Maryam Mirzakhani: a primeira mulher a receber o maior prémio da matemática

PorExpresso das Ilhas,25 ago 2014 0:00

Em criança, sonhava ser escritora, mas foi nos números que construiu a carreira e considera que o ponto alto é o momento ‘Aha’, ou seja, a excitação da descoberta, o prazer de compreender algo novo. A iraniana Maryam Mirzakhani, 37 anos, é a primeira mulher a receber a Medalha Fields, considerado o ‘Prémio Nobel’ da matemática. “Encontro uma única palavra adequada para comentar esta notícia: finalmente!” — declarou Elisabetta Strickland, chefe da delegação italiana ao Congresso Internacional dos Matemáticos que decorreu em Seul. Desde a criação do prémio, em 1936, não consta nenhum nome de mulher – até 13 de Agosto de 2014.

 

A Fields não distingue um grande matemático mas aquele que faz uma “descoberta excepcional”. A Fields não se ganha com técnica mas com inventividade, diz o francês Cédric Villani, premiado em 2010, citado pelo Público. Mas sem técnica, não se vai a lado nenhum. “A imaginação e o rigor são duas das três qualidades essenciais de um matemático. A terceira é a tenacidade.” De resto, como os poetas, os matemáticos dizem-se sujeitos a “iluminações”.

Todas estas marcas estão patentes em Maryam, cuja genialidade e originalidade são reconhecidas pela comunidade matemática.

Por trás de cada descoberta há um percurso.


O AYATOLLAH E AS MULHERES

Veio do Irão. Fez o doutoramento em Harvard, ensinou em Princeton e mudou para Stanford, onde vive com o marido e a filha de três anos. Observou numa entrevista ao The Guardian: “Gostaria de dizer que o sistema de educação iraniano não é o que as pessoas aqui podem imaginar. Quando estive em Harvard, tinha de explicar incessantemente que, enquanto mulher, tinha o direito de frequentar a universidade.”

Afirma Nasin Azadi, colaborador do Libération em Teerão: “Ela é um puro produto do sistema educativo iraniano. Foi educada no Liceu Farzanegan de Teerão, que depende da ‘Organização para o desenvolvimento dos talentos brilhantes’, cujo objectivo é descobrir alunos sobredotados ou, pelo menos, os melhores através de concursos nacionais.”

Os escolhidos fazem os seus estudos em estabelecimentos específicos com programas muito mais exigentes. Maryam frequentou depois a Universidade Sharif de Teerão, onde só entra uma ínfima minoria dos candidatos num concurso ultra-exigente e onde a qualidade do ensino é muito elevada.

Para estimular os estudantes o Irão promove competições entre universidades. Em 1985, aderiu às Olimpíadas Internacionais de Matemática, para jovens. Foi aí que Maryam anunciou o seu talento: medalha de ouro em 1994 e 1995. Em 1998, o Irão foi o primeiro classificado, batendo os Estados Unidos.

O sistema de ensino combina duas vertentes, o ensino de massas e o ensino de elite. Tal como combina escola pública com escola privada. Foi a resposta a duas necessidades diferentes: a democratização do ensino e a formação de quadros de alta qualificação.

Depois da Revolução Islâmica de 1979, o ayatollah Khomeini ordenou a “islamização do ensino”. Não se tratava de um mero regresso ao passado mas da tentativa de combinar o ensino religioso com o ensino científico moderno — mas sem “as perversões da cultura ocidental”. Milhares de professores foram demitidos e os programas reescritos. E houve uma medida ideológica de grande impacto: a abolição do ensino misto nos níveis secundário e médio.

Qual foi o efeito? Alargar exponencialmente a entrada das mulheres no ensino. As famílias conservadoras passaram a deixar as filhas fazer cursos. Em 1978, as mulheres representavam 37 por cento da população do secundário e 29 por cento da universitária. Em 2004, elas representavam 57 por cento da universidade e uma taxa mais alta nos ramos científicos.

Prevê-se que dentro de dois ou três anos, as mulheres obtenham 70 por cento dos diplomas universitários. Elas dão-se bem com os concursos e com a competição. Que transformações sociais, económicas e de mentalidade anuncia isto? Os ultraconservadores reagiram e, na era de Ahmadinejad, quiseram impor quotas máximas para as mulheres e reservar aos homens o acesso a muitos cursos. Várias universidades o fizeram. Permanece a disputa sobre as turmas mistas. Não há uniformidade.

As autoridades gostam que os seus “génios” façam o doutoramento nas mais prestigiadas universidades ocidentais — caso de Maryam, que foi para Harvard trabalhar sob orientação de Curtis McMullen, um Fields Medal. Aceitam que eles aí fiquem a ensinar, na expectativa de que, mais tarde, voltem ao Irão. Muitos bolseiros assinam contractos de regresso. Hoje, 76 por cento dos seus “matemáticos olímpicos” ensinam nos EUA ou na Grã- Bretanha. Teerão está agora a braços com um brain drain (ou, fuga de cérebros): segundo o Banco Mundial, entre 2009 e 2013, 300 mil jovens iranianos decidiram ir trabalhar para o estrangeiro.

Sem resolver o conflito do nuclear e pôr fim às sanções, o Presidente Hassan Rouhani terá dificuldade em inverter o movimento e em tirar partido das elites que o país forma. É o círculo vicioso em que o regime se encontra encerrado.


A MAIS RENTÁVEL CIÊNCIA

Porquê o relevo dado à matemática que levou, por exemplo, a espalhar pelo país “casas da matemática” para elevar a formação dos estudantes e professores?

Por um lado, a República Islâmica queria demonstrar as suas capacidades científicas à escala internacional. Por outro, as matemáticas não são uma disciplina entre outras. “Mudam o mundo”, escreve o investigador francês Idriss Aberkane. “Se são fontes de beleza e deslumbramento, são mais prosaicamente uma excepcional fonte de desenvolvimento económico. Sem experiências nem materiais dispendiosos, utilizando o espírito, um papel e um lápis, o matemático muda silenciosamente o mundo e gera acessoriamente milhões de milhões de dólares em valor económico no futuro.”

O Irão recebeu o prémio do seu investimento. E Maryam Mirzakhani devolveu com dividendos a dívida para com o Irão, que ela faz sempre questão em sublinhar.

Rouhani escreveu-lhe na quarta-feira passada. “Hoje, os iranianos podem sentir-se orgulhosos de que a primeira mulher que jamais ganhou a Medalha Fields seja sua compatriota. Sim! O mais competente deve ocupar a mais alta posição e deve ser o mais respeitado. Todos os iranianos, onde quer que estejam no mundo, são valores da nossa terra, e eu, como representante da nação iraniana, louvo as suas realizações científicas. Espero que a sua vida seja sempre plena de felicidade e sucesso.”

Maryam Mirzakhani pesquisa sobre a teoria de Teichmüller, a geometria hiperbólica, a teoria ergódica e a geometria simpléctica (sistemas dinâmicos, porém, aplicados à geometria). Na sua pesquisa mais recente, e que lhe valeu a Medalha Fields, descobriu como calcular o volume em espaços de superfícies hiperbólicas (para quem não é de matemáticas, todas as explicações sobre estes cálculos assemelham-se a arcanos impossíveis de decifrar. De uma forma bastante simplista pode-se dizer que as superfícies hiperbólicas lidam com curvaturas negativas. Isto é, o espaço faz um arco para fora, um formato parecido com uma sela).

É por causa de explicações como a anterior que a matemática é vista como a ‘besta negra’ por parte dos estudantes, mas para Maryam isso acontece porque muitos alunos não dão uma hipótese real à disciplina. “Eu fui má aluna de matemática durante um par de anos no ensino secundário porque não estava muito interessada em pensar nisso. Hoje, consigo ver que se não houver um lado excitante, a matemática pode parecer inútil e fria. A beleza da matemática só se revela aos seguidores mais pacientes”.

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Autoria:Expresso das Ilhas,25 ago 2014 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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