Cada ilha, a sua dieta

PorChissana Magalhaes,21 out 2017 6:11

E quem não é vegano, ovolactovegetariano, paleolítico, praticante de jejum ou obrigado a restrição ou reeducação alimentar? O que come a maioria dos cabo-verdianos? Uma coisa é certa, o que se leva à mesa varia de ilha para ilha e até dentro de uma mesma ilha.

 

 

Numa pesquisa conduzida pela prestigiada universidade de Cambridge, divulgado em 2015 pelo Daily Mail, Cabo Verde aparecia em terceiro lugar na lista dos países com maior consumo de alimentos saudáveis, logo a seguir à Tunísia e Barbados.
Este resultado era explicado pelo facto de nos países mais ricos as populações terem um consumo excessivo de alimentos pouco saudáveis, os denominados junk-food ou comida de plástico, que para além de conterem poucos nutrientes são hipercalóricos.
O período abrangido pelo estudo, que não deixou de causar alguma surpresa por aqui, foram as décadas de 1990 a 2010. A surpresa terá sido devido às notícias frequentes nos últimos anos de que doenças associadas à má alimentação como a diabetes e as doenças coronárias – estarem a aumentar no país. No imaginário de muitos está uma dieta nacional onde os carbo-hidratos imperam (pão, arroz, milho…), o óleo e as frituras abundam e enchidos como a linguiça e os doces de coco, de leite e mancarra, são snacks sempre presentes.
Porém, numa reportagem do Expresso das Ilhas desse mesmo ano (2015) a endocrinologista Vanusa Oliveira referia o facto de que, embora existissem elementos comuns em todo Cabo Verde, na realidade cada ilha tem uma dieta própria, decorrente da disponibilidade de produtos e dos preços.
A tradição também joga no que os cabo-verdianos levam à mesa. No norte da Boa Vista, por exemplo, um prato de cachupa refogada com leite de cabra e tâmaras ainda é um lanche ou jantar comum, como o era há 20 ou mais anos atrás. Batata-doce com leite de cabra, idem.
Foi o que comeu Iva Rosário no último fim-de-semana que passou na sua vila natal, João Galego, onde a carne de cabra e verduras são bem mais presentes à mesa do que na cidade de Sal-Rei, capital da ilha a que os locais ainda se referem como “Vila”. Leite fresco de cabra, queijo de cabra, milhos e feijões, frutas como melão, melancia e tâmaras, são alimentos que entram naturalmente na dieta dessa região da ilha onde também a papa de milho ainda encontra lugar à mesa.
“Na “Vila” comemos mais à base de peixe. Come-se muito peixe aqui, com saladas e verduras”, diz a boa-vistense admitindo, no entanto, que com o crescimento do turismo aumentou no mercado local a oferta de alimentos industrializados ou processados, os tais “empacotados e enlatados”.
“Aqui o leite já é sempre de pacote. Ainda bem que temos o mercado municipal onde encontramos as verduras que as pessoas trazem do norte”. Já algumas frutas e os ovos são importados.
Da Boa Vista para Fogo e Brava, ilhas onde o regime alimentar é parecido, dão-nos conta de que também aí o peixe é preferido na mesa. Especialmente na Brava, onde é mais barato e é menor a quantidade de animais de pasto.
Júlio, natural da Brava diz que nessa ilha onde colhe-se muita abóbora também “as leguminosas, como a “fava”, são abundantes devido ao clima fresco”.
O clima também especial na ilha do Vulcão garante uma variedade e abundância de frutas difícil de encontrar nas outras ilhas. Uvas, romãs, cajus, maçãs e pêssegos entram na dieta dos habitantes de Chã das Caldeiras, mas também de outras zonas da ilha onde o queijo fresco, o vinho e o café, quase sempre biológicos, fazem o nosso entrevistado defender que a região Fogo-Brava tem o melhor regime alimentar do país.
Mesmo em Santiago, onde mais facilmente podemos confirmar aquela alimentação antes mencionada – rica em carbohidratos, gorduras e doces – há ou havia diferença no tipo de alimentação que se faz no interior da ilha e na Cidade da Praia. Hoje, com grande parte da população do interior da ilha a deslocar-se para a cidade, a diferença esbateu-se, os costumes de um lado viajaram para outro e vice-versa.
Liana Gonçalves, que há tempos voltou a morar no seu concelho de origem e aderiu aos cozinhados da avó para ganhar peso e, principalmente, formas mais generosas, conta que em Calheta de São Miguel arroz, peixe, carne, feijão e a famosa cachupa são rotineiros nas panelas.
“Grosso modo são refeições que rendem mais em famílias numerosas e são de preço relativamente acessível. Considerando todos estes itens, guisados e refogados com legumes (batata doce, batata “inglesa”, banana verde) são regra quase em todo o lugar. A introdução de salada, cozido, grelhado nota-se em algumas mesas, principalmente nas de famílias de casais jovens. Pratos mais elaborados, só em ocasiões ou em fins-de-semana”, relata.
Outras nuances dos hábitos alimentares por aquelas bandas: “A linguiça importada (chouriço) é muito consumida; leite em pó é preferência: conserva melhor e prepara-se de forma que rende mais; a carne de frango tem o monopólio dos congelados. Nos últimos anos as lojas se encheram de produtos...” constata Liana, mas depois acrescenta:
“Se me perguntar se as famílias têm o costume de fazer compras “a grosso”, no final do mês... Diria: algumas... A maioria faz compras a retalho; um grão de caldo de galinha, 1 kg de arroz, meio kg de frango ou dois peixes e batata…”
O Plano Nacional de Alimentação e Nutrição 2015-2010, que prioriza o controlo e prevenção da malnutrição (carência e excesso) a diz que a oferta de produtos alimentares em Cabo Verde é assegurada maioritariamente pela importação e pela ajuda alimentar, chegando a quase 80%.Há um aumento da produção interna de alimentos que passou a cobrir entre 10 e 15% das necessidades, com um aumento da produção de hortaliças na ordem dos 21%, de raízes e tubérculos 9% e de frutas 5%, (DSEGI- MDR, 2012). A produção de carne e a captura de peixe cobre aproximadamente 100% das necessidades em proteína animal.
“A estrutura de consumo alimentar demonstra um elevado consumo de cereais (47% da ingestão energética alimentar total) e lípidos (14% directamente de óleos e gorduras vegetais). A contribuição do peixe, leite e derivados (proteínas de maior valor biológico) e carne, representa 1,7%, 2,9% e 3,6%, respectivamente, do consumo energético total.”, diz o documento.
O Plano, como esperado, aponta como grande desafio da nutrição em Cabo Verde a mudança na estrutura do consumo alimentar, com o aumento no consumo de alimentos industrializados, ricos em açúcar refinado e gorduras. Para isso deverá contribuir a meta fixada de dotar todos os hospitais regionais e as delegacias de saúde da Praia, S. Vicente, Sal, Porto Novo, S. Cruz e Santa Catarina, de nutricionistas.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 829 de 18 de Outubro de 2017. 


 
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Autoria:Chissana Magalhaes,21 out 2017 6:11

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  23 out 2017 9:41

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