Pode a actividade de um cérebro ser restabelecida depois da morte? Por agora, uma equipa de cientistas nos Estados Unidos e em Itália conseguiu restabelecer algumas actividades celulares e circulatórias no cérebro de porcos quatro horas depois da sua morte e durante seis horas. É a primeira vez que foi possível restabelecer estas funções num cérebro grande e intacto. Publicado quarta-feira passada na revista Nature, este trabalho pode originar um novo modelo experimental para estudar o cérebro após a morte.
A equipa desenvolveu um sistema de perfusão (uma máquina) para imitar os sistemas de órgãos presentes no corpo, o BrainEx. Depois, criou-se uma solução (que circula dentro da máquina e é bombeada para o cérebro) para permitir tanto a paragem dos mecanismos que levam à morte celular como a recuperação de várias funções celulares depois de um longo intervalo de falta de oxigénio.
“Para isso, em colaboração com a empresa HBO2, desenvolvemos uma substância sintética semelhante ao sangue que é baseada numa solução rica em hemoglobina”, explica o português André Sousa, da Faculdade de Medicina de Yale (EUA) e um dos autores do artigo, citado pelo jornal Público.
“Esta solução não contém células, não tem substâncias coagulantes e é suplementada com diversos agentes que protegem as células e bloqueiam a actividade neuronal.” Por fim, desenvolveu-se uma nova técnica cirúrgica para isolar o cérebro e ligar a sua parte vascular à máquina.
“Usando esta tecnologia [o BrainEx], fomos capazes de manter a circulação ex vivo por seis horas em cérebros relativamente grandes de mamíferos quatro horas após a sua morte”, conclui André Sousa sobre os resultados, que já tinham sido apresentados numa conferência em Bethesda (EUA) em Março de 2018. Ao todo, restabeleceu-se a actividade celular em 32 cérebros de porcos domésticos(Sus crofa domesticus) obtidos em instalações da indústria alimentar.
Não é um cérebro vivo
“É a primeira vez que se reporta que é possível restabelecer funções celulares num cérebro grande e intacto quatro horas após a morte e a uma temperatura fisiológica (37 graus Celsius)”, diz o cientista, que participou na análise histológica dos cérebros após a perfusão e na comparação com cérebros de grupos de controlo.
Segundo André Sousa, esta tecnologia, o BrainEx, ainda está a dar os primeiros passos e não pode ser ainda aplicada em humanos. Para o cientista tem de haver uma “discussão séria sobre se esta tecnologia deverá ser ou não aplicada em cérebros humanos.” “De qualquer forma, esta aplicação terá de ser feita de acordo com uma aplicação estrita dos princípios éticos e procedimentos protocolares necessários à sua implementação”, esclarece.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 908 de 24 de Abril de 2019.