Os all-inclusive afinal dão dinheiro ao país

PorJorge Montezinho,7 out 2014 0:00

Ao contrário do que é muitas vezes expresso pelo senso comum, os hotéis all-inclusive são o melhor modelo a seguir pelo turismo cabo-verdiano, diz um documento do Banco Mundial a que o Expresso das Ilhas teve acesso. Se os dividendos não são maiores, refere o mesmo estudo, isso deve-se às falhas no planeamento por parte do governo, na falta de diálogo com os privados e a constrangimentos como a falta de transportes inter-ilhas ou à inexistência de controlo de qualidade aos produtos nacionais.

 

Os resultados revelam que os all-inclusive (AIs) têm impactos económicos locais mais amplos do que aqueles geralmente atribuídos a este tipo de acomodações, incluindo o potencial de redução da pobreza, conclui o relatório intitulado Desenvolvimento do Turismo em Cabo Verde – É Altura de Abandonar o Modelo All-Inclusive?.

O mesmo documento sugere ao governo a implementação de políticas e actividades que ajudem a maximizar os benefícios económicos locais dos AIs, por exemplo, melhorando a cadeia de valor da pesca nacional, bem como através de programas que incentivem o aumento de contratação local. Mudanças no quadro institucional, incluindo a criação de um Conselho de Turismo, também podem ajudar a promover uma gestão mais coordenada do sector, fortalecer a imagem de Cabo Verde como destino turístico e melhorar o diálogo público-privado. Estas iniciativas, refere o relatório, devem ser consideradas prioridades de curto prazo. O estudo aponta ainda as Seychelles como um bom exemplo a seguir (ver caixa).

 

A evolução do turismo em Cabo Verde

Duas décadas após a Independência, a economia cabo-verdiana foi deixando de depender do sector primário, que abarcava principalmente agricultura, pesca, alguma indústria (transformadora de alimentos) e remessas. Apesar das muitas praias e do bom clima, o turismo até meados dos anos 90 restringia-se às férias dos emigrantes – um fluxo regular de aproximadamente 30 mil pessoas.

Em 1993 o governo começou a reconhecer a importância e o potencial do sector e comprou vastas parcelas de terrenos nas ilhas do Sal e Boa Vista. Foram igualmente criadas zonas de desenvolvimento turístico para encorajar o investimento estrangeiro. Em 1999, as duas ilhas tinham 20 complexos hoteleiros e os turistas chegaram aos 67 mil.

A partir de meados do ano 2000, começaram a surgir os grandes projectos hoteleiros, a maior parte deles por parte de investidores estrangeiros. A procura aumentou e chegou aos 428 mil turistas em 2011 (os últimos dados a que o estudo teve acesso). A contribuição do turismo para o PIB do país também cresceu, passando dos 5 por cento em 2000 para cerca de 20 por cento actualmente – este aumento de receitas com o turismo foi, inclusivamente, um dos principais factores que fez com que o arquipélago fosse graduado a país de rendimento médio.

O turismo cresceu com a aposta no sol, praia e mar, tendo por público-alvo os europeus ocidentais da classe média. O desenvolvimento do turismo, no geral, tendeu a favorecer projectos em larga escala (resorts all-inclusive), com as acomodações mais pequenas e mais centrais, nas cidades, a serem mais direccionadas para a população local.

O conhecimento empírico diz que este tipo de resorts (os AIs) não estabelece ligações nem se integra com a economia nacional. No entanto, empregam mão-de-obra nacional, pagam impostos, e compram alguns produtos locais.

Com a diminuição das remessas e da ajuda internacional, Cabo Verde tornou-se dependente do turismo. Apesar da crise europeia, de onde vêm a maior parte dos turistas que visitam o arquipélago, a entrada de turistas cresceu 6,7 por cento em 2008, 1 por cento em 2009, 17 por cento em 2010 e 27 por cento em 2011.

As acomodações concentraram-se essencialmente nas ilhas do Sal e Boa Vista. Em 2011 havia 7901 quartos em 195 hotéis espalhados pelas nove ilhas, mas ¾ desses quartos estão no Sal e Boa Vista, ilhas que dominam 90 por cento do mercado turístico cabo-verdiano.

O turismo na Boa Vista e no Sal, por sua vez, foca-se nos AI, que têm 53 por cento dos quartos que existem no arquipélago, e calcula-se que acolham anualmente 2/3 do total de turistas que visitaram o país.

 

O impacto do turismo na economia

De acordo com o INE, o valor acrescentado pelo turismo e as actividades a ele ligadas corresponde a 20 por cento do PIB. Em média, em 2011, cada turista gastou cerca de 1.300 dólares no país. Já segundo os dados do BCV, no mesmo ano, o turismo gerou dividendos que rondam os 190 milhões de euros (quase 28 milhões de contos). Para os cofres do estado, o turismo contribui com cerca de 59 milhões de euros por ano (em impostos, taxas alfandegárias, vistos, taxas aeroportuárias). A este valor ainda deve acrescentar-se a taxa turística, criada em 2013, e que o governo espera que contribua com cerca de 5 milhões de euros por ano.

 

Empregos no sector turístico

Os censos de 2010 mostram que há 6441 empregos nos hotéis e restaurantes. A grande maioria, 87 por cento, são postos de trabalho ocupados por cabo-verdianos. Se tivermos em conta todas as ilhas, excepto a Boa Vista, 95 por cento dos trabalhadores são cabo-verdianos (na ilha das dunas esta percentagem desce para os 72 por cento). Os ordenados médios rondam os 298 euros por mês, três vezes acima do ordenado mínimo nacional.

O turismo contribui ainda com fluxos indirectos para a economia nacional – por exemplo, nos empregos dos trabalhadores que construíram os hotéis. Os gastos fora dos hotéis é que ainda não são muito elevados. Os proprietários dos AI calculam que os turistas gastam entre 7 euros e 13 euros por dia. Deste dinheiro, entre 1/3 a metade é desembolsado fora dos hotéis.

Um dos maiores impedimentos ao aumento deste gasto entre os investidores locais é que as áreas fora dos hotéis são pouco atractivas para os turistas. Há poucas opções de entretenimento e o assédio é constante. Além disso, as excursões organizadas por operadores fora das cadeias hoteleiras ficam por preços, em média, duas vezes superiores aos praticados em Marrocos, no Egipto ou na Tunísia.

 

O turismo e o combate à pobreza

A pobreza caiu significativamente desde 2000, principalmente nas ilhas onde o turismo é a maior actividade económica. Em 2000, os dados da pobreza estavam nos 37 por cento, em 2010 este valor desceu para os 27 por cento. No Sal e na Boa Vista, estas percentagens descem ainda mais, para 10 por cento e 11 por cento respectivamente (em 2000, eram de 59 por cento e 52 por cento, respectivamente). Como estas duas ilhas dependem totalmente dos AI, isto sugere que o sector do turismo, mesmo a funcionar no modelo all-inclusive, tem o potencial de elevar as populações acima dos limites de pobreza.

 

O modelo AI

A escolha do modelo de desenvolvimento turístico de Cabo Verde é também influenciada pelo limitado e caro serviço aéreo prestado pelas companhias que operam no arquipélago – TACV e TAP. Os voos charter passaram a ser essenciais e estes são geridos por grandes operadores turísticos a quem só os AIs garantem perspectivas de grande percentagem de ocupação.

Esta economia de escala criada pelos AIs abriu algumas janelas de oportunidade para os outros operadores – a maior parte de alto valor acrescentado no Sal e na Boa Vista. No entanto, surgiram poucas oportunidades para os estabelecimentos mais pequenos que procuram os operadores de viagens independentes. Um dos constrangimentos críticos é o número limitado de voos com origem nos mercados-chave. Outro dos grandes constrangimentos é o ambiente de negócios pouco propício a investimentos.

Dentro deste ambiente de negócios pobre, um dos que mais problemas criados aos pequenos investidores são os custos altos. A maior parte dos bens de consumo tem de ser importado devido à fraca capacidade produtiva da agricultura e pesca local à qual se juntam as dificuldades de transportes inter-ilhas. Os problemas aumentam porque as importações são taxadas de forma elevada nas alfândegas e os custos da água e da electricidade são elevados.

Apesar de alguns documentos criticarem os grandes hotéis do Sal e da Boa Vista pela sua pequena ligação à economia local, esta análise baseia-se em evidências empíricas. Segundo este relatório do Banco Mundial, é claro que os hotéis destas duas ilhas geram benefícios financeiros substanciais para Cabo Verde, através dos salários pagos aos empregados nacionais e através dos impostos.

Por outro lado, apesar dos quartos de hotéis no Fogo e Santo Antão estarem mais ligados às economias locais, os benefícios financeiros são muito menores. Em termos de comparação, no Fogo e em Santo Antão os benefícios locais por quarto e por dia fica nos 14 euros, valor que sobe para os 67 euros no Sal e na Boa Vista.

 

Futuro

Os peritos do Banco Mundial afirmam ser importante que os actores políticos reconheçam a profunda importância dos AIs na economia cabo-verdiana. O modelo certo de desenvolvimento de AIs, dizem, pode gerar um montante significativo de benefícios locais e inclusive contribui para combater a pobreza. É importante também, sublinham, que os governantes não entrem em políticas que possam alienar os AIs. Manter relações fortes e um diálogo activo com os grandes operadores é vital.

No entanto, os operadores queixaram-se da falta de capacidade da Direcção Geral de Turismo em gerir o sector e consideram que há negligência por parte dos responsáveis do turismo na relação com os grandes investidores privados. Outra das questões que afectam a gestão do sector é a continuada falta de dados, essenciais para a formulação de qualquer política (Cabo Verde é aliás o 111º país, em 140, no fórum económico mundial quando se trata de análise de dados sobre turismo).

 

O modelo turístico das Seychelles

Na década de 90 do século passado, as Seychelles tornaram-se na metáfora mais identificada com o paraíso do Oceano Índico. O turismo de luxo impôs o arquipélago como sinónimo de destino exótico recomendável para casamentos e luas-de-mel. As 115 ilhas permitem-lhe ao turista o capricho de ter uma praia só para ele: as ilhas-hotel, algumas das quais de inexcedível qualidade e localização, combinam o melhor do luxo com o remoto e o isolamento de um Robinson Crusoe barbeado e de cocktail na mão junto à piscina ou sozinho na praia.

São, regra geral, pequenas ilhas nas quais nada mais existe para além de um luxuoso e requintado resort, com todo o conforto que se possa imaginar, atendimento personalizado e preços correspondentes. Ou seja, bem altos-

A exploração comercial destas unidades hoteleiras é obtida mediante concessão atribuída pelo Estado, que obriga a que todos estes projectos não ignorem que o ecoturismo é o cartão de apresentação do país. Ecoturismo de luxo, com serviços de qualidade e rápidas ligações entre ilhas (de avião, helicóptero ou de barco) é o argumento para conquistar o mercado europeu, em particular a indústria turística francesa, italiana, alemã e inglesa. A desabitada Bird Island, paraíso da observação de pássaros, alguns dos quais de grande raridade, a ilha de Aldabra, com a sua gigantesca população de 150 mil tartarugas (que chegam a atingir 300 anos de vida) ou o Vallée de Mai, um tesouro botânico classificado como Património Mundial da Humanidade em 1983, onde se encontram as mais antigas árvores de coco do mar, são outros exemplos de como o ecoturismo se tornou no principal capital do arquipélago.

As Seychelles são dos melhores locais do planeta para quem quer dedicar-se ao triângulo sol-praia-não fazer nada. Lá, a natureza e o descanso impõem silêncio e a oferta turística resume-se ao luxo das praias e dos hotéis e de uma competente rede de transportes.

As tarifas aéreas têm vindo a baixar, consequência da concorrência e do facto de a Air Seychelles ter multiplicado a sua frota e estabelecido ligações aéreas entre Mahé e Praslin e várias cidades da Europa, o que faz com se torne um destino mais acessível. Um efeito visível dessa política? O surgimento de pequenos hotéis com condições e preços mais modestos, explorados por nacionais.

Este indicador não significa que o Governo das Seychelles quer acabar com o carácter elitista do turismo do arquipélago, até porque muitos outros empreendimentos de luxo estão em fase adiantada de construção, sobretudo em Mahé e Praslin. As praias praticamente vazias são uma imagem de marca que o turismo das Seychelles pretende preservar do turismo massificado, num exercício híbrido que combina uma presença forte do Estado com o desejo de captação de investimento privado.

Praia e Sol é um dos paraísos, o principal. Os outros dois são a pesca industrial, que tem infindáveis recursos e os “offshores” cuja constituição é fortemente incentivada pelo Governo de Victoria. E para estes paraísos fiscais contribuem argumentos de estabilidade política e económica.

As Seychelles foram a primeira nação africana a introduzir tratamentos anti-retrovirais para o combate ao HIV; a luta contra a violência de género é mencionada com sendo uma preocupação. O PIB per capita dos 85 mil habitantes do país é mais elevado do que o das Maurícias ou da África do Sul. A educação é gratuita e a esperança de vida é superior à da maior parte dos outros países do continente africano. A indústria do turismo, bem mais do que a da pesca ou a dos “offeshores”, é responsável por este quadro de pleno emprego.

O grande património das Seychelles está no mar ou nas ilhas mais distantes. Mas, quem não pretende apenas praia, tem um infatigável menu de propostas de ocupação do tempo: spa, golfe, pesca desportiva e todo o tipo de desportos náuticos, “snorkeling”, mergulho ou passeios pedestres ou de bicicleta.

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Autoria:Jorge Montezinho,7 out 2014 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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