, os vulcões de Io, o campo magnético de Urano e os géisers de Tritão, além do mundo gelado que orbita Neptuno, naquela que é considerada a missão mais bem sucedida da história espacial.
O programa foi feito inicialmente pela Nasa para ser uma missão de captura de imagens de Júpiter e Saturno, durante quatro anos, e continua activo há 36. Apesar de ter sido lançada 16 dias depois da irmã gémea, a Voyager 1 está quase 3 biliões de quilómetros mais longe do que a Voyager 2 – que, a 13 de Agosto do ano passado, passou a ser a sonda mais antiga em actividade. A Voyager 2 deve atravessar a fronteira do Sistema Solar dentro de três anos. “E nada vai deter as Voyagers, que continuarão a sua viagem provavelmente por milhares de anos”, sublinha o astrofísico Marc Swisdal, da Universidade de Maryland.
O disco dourado da Voyager
E se um dia, uma das sondas Voyager se cruzar com alguma forma de vida extraterrestre? Bem, talvez seja melhor que fiquem positivamente impressionados connosco. Os Disco de Ouro da Voyager (em inglês, Voyager Golden Record) são discos fonográficos que estão a bordo de ambas as naves Voyager. Eles contêm sons e imagens seleccionados como amostra da diversidade de vida e culturas da Terra e são dirigidos a qualquer forma de vida extraterrestre (ou seres humanos do futuro distante) que os encontrem.
O conteúdo dos discos foi selecionado por um comitê da Nasa chefiado por Carl Sagan. Foram reunidas 115 imagens e vários sons naturais, como trovões, vento, ondas do mar, e cantos de pássaros e baleias. Além disso, foi incluída uma colectânea musical com obras de diferentes épocas e culturas. Também foram registadas saudações em 55 línguas, entre elas o português e mensagens do então Presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter e do então Secretário Geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim.
Depois das críticas sobre a nudez das figuras humanas na Placa Pioneer, a Nasa impediu que Sagan e a sua equipa incluíssem entre as fotografias uma imagem com um homem e uma mulher nus. Em vez disso, apenas a silhueta de um casal foi gravada. As 115 imagens foram gravadas em forma analógica. A maior parte do disco — projectado para ser tocado em 16⅔ RPM — foi usada para gravação de áudio.
Nos discos, em código morse, está também registada a mensagem latina per aspera ad astra (“até às estrelas, através das adversidades”). Já maioria das músicas é composta por canções folclóricas de diversos países. Há também música clássica, com obras de Bach, Beethoven, Stravinsky e Mozart. A música mais conhecida do disco é Johnny B. Goode, de Chuck Berry. Sagan também queria incluir Here Comes the Sun, dos Beatles. O grupo concordou, mas a editora EMI não deu sua autorização e a música não entrou na colectânea.
Juntamente com o áudio, a gravação contém uma colecção de 122 fotos (uma das quais é para a calibração) detalhando, mas não limitado, a vida humana na terra e do planeta em si. Muitas fotos têm anotações como escalas de tamanho, tempo ou massa. Algumas imagens também têm indicações da composição química. Todas as medidas utilizadas nas fotos são definidas na primeira das imagens utilizando referências físicas.
Entre as reproduções há um mapa do sistema solar, o espectro luminoso, a estrutura do ADN, várias imagens da anatomia dos seres humanos, fotos de crianças, golfinhos, dançarinas de Bali, pessoas a comer e beber, o edifício das Nações Unidas e vários meios de transporte.
O disco é feito de uma placa de cobre banhada a ouro. Uma amostra ultra pura do isótopo urânio-238 foi galvanizada na capa do disco. Como o urânio-238 tem uma média de vida de 4.5 biliões de anos, a civilização que encontrar a Voyager poderá calcular a idade do disco.