Vivemos numa era em que os algoritmos sabem o que vamos fazer mesmo antes de decidirmos. A IA tornou-se a lente silenciosa através da qual consumimos informação, entramos nas redes sociais e até escolhemos com quem interagir.
Parece exagero? Então pensa: quantas das tuas decisões recentes foram influenciadas por uma notificação, uma sugestão ou uma “coincidência” digital?
Sempre que faço essa pergunta, a resposta vem quase automática:
“Eu? Nada influenciável.”
Será mesmo?
É uma nova forma de proximidade digital — um fenómeno onde a tecnologia se integra tanto na nossa rotina, hábitos e padrões de comportamento, que parece conhecer-nos melhor do que nós mesmos.
Aquilo que vemos, pensamos ou desejamos já não surge apenas da nossa vontade, mas de sugestões moldadas por algoritmos treinados para prever o nosso próximo clique.
A fronteira entre o útil e o invasivo tornou-se quase imperceptível.A promessa de conexão tornou-se, em muitos casos, uma prática de vigilância disfarçada de conveniência. E isso tem consequências reais na saúde mental, nos padrões de consumo e na forma como interagimos socialmente.
Como mestranda em Transformação Digital e profissional da comunicação e marketing, uso IA todos os dias. Ela ajuda-me a personalizar conteúdos, segmentar públicos e prever determinados comportamentos. Mas é também uma ferramenta que nos observa, arquiva e analisa.
A nossa presença online é constantemente filtrada por sistemas que decidem o que devemos ver, consumir ou sentir a qualquer hora e momento. Isso molda a forma como nos relacionamos com o mundo — e connosco.
E embora a IA possa facilitar muitas tarefas, a sua interferência na nossa intimidade emocional e social é uma questão que precisa de debate urgente.
Como disse Edward Snowden; “Privacidade não é sobre ter algo a esconder. É sobre ter algo para proteger. E esse algo é quem você é. É algo em que você acredita. É quem você quer se tornar. Privacidade é o direito de si mesmo. É o que lhe permite compartilhar com o mundo quem você é nos seus próprios termos.”
Em Cabo Verde, ainda estamos a dar os primeiros passos no debate sobre ética digital, o uso consciente de redes sociais e segurança de dados. Mas já é tempo de envolver mais vozes — especialmente femininas — nessa construção.
Não podemos permitir que as mulheres fiquem de fora da criação e da regulação destas tecnologias.
A tecnologia deve servir as pessoas, não manipulá-las. E só com diversidade, educação digital e consciência crítica é que conseguiremos garantir um futuro digital mais justo, seguro e humano.
Ainda que o progresso tecnológico pareça inevitável, o modo como o vivemos e moldamos depende de escolhas conscientes.
Será que queremos continuar a delegar os nossos desejos, preferências e relações a sistemas opacos que operam sem o nosso consentimento informado?
A intimidade já não é apenas emocional ou física — é também algorítmica. E, por isso mesmo, exige vigilância cidadã, ética na programação e, sobretudo, inclusão na participação.
É urgente que mais mulheres estejam presentes — não só como utilizadoras passivas, mas como criadoras de soluções, legisladoras digitais, educadoras e líderes tecnológicas.
Afinal, quem desenha os algoritmos, desenha também os limites da nossa liberdade.
E se é verdade que os dados são o novo petróleo, então a nossa consciência digital é o novo poder. Que saibamos usá-lo com coragem, espírito crítico e propósito coletivo. Porque o futuro digital não se herda — constrói-se. E constrói-se com todos.
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Breve biografia da autora
Darlyn Estrela é licenciada em Gestão Comercial e Marketing pela Universidade de Cabo Verde e atualmente mestranda em Transformação Digital. Reconhecida pela Forbes Under 30 África Lusófona, destaca-se como uma das jovens profissionais mais influentes no ecossistema digital da região.
Com uma trajetória marcada pela inovação e impacto, Darlyn fundou a Destrela.mkt, uma marca especializada em estratégias digitais criativas, com foco no crescimento sustentável de negócios e empreendedores. Tem se dedicado à consultoria, mentoria e capacitação de startups, aliando a prática de mercado com uma forte base acadêmica.
Como embaixadora da governança da internet em Cabo Verde, atua também em prol da inclusão digital e segurança online, promovendo o uso consciente da tecnologia como ferramenta de transformação social e empresarial.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1232 de 9 de Julho de 2025.