Fragmentos da vida de uma Primeira-dama
Lígia Arcângela Lubrino Dias nasceu a 24 de Agosto de 1963, na Beira. Filha de Canta Dias e do advogado Máximo Dias, foi nessa cidade do centro de Moçambique que passou a infância. Contudo, ventos políticos obrigavam à mudança. O seu país, tal como muitos outros em África, atravessava naquela altura um período conturbado. Com a chegada da FRELIMO ao poder instituiu-se o regime de partido único, que não admitia divergências. O seu pai era – ainda é – um político activo, que em confronto com o regime de Samora Machel e da FRELIMO se viu obrigado a levar a família para Portugal, onde fundaria o Movimento Nacionalista Moçambicano (Monamo).
Lígia Dias tinha 13 anos. E, como se costuma dizer, saiu de Moçambique, mas o país não saiu dela. O exílio era para a então adolescente um período provisório. Cada dia era vivido a pensar no momento em que regressaria.
“Mas as condições não se proporcionaram”, conta. Os dias tornaram-se meses, os meses, anos. Quando chegou a altura de escolher um curso, optou por seguir Direito e entrou na Faculdade de Direito de Lisboa. Foi aí, que conheceu aquele que seria seu marido, Jorge Carlos Fonseca.
“Estava no final do meu curso e ele era meu professor na faculdade”, recorda. Em 1989 casaram. A vida e os projectos do esposo levaram-na a outras paragens lusófonas. Desta vez Macau. Jorge Carlos Fonseca havia sido convidado para montar e dirigir o curso de Direito em Macau, que estava a ser instalado pela Faculdade de Direito de Lisboa juntamente com a Universidade local.
Desta vez, a estadia foi curta. Pouco tempo após a sua chegada deu-se a abertura política em Cabo Verde e Jorge Carlos Fonseca quis “imediatamente” regressar.
Lígia Dias, agora Lígia Dias Fonseca abraçou esta vontade com expectativa e sem receio. Não conhecia ninguém no arquipélago, mas Cabo Verde significava para si o tão esperado regresso a África.
“Não era o regressar a Moçambique, mas era o regressar a África”, e isso animava-a.
À chegada deparou-se com uma África diferente, uma paisagem que não contemplava as suas reminiscências do que era o continente, mas nem por isso a adaptação foi mais difícil.
Na realidade, foi fácil, por vários motivos. “Desde logo porque foi em Cabo Verde que comecei a minha realização profissional”, destaca. Foi aqui que começou a exercer advocacia por conta própria, com o seu escritório próprio.
Depois, pelo acolhimento afectuoso que recebeu por parte da família do marido. “Acolheram-me como uma filha. Não posso pensar como poderia ser melhor”. E de entre estes familiares destaca a “fantástica” sogra. “Não compreendo como se pode falar mal das sogras, a minha é maravilhosa. Uma mulher muito inteligente, que sabe gerir muito bem as complicações, os humores da família. Por causa dela e dos meus cunhados foi muito fácil viver e instalar-me aqui”, revela.
Foi também aqui que começou a exercer a sua cidadania tendo estado ligada, entre outras coisas, à criação da Associação das Mulheres Juristas, da Ordem dos Advogados e da primeira escola de Direito em Cabo Verde (o Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais).
Entretanto adquiriu a nacionalidade e quando deu por si já era uma verdadeira cabo-verdiana, de papel e coração.
Ainda há pouco tempo, quando as selecções de futebol cabo-verdiana e moçambicana se defrontaram, foi questionada por várias pessoas sobre por quem iria torcer. Respondeu: “mas alguém pergunta a uma mãe ou a um pai de que filho gosta mais? Ou perguntam a um filho se gosta mais da mãe ou de um pai? Há perguntas que não se fazem”.
A emoção dos pequenos passos
Há perguntas que não se fazem, mas objectivamente falando, ao fim de tantos anos a viver em Cabo Verde, as ligações a este país são maiores do que a qualquer outra parte do mundo.
“Conheço a maneira de estar, os problemas, as realizações deste país”. E emociona-se com cada passo que este pequeno arquipélago dá. Dos grandes avanços aos mais pequenos, Lígia Dias Fonseca vive intensamente cada passo do desenvolvimento deste país.
“É como quando os nossos filhos dão os primeiros passos. Em todo o mundo, em todos os séculos, as pessoas dão o primeiro passo, mas o dos nossos filhos é único”, compara.
Pequenos grandes passos como o da chegada do Fast Ferry Kriola. Nesse dia, recorda, estava na sua casa – onde continuam a viver mesmo após a tomada de posse de Jorge Carlos Fonseca – e viu do alto do quarto-andar, chegar a embarcação. Emocionou-se, “por saber o que isso ia representar para a Brava e para o Fogo”.
E como este há outros exemplos. Uns maiores, outros menores mas de importante repercussão.
“É um país cheio de dificuldades e todas estas realizações significam que se pensa, que se canalizam recursos, que se fazem opções a pensar nas pessoas. Todas as opções feitas a pensar verdadeiramente nas pessoas e não no que se pode ganhar com as pessoas, são realizações que vale a pena serem feitas”, comove-se.
A vida de todos os dias
Em 2011, Lígia Dias Fonseca tornou-se Primeira-dama, após a vitória do seu marido nas eleições presidenciais, um cargo que assumiu fazendo também seu o lema de Jorge Carlos Fonseca: “Junto das pessoas” e para as pessoas, por um verdadeiro e avançado Estado de Direito Democrático.
Hoje, os seus dias são passados a gerir o dia-a-dia da sua família e a ouvir os problemas dos outros. Seja através das solicitações que lhe chegam enquanto Primeira-dama, seja no exercício da sua profissão de advogada.
“Como advogada sou confrontada diariamente com imensos problemas, alguns problemas humanos que são muito muito sérios. Não é dizer que são graves, mas são sérios porque deixam famílias completamente desorientadas”. A estes problemas, juntam-se o dos cidadãos e cidadãs que lhe pedem atenção em relação a problemas de índole pessoal ou social.
E por vezes há necessidade de parar, sentar-se e alhear-se um pouco da realidade. Recuperar energias físicas e emocionais. O cinema é seu grande escape.
Aquele momento, “em que o dia terminou, a minha filha já está a dormir, o Jorge está a ler ou está na internet e eu estou tranquilamente” sentada, em frente à televisão “a ver um bom filme”, é um prazer. Mas não o único.
Passear e conhecer novos lugares, seja no exterior seja no país, é outro hobby da primeira-dama. Seja um restaurante, seja uma barragem, seja qualquer outro local. De preferência acompanhada pela filha e outros miúdos, em cujo olhar procura (re)ver o brilho de descobrir algo novo.
Pequenos momentos de lazer, numa vida preenchida pelas diversas actividades exigidas pelas diferentes facetas de Lígia Dias Fonseca, mulher, mãe, advogada e Primeira-dama de Cabo Verde.