Sabe-se que emergiu de rompante e, pelas razias que fez em muitas espécies de rãs, sapos ou tritões, percebeu-se logo nos anos de 1990 que o fungo quitrídio-dos-anfíbios (Batrachochytrium dendrobatidis) era um problema grave para a conservação destas espécies - em 2009 o fungo causou pela primeira vez na Serra da Estrela um episódio de mortalidade em massa, que afectou sobretudo o sapo-parteiro. Mas um mistério persistia até agora: de onde vinha este fungo microscópio que causa estas mortandades catastróficas nas espécies mais suscetíveis, como é o caso do sapo-parteiro?
Um estudo publicado sexta-feira, 11, na revista Science, do qual o biólogo português Gonçalo M. Rosa é um dos principais autores, dá solução ao enigma: aquela estirpe agressiva do fungo teve origem no sudeste da Ásia, no início do século passado. E isso desvenda também o mecanismo da sua expansão. Segundo o Diário de Notícias, foi à boleia das atividades humanas e seus transportes, que cruzam oceanos e céus entre os continentes, que o fungo se espalhou a nível global e está a contribuir para o declínio rápido dos anfíbios no mundo. Por isso, a equipa alerta para a necessidade de um controlo mais apertado do comércio mundial de anfíbios, incluindo o do dinâmico mercado dos animais de estimação.
“Não existe uma solução mágica” para travar a expansão deste fungo diz Gonçalo M. Rosa, investigador do Instituto de Zoologia da Sociedade Zoológica de Londres e do centro cE3c da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas, sublinha, este agente patogénico tem “beneficiado do comércio de animais, seja para consumo, ou estimação, que catapulta a sua expansão e colonização de novas áreas”.
O fungo quitrídio-dos-anfíbios causa uma doença chamada quitridiomicose que ataca a pele dos animais e que muitas vezes lhes causa a morte. Existem alguns tratamentos que podem ajudar os animais doentes a recuperar, explica Gonçalo M. Rosa, mas o problema é que “só funcionam em situações controladas, como em laboratório, ou num zoo”, em que o animal “pode ser sujeito ao tratamento diariamente”. Em larga escala, sublinha o biólogo, “nenhuma solução se mostrou até agora viável” - o que reforça a necessidade da tal regulamentação mais apertada no comércio destas espécies.
Sabe-se que das 6674 espécies de anfíbios que existem, 1875 estão ameaçadas, algumas criticamente e cerca de 3300 estão em declínio rápido. Para este quadro preocupante contribui um conjunto complexo de fatores, que inclui a perda rápida de habitat e a sua degradação, a competição difícil com espécies exóticas, as alterações climáticas e, claro, as doenças. Entre elas está a quitridiomicose, que se calcula que afete atualmente “cerca de 30% das espécies de anfíbios em todo o mundo”, segundo Gonçalo M. Rosa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 859 de 16 de Maio de 2018.