Lígia Dias Fonseca, Primeira-dama de Cabo Verde: “As Primeiras-damas têm uma posição que não pode ser desperdiçada”

PorSara Almeida,18 nov 2014 0:00

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Lígia Dias Fonseca, Primeira-dama de Cabo Verde, assume-se, acima de tudo, como uma confidente atenta e preocupada dos cabo-verdianos e cabo-verdianas que a procuram, na expectativa de uma intervenção ou simples aconselhamento. Desemprego e violência, particularmente a violência sexual, são problemas recorrentemente apontados. Em entrevista ao Expresso das ilhas, fala-nos destas problemáticas, às quais se junta a necessidade uma maior protecção das famílias. Em sintonia com o marido, sempre “junto das pessoas”, Lígia Dias Fonseca faz ainda um balanço destes três anos, dos desafios enfrentados, dos momentos mais marcantes e das acções desenvolvidas em prol das gentes de Cabo Verde, essas “pessoas de esperança que nos fazem acreditar que podemos melhorar”.

 

Três anos como Primeira-dama. O que mudou na vida de Lígia Dias Fonseca?

Fiquei com menos tempo (risos). Continuei a fazer as actividades que tinha antes: continuo com o meu escritório, tenho os meus compromissos, os meus deveres familiares. A essas actividades, que já não eram poucas, acresceram agora as actividades no âmbito da Presidência. Continuo também a ir aos mesmos sítios. Em termos de segurança, no princípio foi um pouco difícil. Não fazia muito sentido para mim que os locais que sempre frequentei agora passasse a frequentar acompanhada por seguranças. Fazia-me confusão, porém assim é imposto e tive de começar a respeitar as regras de cada situação. Desde que não interfiram no meu contacto com as pessoas… mas os seguranças que andam comigo já sabem qual é que é o meu estilo, como nós somos, como é com a minha família e mantêm sempre uma discrição muito grande e distância suficiente para cumprirem as suas obrigações e nos permitirem ter a mesma liberdade de movimento que tínhamos antes. Não me sinto condicionada.

 

E as pessoas, na relação que têm consigo. Ficam intimidadas, ao abordá-la, por ser a Primeira-dama?

Notei que há realmente um certo receio. Reparo muitas vezes que querem aproximar-se e não sabem se podem. As pessoas pensam, ‘ela agora já não é a Lígia, ou já não é a doutora Lígia, é a Primeira-dama’, mas quando falam comigo, quando eu olho para elas, percebem que continuo a ser mesma pessoa que conheceram e quebra-se o receio de aproximação.É esta a minha maneira de ser, e cabe-me a mim acabar com esse receio. Não quero que as pessoas se afastem de mim. Não posso pensar que pelo facto do meu marido ser o Presidente da República, as pessoas se sintam intimidadas. Naturalmente há regras de segurança, muitas vezes nós queremos passar por cima delas e não podemos, mas de um modo geral tudo continua a ser como era antes. Em alguns aspectos até houve um aumento da aproximação. Por exemplo, às vezes estamos sentados ou os dois, eu e o meu marido, ou com a nossa filha, e as pessoas aproximam-se porque querem uma fotografia, ou por qualquer outra razão. Entendemos que é por simpatia, porque gostam do Presidente da República e isso deixa-nos contentes. Aliás, não é por acaso que um estudo recente a que tive acesso mostra que os níveis de simpatia, de confiança, depositados no Presidente da República são muito altos. Isso resulta dessa proximidade.

 

O seu marido tem assumidamente como bandeira ser um “Presidente junto das pessoas”. Este é também o seu lema?

Nós, eu e a nossa família, sempre fomos muito próximos das pessoas, nunca estabelecemos barreiras de contacto. Já era assim e continua a ser. No meu caso,mesmo no âmbito da minha profissão de advogada, as pessoas sempre me abordaram na rua por uma ou outra questão e muitas vezes até só para cumprimentar. Mas não só na rua. Quando precisam de falar comigo utilizam diferentes canais: através do meu telefone ou telemóvel (eu mantive o mesmo número que sempre tive), através do Facebook, onde eu tenho um perfil, através do e-mail, procuram-me no meu escritório, ou mandam recados por outras pessoas. Há imensas formas utilizadas para entrar em contacto comigo. Há também pessoas que que solicitam entrevistas aqui na Presidência. Muitas vezes converso com as pessoas sem sequer chegar a conhecê-las pessoalmente. Por exemplo, mandam mensagens através do Facebook, expõem o assunto e se são assuntos sobre os quais eu posso emitir logo uma opinião e dar um conselho, faço-o imediatamente. As pessoas olham para a Primeira-dama e sentem que esta é um porto de abrigo, um farol, quando precisam de uma ajuda, de um apoio. E esse é um trabalho que comecei a desenvolver a partir da altura em que o meu marido tomou posse como Presidente da República.

 

Nessas “audiências”, formais ou informais, que preocupações lhe trazem os e as cabo-verdianos/as?

O grande problema é sempre a questão do desemprego. É uma constante nestes três anos, e têm vindo a aumentar os casos que nos chegam. São casos que têm a ver com a situação de desemprego dos jovens, que terminam o curso, fazem estágio, mas depois não arranjam emprego. Ou de pais que nos procuram porque estão desempregados e não têm possibilidades de pagar os estudos ou sustentar os filhos. Há muitas jovens mulheres nesta situação, mulheres que têm a seu cargo os filhos, que muitas vezes investiram na sua formação e não têm emprego. Falo muitas vezes com o Presidente da República sobre esta situação, porque quando estas questões me são colocadas, naturalmente, eu discuto-as também com o Presidente. O desemprego é o grande problema e por isso é a nossa maior preocupação. Tentamos fazer contactos com empresas que conhecemos, tentamos desenvolver algumas ideias de negócios que possam ser desenvolvidas por estas pessoas que nos procuram, procuramos dar sempre uma solução, mas definitivamente, este é o grande problema. O desemprego surge aliado a um outro problema que tem a ver com a violência,em particular a violência sexual, contra as mulheres e contra as crianças. Tenho sido por várias vezes abordada e têm pedido a minha intervenção. Tenho estado em contacto com entidades que trabalham nesta matéria, nomeadamente o ICIEG, no sentido de trabalhar juntamente com elas num plano de acção que ajude a combater esta situação.

 

A percepção dos problemas que Cabo Verde enfrenta chega-lhe, pois, através desse contacto com as pessoas?

Daquilo que eu vejo e que se confirma através das informações que as pessoas me trazem, dos pedidos de ajuda, e dos apelos que me fazem, exigindo uma maior intervenção minha em determinados assuntos, muito especificamente nesta questão do desemprego e nesta questão da violência, da segurança. Repare que,quanto à questão da segurança, ao aumento da criminalidade, este problema é mais grave para as mulheres. Há pouco tempo uma jovem estudante, a caminho da sua casa depois das aulas, foi morta num assalto. Há muitas jovens mulheres que estudam em horário pós-laboral. Trabalham durante o dia e vão para a escola no horário pós-laboral, e a hora de regresso às suas casas é à noite. E muitas vezes são pessoas que vivem em locais com menos luz, mais desertos ou com um grande aglomerado de habitações, o que acaba por condicionar a visibilidade. Locais onde há mais insegurança.O perigo que estas jovens correm é muito maior. Até porque, logo à partida, são a presa mais fácil: é mais fácil atacar uma mulher, do que atacar um homem. E tudo isto são preocupações que vêm tendo uma dimensão que não pode continuar, temos mesmo de encontrar medidas para prevenir estes casos. Se olharmos com atenção todas estas questões de que falei estão interligadas. É o desemprego que leva muitos jovens a entrarem em acções ilícitas, a entrarem em grupos, o que os leva a cometer actos que, se calhar, nem eles pensavam que podiam cometer. Atacar firmemente o desemprego, criar oportunidades para os jovens é um passo importante para podermos ter mais segurança, para acabar com a criminalidade. Naturalmente, não é o único, mas é um passo importante.

 

Não tendo uma varinha de condão, e tentando mostrar qual o papel de uma Primeira-dama, o que pode fazer para ajudar a resolver esses problemas de que falou?

Num encontro que tivemos nos EUA, promovido pela Primeira-dama [Michelle Obama] em conjunto com a anterior Primeira-dama, a senhora Laura Bush, a propósito da Cimeira EUA/África [que decorreu de 4 a 6 de Agosto de 2014], o painel mais importante tinha como intuito mostrar e reforçar o papel que as Primeiras-damas têm no desenvolvimento do trabalho dos maridos. Ou seja, nós ocupamos uma posição, que não pode ser desperdiçada. Temos obrigações. Como estamospróximas dos presidentes, somos um veículo de informação directa ao Presidente da República. E as pessoas olham para a Primeira-dama e esperam encontrar soluções, esperam encontrar exemplos, esperam encontrar ideias. Não podemos negar este papel que temos. Isto para dizer o seguinte: não tenho uma varinha de condão, infelizmente, mas temos uma coisa importante, temos sensibilidade, temos família, estamos inseridos numa sociedade. E saber escutar o que as pessoas dizem, fazer chegar estas preocupações ao Presidente da República e ao seu gabinete, é uma forma de chamar a atenção para estas preocupações. No meu perfil no Facebook, recorrentemente recebo comentários de pessoas que dizem ter ficado mais tranquilas porque a Primeira-dama está preocupada com determinado assunto. Ou seja, o facto de saber que é um assunto ao qual estou atenta e sobre o qual manifestei preocupação, já deixa as pessoas mais tranquilas. Há esta expectativa das pessoas e temos de ajudar. Se eu acompanho o meu marido numa viagem ao exterior, em contacto com as organizações das Primeiras-Damas, com outras fundações, se eu estou empenhada no meu papel, eu sei quais são os problemas do meu país, eu sei quais são as necessidades e eu sei como falar com essas intuições de forma a trazer para Cabo Verde ajudas, ideias, mostrar o que nós fazemos. Não se pode passar ao lado disto. Por outro lado, às vezes as pessoas precisam é de conversar com alguém em quem confiem, que as oriente. Já acontece muito isso na minha profissão de advogada. A maior parte das vezes, quando as pessoas procuram uma advogada é porque têm um problema e precisam de uma solução. Nem sempre a solução de que precisam é uma solução jurídica, uma solução de tribunal. Às vezes basta apenas conversar. Trazem um problema e estão tão afectadas por esse problema que precisam é de alguém com tempo, ou experiência de vida, ou bom senso, que ajude a ver qual é o caminho a seguir. Esse é um trabalho que eu tenho feito muito. Mas eu só posso ajudar um jovem, só posso falar com uma mãe de família, só posso falar com um casal, se souber o que é a vida, se souber em que país é que estamos, quais as dificuldades que o país enfrenta e quais são os recursos. E nós temos alguns, não vou dizer muitos, mas temos recursos que não utilizamos. Quando eu vejo os gabinetes das outras Primeiras-damas que vou conhecendo, com um staff enorme, geralmente constituído por pessoas muito jovens, eu fico a reflectir nisso. As nossas universidades formam muita gente, e embora o Orçamento de Estado não permita muitas contratações, se calhar,talvez fosse boa ideia começar a utilizar este grande recurso. Trazer esses jovens que têm vontade de trabalhar para trabalharem connosco, no gabinete do Presidente da República, no meu, nos gabinetes dos ministros… Talvez devêssemos pensar se não seria bom canalizarmos mais recursos nesse sentido. É importante absorver um pouco destes Recursos Humanos que estamos a formar e que depois não utilizamos.

 

Isso leva-nos de volta à questão do desemprego. Voltando, assim, às grandes preocupações, além das já referidas, há mais alguma questão que mereça a sua especial atenção?

Há mais uma grande questão, que está ligada com todas as outras, e que é a protecção da família, dos valores da família. A nossa sociedade cabo-verdiana começa a não ter tempo para se dedicar à família. Não pode ser. Nós temos vários instrumentos legais de protecção da família, nomeadamente o Código Civil, a Constituição da República e a Resolução 14/2012 (Plano Nacional de Acção para a Promoção e Desenvolvimento da Família Cabo-Verdiana). Mas é preciso que quando aprovamos outros instrumentos legais, quando criamos determinados projectos, quando pensamos em determinados assuntos, tenhamos sempre presente esta necessidade de proteger a família. Quando se pega no Código Laboral, e se diz que temos de fazer uma revisão desse códig, porque isso é importante para aumentar a produtividade das nossas empresas, eu concordo. Porém, não podemos esquecer que no aumento da produtividade das nossas empresas, no melhoramento da economia, não podemos prejudicar as famílias. Não podemos criar situações em que os filhos cresçam sozinhos em casa. Então, temos de ter o cuidado de trabalhar em regras que contribuam para o desenvolvimento económico, mas que ao mesmo tempo protejam a família. É conciliável. Poderemos, por exemplo, ter horários menos rígidos, com possibilidade de exercer algum do trabalho em casa, contribuindo para que as famílias possam ter mais tempo juntas. Mais, estamos a contribuir para que as mulheres se possam dedicar mais ao trabalho. Na revisão do código laboral pode-se reflectir sobre estas situações, sem prejuízo da produtividade. Por outro lado, também devemos darcondições ou benefíciospara as empresas que criem infra-estruturas ou equipamentos sociais nesse sentido.Isto tem grandes resultados económicos para o país, como foi demonstrado, por exemplo, numa experiência interessantíssima que eu conheci quando visitei a ilha do Sal. Um estabelecimento hoteleiro criou umoberçário, o que permite às mães levarem os filhos para as instalações do hotel e continuarem a amamentar. Ora, é sabido que as crianças devem ser alimentadas com leite materno pelo menos até aos seis meses. É um grande benefício para a sua saúde, e evita que se gastem recursos com médicos, medicamentos, com ausências do trabalho por parte da mãe ou do pai (geralmente é a mãe). A directora do Hospital dizia que, graças a esta experiência que já tem três anos,átinha reparado que havia menos crianças,com menos de seis meses, a irem ao hospital. Se queremos promover o bem-estar das nossas crianças, temos que pensar nestes aspectos. Nós não abrimos mão da nossa responsabilidade de mães. Eu costumo dizer que a nossa luta para a equidade e igualdade de oportunidades, não quer dizer que queiramos prescindir das nossas responsabilidades de mães. Não queremos. Mas queremos que sejam criadas as condições para que possamos continuar a exercer o nosso papel de mães e a desenvolver as nossas capacidades profissionais, políticas, culturais, ou outras.

 

Fazendo agora uma retrospectiva. Nestes três anos, quais os momentos ou eventos que mais a marcaram?

Não é uma pergunta difícil de responder. Para mim, posso dizer que o momento mais marcante nestes três anos foi, efectivamente, a visita que fizemos ao Papa Francisco. Foi um momento único, muito especial. Vemos opPapa Francisco na Comunicação Social e é aquela pessoa muito humana, muito próxima. E quando estamos frente-a-frente, ele é realmente isso. Foi bom poder estar com ele, poder pedir pelo povo cabo-verdiano. Tive a oportunidade de levar a minha filha e a forma como o papa Francisco falou com a Rita foi marcante. Acima de tudo, foi um momento marcante porque ele conhecia Cabo Verde e recebeu as nossas mensagens, com carinho, como se fosse de pessoas com quem já tivesse estado. E foi importante també, porque quando voltamos e falávamos às pessoas desta visita, as pessoas sentiam-se felizes e contentes, pela mensagem que levámos e pela mensagem que trouxemos. É muito bom quando sentimos que, apesar de sermos um país pequeno e com poucos recursos, não deixamos de estar ao nível de todos os grandes países. E tenho sentido isto nas viagens, nos locais onde vou. Quando estivemos no CAN, na África do Sul -o futebol mexe com todo o mundo e todo o mundo fala de futebol  - foi interessante ver que quando chegamos pensava-se que ia ser um jogo entre a grande África do Sul e um Cabo Verde,  ´pequenino, tão simpático’, mas, no dia seguinte, percebia-se o respeito e admiração que as pessoas tinham por Cabo Verde, pelo bom jogo que teve e pelo resultado conseguido. Portanto, há estas diversas formas de mostrarmos que somos um grande país e isso é bom.

 

E quais os principais desafios que encontrou nestes três anos, como Primeira-dama?

O desafio de encontrar um caminho para ser útil. Existe uma ideia colectiva da sociedade da figura da Primeira-dama, mas as pessoas não sabem que não há um estatuto. Somos um Estado de Direito democrático, as coisas têm de estar na lei, mas não existe efectivamente um estatuto legal relativamente ao cônjuge do Presidente da República. Fala-se de algumas regalias em termos de apoio à própria pessoa, mas esquecem-se desta tarefa, que o cônjuge do Chefe de Estado é chamado a desempenhar e de que, para isso, precisa de ter uma estrutura, dentro da Presidência. As pessoas, quando vêem a mulher do Presidente aparecer num evento ou até a circular na rua querem sentir orgulho, orgulho pela forma como se comporta, orgulho pela forma como se apresenta. Isto é importante, porque é como se fosse um símbolo, uma imagem do país. Só que isto exige também que a Primeira-dama tenha assessores, que tenha um gabinete, para que possa dar resposta às solicitações que lhe são feitas. Sou jurista, e portanto, quando o meu marido se candidatou a este cargo eu sabia que não existia tal estatuto. Assim sendo, não me queixo, mas digo que é importante que se trabalhe nisso. Hoje estou eu [nesta situação], como antes já estiveram outras mulheres, amanhã estarão outras Primeiras-damas ou Primeiros-cavalheiros. Eles terão as mesmas solicitações e não devemos defraudar as expectativas da sociedade. Eu podia não exercer nenhuma destas funções porque não existe nada que me obrigue a fazer isso. Ou melhor, existe: a expectativa das pessoas, e mais importante do que o que está escrito na lei é aquilo que as pessoas esperam da mulher do Presidente da República. Além disso, defendo a ideia da família que age em conjunto, ou seja, na minha família sempre tivemos projectos, cada um tem projectos pessoais e temos projectos que são conjuntos. Quando eu resolvi candidatar-me ao cargo de bastonária da Ordem dossAdvogados, o meu marido apoiou- e orientou as suas actividades de forma a que eu pudesse desempenhar as minhas funções de bastonária. Quando ele decidiu que gostaria de se candidatar à Presidência da República também falou com a família e também eu reorientei os meus projectos no sentido de assumir este projecto dele como meu. Na família, as pessoas estão a partilhar os mesmos projectos, a defender as mesmas ideias, e por isso eu tenho de ajudar.

 

Ainda é um pouco cedo para falar no fim do mandato do seu marido (quem sabe será mais do que um?), mas que legado gostaria de deixar, como quer que se recordem de si?

A minha grande preocupação quando o meu marido assumiu o cargo foi que o palácio da Presidência não fosse visto como uma coisa ‘só para alguns”. Foi que as portas se abrissem para que as pessoas entrem, porque o Presidente está lá porque o povo o escolheu. Eu gostaria que as pessoas soubessem que nesta presidência há sempre uma porta aberta para as ouvir: não interessa o conjunto, interessa cada pessoa em si. Que cada pessoa possa, em determinado momento da sua vida, projecto ou carreira, falar com o PR, se precisar. E se não consegue falar directamente com ele, porque as suas funções são imensas, que encontre na sua mulher uma porta, um caminho, para trazer as preocupações ao Chefe de Estado. Não tendo eu, como decidi, -  vamos lá ver se as coisas se mantém assim - criado nenhuma instituição, tenho trabalhado com todas as instituições que solicitam o meu apoio. E queria que fosse essa minha marca. Queria que o meu legado fosse: “Foi uma Primeira-dama que esteve sempre aberta a ouvir-nos, a ouvir a Joana, o Francisco, … que sempre que pôde abriu as portas a oportunidades para as pessoas estarem na Presidência, para conhecerem as coisas que passam por Cabo Verde” (como o meu projecto que levou as crianças de Santiago a visitar os cruzeiros). No que depender de mim, sempre que for possível vou criar oportunidades, aos mais diversos níveis. É o que dá mais prazer como Primeira-dama.

 

Para terminar. Já falámos dos maiores problemas do país. Falemos agora dos aspectos positivos. Do que mais se orgulha neste país?

É verdade que temos muitas dificuldades, é verdade que neste momento internamente temos de trabalhar muito, temos de reflectir sobre muitas opções que tomamos, mas é importante também sabermos que estas opções que nós tomamos – como a defesa dos Direitos Humanos, a preocupação com a igualdade de género ou a aposta na Educação-– estão a ser vistas pelos outros países e, através do nosso comportamento, ganhamos o respeito dos outros. Ganhar o respeito dos outros é importante porque podemos influenciar, permite que quando Cabo Verde fale, os outros escutem. Não é por acaso que na Cimeira EUA/África o presidente Obama fez elogios a Cabo Verde, à democracia cabo-verdiana. Além disso,Ttemos consciência das dificuldades que existem, mas é muito bom perceber que as pessoas são pessoas de esperança. Estamos a passar agora meses muito difíceis porqueprecisamos de chuva, que não caiu como devia cair. Recentemente, uma pessoa que tinha acabado de falar dos problemas que estava a viver, do gado que estava a morrer, de que não havia milho, toda uma situação muito má, terminou, dizendo, “mas vai chover, doutora, eu acredito que vai chover, as coisas vão melhorar”. É esta esperança que o nosso povo tem que nos faz acreditar que podemos melhorar.


Fragmentos da vida de uma Primeira-dama

Lígia Arcângela Lubrino Dias nasceu a 24 de Agosto de 1963, na Beira. Filha de Canta Dias e do advogado Máximo Dias, foi nessa cidade do centro de Moçambique que passou a infância. Contudo, ventos políticos obrigavam à mudança. O seu país, tal como muitos outros em África, atravessava naquela altura um período conturbado. Com a chegada da FRELIMO ao poder instituiu-se o regime de partido único, que não admitia divergências. O seu pai era – ainda é – um político activo, que em confronto com o regime de Samora Machel e da FRELIMO se viu obrigado a levar a família para Portugal, onde fundaria o Movimento Nacionalista Moçambicano (Monamo).

Lígia Dias tinha 13 anos. E, como se costuma dizer, saiu de Moçambique, mas o país não saiu dela. O exílio era para a então adolescente um período provisório. Cada dia era vivido a pensar no momento em que regressaria.

 “Mas as condições não se proporcionaram”, conta. Os dias tornaram-se meses, os meses, anos. Quando chegou a altura de escolher um curso, optou por seguir Direito e entrou na Faculdade de Direito de Lisboa. Foi aí, que conheceu aquele que seria seu marido, Jorge Carlos Fonseca.

“Estava no final do meu curso e ele era meu professor na faculdade”, recorda. Em 1989 casaram. A vida e os projectos do esposo levaram-na a outras paragens lusófonas. Desta vez Macau. Jorge Carlos Fonseca havia sido convidado para montar e dirigir o curso de Direito em Macau, que estava a ser instalado pela Faculdade de Direito de Lisboa juntamente com a Universidade local.

Desta vez, a estadia foi curta. Pouco tempo após a sua chegada deu-se a abertura política em Cabo Verde e Jorge Carlos Fonseca quis “imediatamente” regressar.

Lígia Dias, agora Lígia Dias Fonseca abraçou esta vontade com expectativa e sem receio. Não conhecia ninguém no arquipélago, mas Cabo Verde significava para si o tão esperado regresso a África.

“Não era o regressar a Moçambique, mas era o regressar a África”, e isso animava-a.

À chegada deparou-se com uma África diferente, uma paisagem que não contemplava as suas reminiscências do que era o continente, mas nem por isso a adaptação foi mais difícil.

Na realidade, foi fácil, por vários motivos. “Desde logo porque foi em Cabo Verde que comecei a minha realização profissional”, destaca. Foi aqui que começou a exercer advocacia por conta própria, com o seu escritório próprio.

Depois, pelo acolhimento afectuoso que recebeu por parte da família do marido. “Acolheram-me como uma filha. Não posso pensar como poderia ser melhor”. E de entre estes familiares destaca a “fantástica” sogra. “Não compreendo como se pode falar mal das sogras, a minha é maravilhosa. Uma mulher muito inteligente, que sabe gerir muito bem as complicações, os humores da família. Por causa dela e dos meus cunhados foi muito fácil viver e instalar-me aqui”, revela.

Foi também aqui que começou a exercer a sua cidadania tendo estado ligada, entre outras coisas, à criação da Associação das Mulheres Juristas, da Ordem dos Advogados e da primeira escola de Direito em Cabo Verde (o Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais).

Entretanto adquiriu a nacionalidade e quando deu por si já era uma verdadeira cabo-verdiana, de papel e coração.

Ainda há pouco tempo, quando as selecções de futebol cabo-verdiana e moçambicana se defrontaram, foi questionada por várias pessoas sobre por quem iria torcer. Respondeu: “mas alguém pergunta a uma mãe ou a um pai de que filho gosta mais? Ou perguntam a um filho se gosta mais da mãe ou de um pai? Há perguntas que não se fazem”.

 

A emoção dos pequenos passos

Há perguntas que não se fazem, mas objectivamente falando, ao fim de tantos anos a viver em Cabo Verde, as ligações a este país são maiores do que a qualquer outra parte do mundo.

“Conheço a maneira de estar, os problemas, as realizações deste país”. E emociona-se com cada passo que este pequeno arquipélago dá. Dos grandes avanços aos mais pequenos, Lígia Dias Fonseca  vive intensamente cada passo do desenvolvimento deste país.

“É como quando os nossos filhos dão os primeiros passos. Em todo o mundo, em todos os séculos, as pessoas dão o primeiro passo, mas o dos nossos filhos é único”, compara.

Pequenos grandes passos como o da chegada do Fast Ferry Kriola. Nesse dia, recorda, estava na sua casa – onde continuam a viver mesmo após a tomada de posse de Jorge Carlos Fonseca – e viu do alto do quarto-andar, chegar a embarcação. Emocionou-se, “por saber o que isso ia representar para a Brava e para o Fogo”.

E como este há outros exemplos. Uns maiores, outros menores mas de importante repercussão.

“É um país cheio de dificuldades e todas estas realizações significam que se pensa, que se canalizam recursos, que se fazem opções a pensar nas pessoas. Todas as opções feitas a pensar verdadeiramente nas pessoas e não no que se pode ganhar com as pessoas, são realizações que vale a pena serem feitas”, comove-se.

 

A vida de todos os dias

Em 2011, Lígia Dias Fonseca tornou-se Primeira-dama, após a vitória do seu marido nas eleições presidenciais, um cargo que assumiu fazendo também seu o lema de Jorge Carlos Fonseca: “Junto das pessoas” e para as pessoas, por um verdadeiro e avançado Estado de Direito Democrático.

Hoje, os seus dias são passados a gerir o dia-a-dia da sua família e a ouvir os problemas dos outros. Seja através das solicitações que lhe chegam enquanto Primeira-dama, seja no exercício da sua profissão de advogada.

“Como advogada sou confrontada diariamente com imensos problemas, alguns problemas humanos que são muito muito sérios. Não é dizer que são graves, mas são sérios porque deixam famílias completamente desorientadas”. A estes problemas, juntam-se o dos cidadãos e cidadãs que lhe pedem atenção em relação a problemas de índole pessoal ou social.

E por vezes há necessidade de parar, sentar-se e alhear-se um pouco da realidade. Recuperar energias físicas e emocionais. O cinema é seu grande escape.

Aquele momento, “em que o dia terminou, a minha filha já está a dormir, o Jorge está a ler ou está na internet e eu estou tranquilamente” sentada, em frente à televisão “a ver um bom filme”, é um prazer. Mas não o único.

Passear e conhecer novos lugares, seja no exterior seja no país, é outro hobby da primeira-dama. Seja um restaurante, seja uma barragem, seja qualquer outro local. De preferência acompanhada pela filha e outros miúdos, em cujo olhar procura (re)ver o brilho de descobrir algo novo.

Pequenos momentos de lazer, numa vida preenchida pelas diversas actividades exigidas pelas diferentes facetas de Lígia Dias Fonseca, mulher, mãe, advogada e Primeira-dama de Cabo Verde.

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Autoria:Sara Almeida,18 nov 2014 0:00

Editado porExpresso das Ilhas  em  31 dez 1969 23:00

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