No Conservatório Ol Pejeta, no Quénia, o aparecimento de formigas-cabeçudas (Pheidole megacephala) está a mudar o ecossistema e a alterar as estratégias de caça dos leões.
Este fenómeno, detalhado num estudo publicado na revista Science esta quinta-feira passada, demonstra os efeitos em cadeia de uma espécie invasora em todo um ecossistema.
As Pheidole megacephala, espécie africana de pequenas, mas influentes formigas, perturbaram o equilíbrio ao superarem em competição as formigas acácias nativas do género Crematogaster.
Estas formigas nativas, conta o site zap.aeiou.pt, têm uma relação simbiótica com a espinhosa-de-assobio, (Vachellia drepanolobium), uma árvore comum na savana.
As Vachellia drepanolobium protegem as árvores dos elefantes, garantindo uma maior cobertura arbórea dos territórios de caça dos leões — um factor crucial para os seus métodos de caça.
A invasão das formigas-cabeçudas não é única no Quénia. Estas formigas causaram perturbações ecológicas na Austrália e em todo o Pacífico, incluindo as Ilhas Havaianas.
“O enorme impacto destas formigas é surpreendente”, diz à Scientific American Douglas Kamaru, investigador da Universidade de Wyoming e coautor do estudo. “E tudo começa com estas pequenas, minúsculas formigazinhas. Não subestimem estes bichinhos”.
Observações anteriores já tinham mostrado haver um declínio nas árvores espinhosas-de-assobio nos locais onde as formigas-cabeçudas prevaleciam.
Num estudo independente, publicado em 2019 na Ecology, uma outra equipa de investigadores tinha descoberto que o sucesso de caça dos leões aumentava com mais cobertura arbórea, uma vez que estes usam as árvores para preparar as suas emboscadas.
No novo estudo, a equipa de Kamaru tentou perceber se a invasão de formigas tinha afectado as práticas de caça dos leões – sabendo que os ecossistemas são complexos, com muitas espécies interligadas.
O estudo envolveu o rastreamento de seis grupos de leões com coleiras GPS no Conservatório Ol Pejeta, tendo sido analisados os locais de caça, categorizados em função da sua cobertura arbórea em relação com a presença de formigas e de presas disponíveis para caça.
Os investigadores usaram um método computacional designado “nested path analysis” para analisar então a influência de vários fatores nas taxas de abate de zebras. Em áreas com invasões de formigas, descobriram os investigadores, havia menos cobertura de árvores — e uma consequente diminuição no abate de zebras.
O estudo permitiu mostrar também que os leões estão a adaptar-se a estas mudanças: nas zonas em que a escassez de cobertura arbórea dificulta a caça à zebra por emboscada, os felinos começaram a caçar búfalos africanos — uma presa mais desafiadora, que requer táticas de caça cooperativa.
Assim, apesar da invasão de formigas, a população de leões manteve-se estável. Tal como sustenta Darwin, a Lei da Selva não é a do mais forte, mas a do que se adapta melhor.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1157 de 31 de Janeiro de 2024.