Francisco Walter Tavares: Bravenses podem contar com a minha dedicação total

PorAntónio Monteiro,11 mar 2018 8:16

​Desde Outubro de 2017 que Francisco Walter Tavares lidera a CMB, primeiro interinamente e a partir de Janeiro deste ano assumiu o cargo definitivamente, por renúncia do seu antecessor por motivos de saúde.

 Nesta primeira entrevista ao Expresso das Ilhas, Francisco Tavares prometeu cumprir à risca a plataforma eleitoral do seu antecessor Orlando Balla, em cuja equipa foi o número dois, e anuncia a introdução de um forte cunho na área social, sobretudo na questão da habitação social, apoio medicamentoso e nas às evacuações dos menos providos de recursos.

O seu antecessor renunciou ao seu salário de presidente da câmara. O senhor não pode dar-se a esse luxo.

Não posso. Sou professor e quadro da escola secundária da Brava e então a única fonte de rendimento que tenho é o meu salário. Portanto, não posso renunciar ao meu salário. O que não vou usar é a residência oficial como moradia. Além de precisar de muitas obras, essa residência está a servir um projecto cultural muito importante ligado ao Festival Sete Sois Sete Luas e não fazia sentido o presidente da câmara fazer sair o projecto para poder ocupar esse espaço.

Afirmou recentemente que irá dar maior atenção aos emigrantes bravenses nos EUA para que a ilha possa dar o salto qualificativo rumo ao desenvolvimento. Através de que incentivos?

Primeiramente devemos considerar alguns pressupostos. Brava é uma ilha de emigração. Aliás, a emigração para os Estados Unidos começou a partir da Ilha Brava, no século XIX. Temos uma estimativa de que o contingente da primeira à terceira geração de bravenses que partiu para a Nova Inglaterra era 10 vezes superior à população actual da Brava, ou seja, cerca de 60 mil bravenses. Daí que não poderíamos deixar de fora esta forte comunidade com potencial para investimento e também com capacidade de trazer conhecimento e uma nova forma de ver o desenvolvimento da Brava. A comunidade bravense injecta na economia da ilha milhares de dólares mensalmente através de remessas para as suas famílias. De certa forma, ajuda a debelar os efeitos do desemprego na ilha. Iria até mais longe, dizendo que os índices de pobreza na Brava são menores, justamente por causa da comunidade emigrante.

Que instrumentos pretende accionar para atrair a comunidade bravense?

Tenciono lançar este ano aquilo que poderíamos chamar de uma taxa solidária da emigração. Seria uma verba que cada bravense no exterior livremente e mensalmente canalizaria para apoiar um fundo específico, com regras específicas para certos projectos de desenvolvimento. Outra forma seria aglomerar os já muitos grupos, ou indivíduos que apoiam a ilha em sectores muito particulares, mas que é preciso fazer uma coordenação. Por exemplo, existem muitos grupos ou indivíduos que apoiam as escolas da ilha com materiais didácticos de uma forma um tanto ou quanto informal. Entretanto, acontece que muitas vezes temos escolas com excedente de materiais e outras com escassez. Como essas doações são feitas de forma directa e informal acarretam custos que seriam minorados através de isenções alfandegárias, se chegassem à Brava via câmara municipal, ou via delegação municipal da educação. Uma outra área que precisamos melhorar e muito na Ilha Brava é a saúde, nomeadamente a prestação dos cuidados de saúde. Neste momento existe um grupo já organizado nos Estados Unidos que está a angariar fundos para apoiar neste sector. Por sua vez, a câmara municipal está a trabalhar com uma ONG egípcia para que dessa organização cheguem à Brava médicos especialistas que, para além do know how, trarão consigo medicamentos e equipamentos para brevemente podermos apetrechar espaços com condições para podermos fazer até cirurgias na ilha, evitando desta forma graves transtornos com evacuações tanto para a ilha do Fogo, como para a ilha de Santiago. Então existe esse grupo de bravenses nos Estados Unidos que fundaram a Brava Hospital Charity que se quer associar à câmara municipal e à essa ONG egípcia para implementarmos esse projecto que trará enormes ganhos para a ilha. Como pode ver, existem áreas diversas em que podemos cooperar com a nossa emigração. O Desporto, especificamente o futebol de onze, é uma outra área em que há apoio da emigração. E porquê somente o futebol de onze? É porque só nesta vertente desportiva é que as equipas estão organizadas e as associações funcionam muito bem. Neste momento, temos clubes na Brava que contam com 8 a 10 jogadores contratados de outras ilhas, até da ilha de Santiago. Tudo isso graças ao apoio que vem da emigração. Então, é preciso fazer esse piscar de olhos à emigração para podermos organizar esses apoios em projectos sustentáveis nas áreas que os grupos de emigrantes achem serem relevantes. Aí estariam a ajudar directamente a CMB que tem parcos recursos a implementar projectos em determinadas áreas e libertar verbas para outras áreas também importantes.

No plano de actividades da CMB para 2018 constam incentivos para que emigrantes reformados fixem residência na ilha. Entretanto o deficiente serviço de saúde na ilha constitui um empecilho ao regresso dos emigrantes. Como resolver esta questão?

De facto, já houve melhoria nos serviços de saúde, mas são ainda insatisfatórias para garantir que aqueles emigrantes que após a reforma nos Estados Unidos queiram regressar e fixar residência na Brava o possam fazer sem constrangimentos. A maioria deles afirma claramente que a deficitária prestação dos cuidados de saúde impossibilita essa opção. Só agora é que recebi a informação do ministro da Saúde de que a ilha voltará brevemente a contar com um aparelho de raio x. Isso significa que até o momento, para qualquer necessidade de diagnóstico através de raio x, o bravense é obrigado a se deslocar à ilha do Fogo e terá de permanecer na ilha pelo menos um dia, além de ter de atravessar o mar, mais as despesas de estadia e regresso. Então, esses emigrantes, com grande poderio económico e que poderiam impulsionar a economia bravense, habituados ao sistema de saúde americano, ficam inibidos de o fazer, pois seria necessário transitarem, ainda que por curto lapso de tempo, para um sistema de saúde em que não há garantias nenhumas e onde ainda faltam muitos equipamentos básicos de diagnóstico e mesmo que os médicos que estão na ilha queiram fazer milagres, não conseguem.

A resolução deste problema tem carácter de urgência. O que é que estabeleceu com o ministério da Saúde?

Trouxe comigo para a Praia um representante dessa ONG egípcia que no período de seis meses fez chegar à Ilha Brava quatro missões de médicos especialistas e cirurgiões em diversas áreas (oftalmologia, estomatologia, cardiologia e ortopedia) e que querem fixar residência, bastando que a ilha lhes proporcione espaço físico para tal. Então, entrei em contacto com o sr. Ministro da Saúde, levei comigo esse representante e fiz-lhe o ponto da situação dessa parceria. Estamos a desenvolver o projecto para também cumprirmos com todos os aspectos legais para que os médicos dessa organização possam vir mais vezes e praticar os actos médicos que teriam que ser autorizados pela Ordem dos Médicos e, obviamente, pelo ministério da Saúde. Desta forma resolveríamos um aspecto essencial: ou melhoraríamos as condições físicas do Centro de Saúde da Brava, ou criaríamos uma pequena clínica e os médicos dessa ONG garantiriam o seu funcionamento, trazendo eles próprios os equipamentos, ajudando na transformação do espaço físico já identificado pela CMB para a futura clínica. Devo ressaltar que essa organização predispõe-se a manter um médico residente na Brava que atende a todos os pacientes, fazer os relatórios e enviar para a ONG no Egipto que periodicamente enviaria médicos especialistas para que haja cirurgia. Isso seria, de facto, uma revolução total na prestação dos cuidados de saúde na Brava e penso ser essa a solução do momento a nível da Saúde.

A Brava tem apresentado ao longo dos anos projectos de grande envergadura, mas que ficam no papel. A concretização é o calcanhar de Aquiles dos autarcas bravenses?

É assim. Muitas vezes anunciamos, concretizamos e por falta de comunicação social local, principalmente da televisão pública, não se vêem as coisas acontecer. No entanto – infelizmente tenho que fazer essa comparação com o mandato anterior – agora a câmara municipal assina contratos-programa com o governo em montantes muito superiores aos que conseguiu ao longo do mandato 2012-2016. Agora os contratos-programa para um ano são da ordem do equivalente a todo aquilo que se rubricou em quatro anos do mandato anterior. Para 2018 a Brava já tem garantido, dos diversos fundos e do ministério das Infraestruturas, verbas para investimento em valores aproximados de 45 mil contos. Para comparação: no mandato 2012-2016 a câmara municipal rubricou com o governo anterior um total de 43 mil e 500 contos.

Na recente conferência sobre a regionalização opôs-se à possibilidade de a sua ilha vir a pertencer à região Fogo/Brava, embora a proposta do governo para a Brava seja ilha/região. Porque receia a ligação ao Fogo?

É que até agora só o governo apresentou uma proposta de regionalização. Foi a primeira cimeira de socialização desta proposta [Praia, 23 de Fevereiro]. No final o primeiro-ministro disse que a proposta não está fechada, justamente por estar ainda em fase de socialização. De facto, a proposta do governo para a Brava é Ilha-Região, mas a minha intervenção que foi a última, foi mais na sequência de outras intervenções anteriores em que pelo menos ficou no ar a questão, ‘porque não se pensar em regiões que englobariam mais que um município, mas também mais do que uma ilha? E como há já algum tempo que se fala muito em instituições e infraestruturas para a região Fogo e Brava e como eu sei que isto não funciona, por isso quis que ficasse claro que nós da Brava não apoiaríamos uma solução de regionalização Fogo/Brava, porque a ilha Brava ficaria numa posição de fraqueza total. Veja só, a ilha do Fogo tem cerca de oito vezes a população da Brava. A regionalização implicaria um governo regional eleito pelo povo. Os bravenses correriam o risco de ter a equipa governativa da região Fogo/Brava sem um único elemento da Brava.

Passando ao mau ano agrícola. A população da Brava é abastecida por apenas duas nascentes cujo nível vem diminuindo ano após ano e que se acentuou com a falta de chuva no ano passado. Que medidas a câmara e o governo têm tomado para fazer face à situação?

A câmara municipal sentou-se à mesa com a delegação do ministério da Agricultura e do Ambiente e elaboramos o plano de mitigação que foi aprovado e financiado pelo governo em 11.720 contos. Cerca de 60 por cento deste montante vai para a criação de emprego para as famílias mais afectadas pela seca. A outra parte vai para a mobilização de água para fazê-la chegar lá onde estão os animais, para o subsídio para rações e pasto para o gado e para algumas intervenções necessárias como a construção de reservatórios, bebedouros, melhorias do sistema de rega gota-a-gota, etc. De facto, a diminuição do nível das duas nascentes é um grande problema que se coloca à Ilha Brava. A nascente de Encontro está com muito baixa capacidade: passou de 250 m3 para 230 m3 dia, e já há necessidade da racionalização da distribuição da água. Basta dizer que mesmo a Cidade de Nova Sintra é abastecida duas vezes por semana e apenas por duas horas e já há localidades que são abastecidas só uma vez por semana. A solução já tinha sido identificada e discutida com o primeiro-ministro e o ministro da Agricultura; então avançou-se com o estudo para a dessanalização da água. O estudo já está pronto e já foi entregue ao gabinete do primeiro-ministro. Vai-se mobilizar recursos financeiros para a aquisição dos equipamentos e iniciar as obras de instalação. É uma unidade com capacidade para 500 m3 diários. Triplicaríamos então a quantidade de água disponível para o consumo humano e para a agricultura. Daí estar muito esperançoso de que ainda este ano poderemos passar a ter essa solução concretizada.

No mês de Janeiro assumiu definitivamente a presidência da câmara municipal. O que os bravenses poderão esperar até o final do seu mandato?

A Ilha Brava sequer tem necessidade de avultosos recursos para a sua infraestruturação. Já está tudo identificado em termos daquilo que seriam as intervenções por toda a ilha e ainda descriminadas por localidades, fruto das presidências abertas que fizemos a estas localidades. Então esse plano será seguido à risca em termos de infraestruturação, da formação profissional e do apoio à educação universitária. Vamos também investir para que haja mais turismo, mas para isso temos que fortalecer o sector das pescas, o sector da agricultura, prestação de serviços, etc. Com a mobilização da água com certeza que mais áreas passarão a ser novamente cultivadas, a pesca ganhará novo impulso e não ficará apenas para exportação para a Cidade da Praia, mas também para o consumo interno e haverá mais investimentos em unidades hoteleiras por parte dos privados. Estamos também trabalhando na melhoria dos cuidados de saúde para que também os que nos visitam tenham garantia desses cuidados. Então, no meu mandato os bravenses podem esperar uma dedicação total no cumprimento cabal daquilo que foi a nossa plataforma eleitoral e com a introdução de um forte cunho na área social, principalmente na questão da habitação social, no apoio medicamentoso e às evacuações para a ilha do Fogo daqueles menos providos de recursos.

O que significa para a Brava a recente instituição do 3 de Dezembro como Dia Nacional da Morna?

Diz-se que a morna nasceu na Boa Vista e que na Brava cresceu e tornou-se adulto, muito por conta de Eugénio Tavares, natural da Ilha Brava Então, ao nosso turismo de natureza e de montanha teremos todas as possibilidades de acoplar a figura de Eugénio Tavares e a morna como produtos turísticos da ilha. Daí que a instituição do dia 3 de Dezembro como Dia Nacional da Morna e a provável declaração da Morna como Património Mundial traria claramente uma mais-valia para esse nosso propósito turístico. No final do ano passado a câmara municipal promoveu um show com a artista Solange Cesarovna que lançou um disco só com mornas de Eugénio Tavares. Então, esse foi o nosso contributo para esse desígnio nacional. Em todos os festivais de música que se realizam pelas ilhas de Cabo Verde, a CMB sempre que solicitada envia uma voz bravense com a indicação de que terá que cantar uma morna. Exactamente porque essa elevação da morna poderá fazer muita gente falar da morna e de Eugénio Tavares e concomitantemente da Brava e querer visitá-la.


O perfil

Francisco Walter Tavares, 42 anos, licenciado em matemática, foi por vários anos professor do ensino secundário na Ilha Brava. De 2012 até finais de Outubro de 2017, foi vereador de vários pelouros da edilidade bravense tendo por último acumuladoo pelouro da educação, juventude e desportos, com o das infraestruturas e urbanismo. Em Outubro de 2017, por motivos de saúde do então edil, exerceu interinamente a presidência da Câmara Municipal da Brava, para, em finais de Janeiro de 2018, assumir definitivamente o cargo, por renúncia de Orlando Balla.

Pessoa muito discreta, o novel autarca escusou-se falar de si próprio, resumindo o seu perfil em breves termos. “Sou uma pessoa simples, aliás, todos os bravenses conhecem-me como tal. Tenho a ambição de servir muito bem a Brava. Embora não tenha nascido e crescido na Brava, sinto-me mais bravense do que badio, embora tenha nascido na ilha de Santiago. Entrei na política ao constatar que não se pode apenas criticar, pensando que se pode fazer mais e melhor, sem se predispor a dar o seu contributo. Também foi por amor à Brava, terra dos meus pais, e que incontestavelmente é a minha terra”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 849 de 07 de Março de 2018.

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Autoria:António Monteiro,11 mar 2018 8:16

Editado porSara Almeida  em  12 mar 2018 9:57

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