Num dos laboratórios do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa, investigadores portugueses procuram uma forma de reverter uma parceria muitas vezes letal. A junção entre os vírus da hepatite B e D (também conhecida por Delta) que pode tornar o risco de cancro do fígado dez vezes mais frequente do que sucede numa pessoa infectada apenas com o vírus da hepatite B. E também com desenvolvimento mais rápido. Por que é que isto acontece? É possível reverter os efeitos desta união e evitar o aparecimento de cancro do fígado, questiona o online publico.pt.
São estas respostas que João Tavanez e Celso Cunha, que coordenam a investigação, procuram desde 2013/2014. O grupo já fez uma descoberta importante: o vírus D interfere no splicing (processo de selecção e junção de fragmentos de ARN que dão origem a uma nova sequência que irá resultar numa nova proteína da célula). As proteínas são um dos principais actores do funcionamento normal das nossas células e erros na sua formação podem originar diversas doenças, incluindo cancro. Têm dois artigos científicos em preparação que até ao final do ano serão submetidos a duas revistas internacionais.
“O que vimos é que o genoma do vírus D interage com um factor que regula o splicing do hospedeiro. É como se estivesse a roubar um factor de splicing que deixa de estar disponível para os nossos genes. Quando infectamos as células com o vírus D vão existir padrões de splicing alterados em vários genes da célula. Alguns desses genes estão envolvidos no controlo do ciclo de divisão celular”, explica João Tavanez. “O cancro é uma doença de falhas no controlo da divisão celular”, acrescenta Celso Cunha, dizendo que “isto pode ser uma das possíveis ligações entre o vírus D e o cancro”.
O objectivo agora, refere João Tavanez, é “saber quais as alterações de splicingque o vírus D provoca em todos os nossos genes e, dessas, quais as que têm potencial de dar origem a um cancro”. “Se conseguirmos, queremos desenvolver metodologias que revertam esta situação e possam ser usadas como potenciais novas abordagens terapêuticas.” O grupo quer agora passar para o campo clínico e já estabeleceu uma colaboração com um hospital da grande Lisboa para receber amostras de doentes co-infectados.
Por que é esta investigação tão importante? “Sabemos que nem todos os doentes cronicamente infectados com vírus B desenvolvem cancro do fígado, apenas uma pequena percentagem evolui para esta situação. Mas, quando há superinfecção com o vírus D, cerca de 60% dos doentes evoluem para cancro”, explica Celso Cunha, que acrescenta que “no caso de uma pessoa infectada com vírus B o desenvolvimento do cancro pode levar oito a dez anos, se for co-infectado com o D o desenvolvimento cancro é mais rápido e cerca de dez vezes mais frequente”.
De acordo com o mesmo site, depois de receberem uma menção honrosa da empresa farmacêutica Janssen, conseguiram agora um financiamento de 238 mil euros da Fundação para a Ciência e a Tecnologia para os próximos três anos de investigação.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 870 de 01 de Agosto de 2018.