A estação árabe quer ser um líder de informação a nível global, mas para isso precisa de conquistar os Estados Unidos. O seu novo canal americano arranca esta tarde
Será que um canal de informação que há poucos anos era visto como um veículo de propaganda da Al-Qaeda pode vir a ser celebrado nos Estados Unidos como um canal americano?
A partir de hoje, a televisão árabe Al-Jazira terá o seu próprio espaço nos ecrãs americanos: um canal de notícias criado especificamente para um público americano.
Durante anos, a Al-Jazira procurou integrar a oferta dos operadores da televisão por cabo americana, sem qualquer êxito, com o seu canal internacional falado em inglês. Mas em Janeiro, a estação financiada pelo Governo do Qatar comprou a Current TV, um canal da televisão por cabo, para começar o seu próprio canal. Os seus produtores e jornalistas são maioritariamente americanos - a Al-Jazira foi buscar nomes respeitados a estações tradicionais, como a ABC e a CNN - e a estação abriu uma série de delegações por todo o país, incluindo cidades com pouca cobertura noticiosa permanente, como Detroit ou Nashville. O nome deste cavalo de Tróia? Al-Jazira América (Al Jazeera America, no original).
Os planos do novo canal são ambiciosos: competir com os três "grandes", CNN, Fox News e MSNBC, mas segundo um modelo que vai contra todas as tendências da actual informação televisiva americana. A Al-Jazira América promete reportagens originais, jornalismo de investigação e menos intervalos publicitários do que qualquer outro canal de notícias. Numa altura em que os canais de informação da televisão por cabo dedicam mais tempo a reagir aos acontecimentos do que a noticiá-los (isto é, dedicam mais tempo à opinião do que à recolha de hard news) e são desavergonhadamente ideológicos (à excepção da CNN, onde a visão de um convidado de direita e um convidado de esquerda aos berros é habitual), as intenções da Al-Jazira soam como a fantasia de um professor de Jornalismo, notava ontem o New York Times.
A estratégia de promoção da Al-Jazira América, com a sua promessa de investir em jornalismo sério, soa como uma crítica implícita às outras opções de informação televisiva. Numa conferência de imprensa telefónica, o director executivo do novo canal, Ehab Al Shihabi, garantiu que a Al-Jazira terá "menos opinião, menos gritaria e menos histórias sobre gente famosa".
É verdade que as queixas sobre o jornalismo praticado pela Fox News e CNN se tornaram numa espécie de passatempo favorito da opinião pública americana, mas essas críticas têm tido virtualmente efeito zero porque ninguém acredita que um modelo diferente seja lucrativo.
E estes não são tempos animadores para a indústria da televisão paga nos Estados Unidos, que está a tentar lidar com as mudanças no comportamento dos espectadores trazidas pelas novas tecnologias. O número de espectadores que estão a cancelar a televisão por cabo (cuja assinatura mensal pode facilmente custar 200 dólares) e a migrar para sites onde podem ver programas ou filmes a um custo acessível tem vindo a aumentar. As audiências da CNN atingiram o seu nível mais baixo dos últimos 20 anos.
Para muitos observadores, só a Al-Jazira, financiada pelos recursos ilimitados de um pequeno país do Golfo Pérsico rico em petróleo, se poderia dar ao luxo de tão arriscada experiência. Como Philip Seib, autor de um livro sobre a estação do Qatar, explicou recentemente ao Politico, a Al-Jazira está interessada em ser o que a CNN era há 20 anos, um líder de informação a nível global, e para isso precisa de ter uma presença nos Estados Unidos. "Não existe qualquer expectativa de que vão fazer lucro. Eles só querem ser notados."
Para já, a Al-Jazira sofre de um problema de imagem nos EUA. Muitos americanos ouviram falar da estação pela primeira vez depois dos atentados de 11 de Setembro, quando a Al-Jazira se tornou notória por transmitir os vídeos de Osama bin Laden, com as suas mensagens antiamericanas. Durante a guerra do Iraque, o Governo de George W. Bush acusou a televisão árabe de ser um veículo de propaganda do inimigo.
Os representantes da Al-Jazira América dizem estar conscientes dessa percepção, mas acreditam que ela se vai dissipar à medida que os espectadores se familiarizarem com o novo canal. A prova? Recentemente, a Al-Jazira realizou uma sondagem de opinião com perguntas como "O que pensa sobre a Al-Jazira?" e "Vê a Al-Jazira?" Setenta e cinco por cento das pessoas que não viam o canal tinham uma opinião negativa. Mas 90 por cento das que viam tinham uma opinião favorável.