“Experimentador: Diz-me uma palavra grande
Criança: «Recreio
Exp: Porquê? Porque é que recreio é uma palavra grande?
C: «Porque tem muitos meninos.
Ler e escrever são destrezas complementares, complexas, dependentes de concepções iniciais sobre a natureza das mesmas e naturalmente, do treino.
Uma percentagem significativa de crianças não aprende a escrever no “timing” que é esperado – até ao final do 1º. Ano de escolaridade. As causas são diversas e habitualmente estão envoltas em mal-entendidos por parte de quem lida de perto com as crianças – professores, pais e mães.
A entrada no ensino básico é normalmente rodeada de expectativas que se manifestam em comentários como –“agora é que vai ser a sério”, “agora vais começar a aprender”, “vais aprender a ler e a escrever”. Estes comentários, expressados com maior ou menor consciência pelos adultos significativos para a criança, ajudam-na a construir a noção de que a aquisição da leitura e da escrita constitui um passo determinante para as aprendizagens subsequentes.
A aprendizagem da leitura e da escrita implica 3 etapas ou fases:
1ª. Fase cognitiva (a criança constrói uma representação mental da tarefa – o que significa ler e escrever e para que servem)
2ª. Fase do domínio (essencialmente uma fase de treino e aperfeiçoamento das operações básicas exigidas pela tarefa)
3ª. Fase da automatização (a criança deixa de ter necessidade de pensar conscientemente sobre o que está a ler e a escrever)
Diversos estudos indicam que o principal obstáculo para a aquisição da leitura e da escrita situa-se na fase cognitiva.
Com o objectivo de facilitar e ultrapassar os obstáculos que podem surgir nesta etapa (fase cognitiva) são diversas as estratégias que pais, mães e professores/as podem utilizar, designadamente:
- Ajudar a criança a construir um “projecto pessoal de leitora” no sentido de criar um sentido e uma necessidade: “quero aprender a ler para ler histórias, para perceber melhor os filmes estrangeiros, para escrever e-mails à minha prima que vive na Holanda, etc”
- Auxiliar a criança a perceber a funcionalidade da leitura e da escrita- leitura e escrita são ferramentas de comunicação
- Favorecer junto da criança a compreensão da multiplicidade de objectivos da leitura (leitura de contos e histórias, cartazes, notícias, etc) e ainda as várias formas de leitura (leitura em voz alta, leitura silenciosa, leitura em diagonal)
Para construírem este projecto pessoal, as crianças têm de contactar com escritos e leituras que lhes interessem e com as quais sintam prazer para que sintam necessidade de se tornarem leitoras. Os professores, educadores de infância, pais e mães devem ler para a criança e devem servir como modelo – as crianças devem poder ver estes adultos significativos a ler.
- Utilizar suportes de leitura que motivem as crianças para além dos manuais escolares, que habitualmente usam textos preparados propositadamente para a decifração e que introduzem sons, sílabas, palavras, frases sem preocupações literárias de maior.
Ler e escrever aprendem-se com maior facilidade se, desde muito cedo, a criança contactar com o mundo da leitura e da escrita através dos outros significativos e em contextos motivacionais diversos e ricos.
O momento em que uma criança aprende a ler é de mistério e magia.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 749 de 06 de Abril de 2016.