O Assembleia continuou a ser um órgão unicameral e representativo de todos os cidadãos cabo-verdianos, ficando constitucionalmente determinado o mínimo de 66 Deputados e o máximo de 72 Deputados para a sua composição e um sistema de eleição por listas plurinominais (artigos 122.º e 153.º).
A Revisão Extraordinária de 1995
Através da Lei Constitucional n.º 1/IV/95, de 13 Novembro, a Assembleia Nacional procedeu a uma revisão pontual do texto constitucional, na sequência da publicação tardia da lei eleitoral de 1994. A revisão limitou-se a aditar nas disposições transitórias uma norma sobre a aplicabilidade do artigo 102.º.
Este artigo previa que “a partir do ano anterior à realização de eleições para qualquer órgão do poder político e até ao apuramento dos resultados, a respectiva lei eleitoral não pode ser alterada ou revogada.”
Assim reviu-se a Constituição com o único propósito de adiar a aplicação desse preceito nos seguintes termos: “O disposto no artigo 102.º da Constituição não se aplica às primeiras eleições para os órgãos do poder político, após a entrada em vigor da presente Constituição” (art.316º- A).
A 1ª Revisão Ordinária de 1999
Decorridos sete anos sobre a aprovação da Constituição de 1992, fez-se a 1ª revisão ordinária da Constituição, em 1999.
Considerada uma revisão extensa e profunda que abrangeu vários princípios constitucionais, a revisão de 1999 foi marcada pela introdução de preceitos importantes nomeadamente a institucionalização da língua crioula, ficando o Estado incumbido de criar as condições para a oficialização da língua materna, em paridade com a língua portuguesa, assim como se plasmou na Carta Magna o Hino Nacional aprovado em 1996 por lei própria, estatuiu a questão do género atribuindo ao Estado a tarefa de remover os factores de discriminação da Mulher na família e na Sociedade e incentivar a participação de ambos os sexos, de forma equilibrada na vida política do País, e um estatuto administrativo especial para a Capital do País (arts.8º,9º,10º).
Ainda a nível da justiça, a revisão de 1999 veio consagrar o Tribunal Constitucional e a figura do Provedor de Justiça (art.219º e 253º). O período da legislatura continuou a ser de cinco anos, a sessão legislativa passou a ter a duração de um ano e a Assembleia Nacional a funcionar de 1 de Outubro a 31 de Julho (art.º 149.º e 150.º).
Reforçou-se significativamente as competências absolutamente reservadas da Assembleia Nacional, nomeadamente ao prever que cabia exclusivamente a esta legislar sobre a organização e competência dos Tribunais e do Ministério Público, as restrições ao exercício de direitos, o regime do sistema de informações da República e do segredo de Estado e o regime de protecção de dados pessoais (art.º 175º).
A 2ª revisão ordinária da Constituição ocorreu em 2010 decorridos 11 anos da primeira revisão. A Justiça e os Direitos, Liberdades e Garantias foram sem dúvida questões que mereceram particular atenção, na revisão, nomeadamente, a flexibilização da proibição de extradição e a inviolabilidade domiciliária nocturna (arts.38º e 43º).
No sistema Judicial a revisão de 2010 criou os tribunais judiciais de segunda instância, e estatuiu que a escolha dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça deve ser feita por concurso público.
Por outro lado, quanto ao sistema de Governo surgem com a revisão de 2010 novos elementos de equilíbrio, pois com essa revisão o Presidente da República passa a ter o poder de dissolução da Assembleia, (no caso previsto na al. e) do n.1 do artigo 135º), sendo dispensado o parecer favorável de qualquer órgão.
“O grande problema que existe nesta Constituição é a efectivação dos direitos sociais”, disse Jorge Miranda aos jornalistas. “A Constituição é praticada no tocante às liberdades, às garantias, à alternância dos partidos do poder, nas eleições livres, mas os direitos sociais precisam de ser efectivados. O direito à saúde, ao trabalho, direito à segurança social, à educação. Fiquei com a impressão de que aí ainda falta mudar muito. Enfim, não é mudar a Constituição, mas sim cumprir a Constituição”.
No fundo, executar o que está escrito na Magna Carta, frase semelhante à que tinha sido dita pelo Presidente da República Jorge Carlos Fonseca [ver caixa]. Até porque, na opinião do constitucionalista português, não se deve mexer no modelo actual. “Acho que o sistema semi-presidencial está muito bem. A experiência mostra que fora dos Estados Unidos da América o presidencialismo não funciona: ou conduz à ditadura, ou então ao impasse político. À ditadura como temos visto em tantos países cuja Venezuela é o caso mais recente, ou então não funciona, veja-se o caso do Brasil onde as coisas estão paradas. Portanto, no sistema semi-presidencial cabo-verdiano há um sistema de equilíbrio, divisão de poderes, há um presidente que preside e tem poderes efectivos, mas não é responsável pelo governo, não tem poder executivo. O presidente tem um papel de equilíbrio e de moderação entre os vários órgãos, acho que está muito bem”.
Hoje, a Constituição da República cabo-verdiana mantém-se como referência fundamental do desenvolvimento e consolidação do Estado de Direito e da democracia, e como recordou a presidente do ISCJS, Yara Miranda, a democracia não é uma empreitada acabada, mas sim um processo permanente, paciente e crescente. Ou como resumiu Jorge Miranda, na conferência Constituição e Democracia: “Não basta declarar que a democracia pertence ao povo”.
Presidente da República: «Constituição tem provado que funciona bem»
“Um quarto de século cumprido com estabilidade política é sinal claro que a Constituição da República está a cumprir a sua função”, disse Jorge Carlos Fonseca à rádio pública, esta segunda-feira, data em que se comemoraram os 25 anos da Magna Carta de Cabo Verde.
Para o Chefe de Estado, estes vinte e cinco anos em democracia têm decorrido sem crises relevantes e os cidadãos vêm adquirindo uma cultura constitucional forte e bem mais vasta. “Os cidadãos têm assegurado os direitos, liberdades e garantias”, disse.
Por estas razões, o Presidente da República não encontra motivos para se proceder a mudanças drásticas na actual Constituição e afasta mesmo a possibilidade de haver uma alteração do modelo político actual de Cabo Verde.
“O nosso sistema [Parlamentarismo mitigado] serve a estabilidade política, social e institucional. Se garantimos equilíbrio e estabilidade, vamos mudar para quê?”. Até porque, como frisou o Chefe de Estado, modelos presidencialistas no continente africano não são exemplos de bom funcionamento da democracia.
A questão, para o Presidente da República, é outra: é preciso agir mais e perder menos tempo entre a decisão e a execução. “O nosso défice é de acção, para resolver os desafios do emprego, da segurança, da perspectiva para os jovens, mais inclusão social e menos assimetrias regionais”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 826 de 27 de Setembro de 2017.