Há uma espécie de salamandra que, se perder os membros do corpo, os consegue regenerar. Chama-se axolote e faz este trabalho na perfeição: os ossos, os músculos e os nervos voltam a crescer no sítio certo. Já a planária é um verme que, se for cortada aos pedacinhos, também é capaz de se reconstruir. Portanto, estes animais são uma ajuda no estudo da regeneração de tecidos. Mas como o fazem? Para perceber isso, descodificou-se todo o genoma destas espécies, que vêm descritos semana passada em dois artigos científicos na revista Nature. Se o axolote tem um genoma dez vezes maior do que o dos humanos, já a planária não tem genes que para nós são essenciais para a divisão celular.
O axolote (Ambystoma mexicanum) distingue-se bem das outras salamandras: tem três pares de brânquias externas nos dois lados da cabeça que parecem plumas. Além da sua capacidade de regenerar partes do seu corpo, volta a ganhar os membros com direito a músculos, ossos e nervos, pode ainda reparar a espinal medula e o tecido da retina. Por isto é que há tanto interesse em estudá-lo. “Não sabemos as razões evolutivas por trás desta característica única. A capacidade para se regenerar deve estar relacionada com o seu comportamento canibalesco”, diz ao PÚBLICO Sergej Nowoshilow, do Instituto Max Planck para a Biologia Celular Molecular e Genética (Alemanha) e o principal autor do artigo científico sobre o genoma desta salamandra.
O axolote só vive numa pequena área do México, em lagos de água doce, fundo escuro e vegetação abundante. Mas também há colónias conservadas em laboratórios científicos. Afinal, o axolote já anda no mundo dos laboratórios desde 1864. Uma das maiores colónias está a cargo da equipa de Elly Tanaka, uma das coordenadoras do trabalho, do Instituto de Investigação de Patologia Molecular (IMP, na sigla em inglês), na Áustria.
Ao longo dos anos, a equipa de Elly Tanaka tem desvendado alguns dos segredos do axolote e identificado células que iniciam o processo de regeneração, assim como descrito os padrões moleculares que controlam esse processo. Mas para se perceber melhor como funciona a regeneração no axolote teve de se descodificar todo o seu genoma. E foi um longo trabalho: o genoma do axolote tem 32.000 milhões de pares de bases – as quatro pequenas moléculas (ou “letras”) que compõem a molécula de ADN e que se ligam sempre aos pares. Ou seja, o genoma do axolote é cerca de dez vezes maior do que o dos seres humanos, que tem 3000 milhões de pares de bases. O genoma do axolote foi o maior até agora descodificado, salienta o artigo publicado na sexta-feira última.
Um marco na investigação
E o que se viu nesta descodificação? “Os cientistas descobriram que muitos genes que apenas existem no axolote e noutras espécies de anfíbios são activados no tecido que é regenerado nos membros”, lê-se num comunicado do IMP, citado pelo PÚBLICO.
“Agora temos nas nossas mãos um mapa para investigar como estruturas complicadas como as pernas podem voltar a crescer”, considera Sergej Nowoshilow. “É um ponto de viragem para a comunidade de cientistas que trabalha com o axolote e um autêntico marco na aventura desta investigação que começou há mais de 150 anos, afirma.”
O segundo genoma descodificado foi o da planária Schmidtea mediterrânea, mas a evolução deste grupo de animais está muito pouco estudada.
Em todo o caso, como ressalta o segundo artigo, a descodificação destes genomas pode assim trazer um mundo novo para se saber mais sobre as extraordinárias características regeneradoras do axolote e desta planária, e são um passo crucial para compreender a regeneração.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 844 de 31 de Janeiro de 2018.